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O futuro da bo�alidade

Olavo de Carvalho
O Globo, 2 de dezembro de 2000

 

Um topos, ou "lugar-comum", � um trecho da mem�ria coletiva onde est�o guardados certos argumentos estereotipados, de credibilidade garantida por mera associa��o de id�ias, independentemente do exame do assunto. Muitos lugares-comuns formam-se espontaneamente, pela experi�ncia social acumulada. Outros s�o criados propositadamente pela repeti��o de slogans, que se tornam lugares-comuns quando, esquecida a sua origem artificial, se impregnam na mentalidade geral como verdades auto-evidentes.

Os lugares-comuns n�o s�o um simples amontoado, mas organizam-se num sistema, que pode ser analisado e descrito mais ou menos como se faz com um complexo em psican�lise, e cujo conhecimento permite prever com razo�vel margem de acerto as rea��es do p�blico a determinadas id�ias ou palavras. Contando com essas respostas padronizadas, o argumentador pode fazer aceitar ou rejeitar certas opini�es sem o m�nimo exame, de modo que, � simples men��o das palavras pertinentes, a cataloga��o mental se faz automaticamente e o julgamento vem pronto como fast food. A impress�o de certeza inabal�vel � ent�o inversamente proporcional ao conhecimento do assunto, e o sentimento de estar opinando com plena liberdade � diretamente proporcional � quota de obediente automatismo com que um idiota repete o que lhe ditaram.

� claro que para isso � preciso come�ar o adestramento bem cedo. Da� a insist�ncia de Ant�nio Gramsci na import�ncia da escola prim�ria. Tamb�m � preciso que algumas cren�as sejam inoculadas sem palavras, atrav�s de imagens ou gestos, de modo que n�o possam ser examinadas pela intelig�ncia reflexiva sem um penoso esfor�o de concentra��o que poucas pessoas se disp�em a fazer. Assim � poss�vel consolidar rea��es t�o padronizadas e repetitivas que, em certas circunst�ncias, um simples muxoxo ou sorriso ir�nico funciona como se fosse a mais probante das demonstra��es matem�ticas.

Se as pessoas soubessem a que ponto se humilham e se rebaixam no instante mesmo em que orgulhosamente cr�em exercer sua liberdade, elas n�o atenderiam com tanta presteza ao convite de dizer o que pensam, ou o que pensam pensar. � por amor a esse tipo de liberdade barata que os jovens, sobretudo, se disp�em a servir aos revolucion�rios que os lisonjeiam.

Para desgra�ar de vez este pa�s, a esquerda triunfante n�o precisa nem instaurar aqui um regime cubano. Basta-lhe fazer o que j� fez: reduzir milh�es de jovens brasileiros a uma apatetada bo�alidade, a um analfabetismo funcional no qual as palavras que l�em repercutem em seus c�rebros como estimula��es pavlovianas, despertando rea��es emocionais � sua simples audi��o, de modo direto e sem passar pela refer�ncia � realidade externa.

H� quatro d�cadas a tropa de choque acantonada nas escolas programa esses meninos para ler e raciocinar como c�es que salivam ou rosnam ante meros signos, pela repercuss�o imediata dos sons na mem�ria afetiva, sem a menor capacidade ou interesse de saber se correspondem a alguma coisa no mundo.

Um deles ouve, por exemplo, a palavra "virtude". Pouco importa o contexto. Instantaneamente produz-se em sua rede neuronal a cadeia associativa: virtude-moral-catolicismo-conservadorismo-repress�o-ditadura-racismo-genoc�dio. E o bicho j� sai gritando: � a direita! Mata! Esfola! "Al pared�n!"

De maneira oposta e complementar, se ouve a palavra "social", come�a a salivar de gozo, arrastado pelo atrativo m�gico das imagens: social-socialismo-justi�a-igualdade-liberdade-sexo-e-coca�na-de-gra�a-oba!

N�o estou exagerando em nada. � exatamente assim, por blocos e engramas consolidados, que uma juventude estupidificada l� e pensa. Essa gente nem precisa do socialismo: j� vive nele, j� se deixou reduzir � escravid�o mental mais abjeta, j� reage com horror e asco ante a mais leve tentativa de reconduzi-la � raz�o, repelindo-a como a uma amea�a de estupro. Tal � a obra educacional daqueles que, trinta anos atr�s, posavam como a encarna��o das luzes ante o obscurantismo cujo monop�lio atribu�am ao governo militar.

Milhares de seitas pseudom�sticas, armadas de t�cnicas de programa��o neuroling�istica e lavagem cerebral, n�o obtiveram esse resultado. Ele foi obra de educadores pagos pelo Minist�rio da Educa��o, imbu�dos da convic��o sublime de serem libertadores e civilizadores. O mal que isso fez ao pa�s j� � irrepar�vel. Supondo-se que todos esses adestradores de papagaios fossem demitidos hoje mesmo, e se inaugurasse um programa nacional de resgate das intelig�ncias, trinta ou quarenta anos se passariam antes que uma m�dia razo�vel de compreens�o verbal pudesse ser restaurada. Duas gera��es ficariam pelo caminho, intelectualmente inutilizadas para todo o sempre.

� em parte por estar conscientes disso que esses mesmos educadores s�o os primeiros a advogar a libera��o das drogas. Eles sabem que o lindo Estado assistencial com que sonham necessitar� largar na ociosidade uma boa parcela da popula��o, danificada, incapacitada, sonsa. Para que n�o interfira na m�quina produtiva, ser� preciso tir�-la do espa�o social, remov�-la para os mundos l�dicos e fict�cios onde o pre�o do ingresso � um grama de p�. Na sociedade futura, a recompensa daqueles que consentiram em ser idiotizados para fazer n�mero na milit�ncia j� est� garantida: cafungadas e picos de gra�a, sob os ausp�cios do governo, e liberdade para transar nas vias p�blicas, sob a prote��o da pol�cia, ante um p�blico t�o indiferente quanto � vis�o banal de uma orgia de c�es em torno de um poste.

Mas n�o � precisamente isso o que desejam? N�o � essa a ess�ncia do ideal socialista que anima seus cora��es?