A velha alucina��o
Olavo de Carvalho
Cada nova gera��o de comunistas come�a dizendo que os antecessores n�o entenderam nada Cada gera��o de comunistas vive de renegar as antecessoras. O pr�prio marxismo nasceu de uma cr�tica arrasadora a seus precursores �ut�picos�. Marx prometia que da� para a frente tudo ia ser tremendamente cient�fico, e para isso come�ou por esconder os dados econ�micos recentes, j� que as estat�sticas atrasadas de 30 anos eram mais apropriadas a sua teoria. Por esse rigoroso m�todo ele descobriu que uma revolu��o comunista s� podia acontecer num pa�s cheio de prolet�rios. N�o era o caso da R�ssia, que s� tinha condes, camponeses, empregados p�blicos e estudantes � uma corja de reacion�rios e oportunistas. Mas, para Vladimir I. L�nin, isso n�o era problema. Se a R�ssia tinha poucos prolet�rios, tinha muitos comunistas: bastava o Partido fazer a revolu��o em nome dos futuros prolet�rios e, quando estes nascessem, seriam informados, nos bercinhos, de que estavam no poder fazia um temp�o. O leninismo formou a classe governante mais poderosa, organizada e implac�vel que j� existiu (implac�vel at� consigo mesma: ningu�m no mundo matou mais comunistas do que eles pr�prios). Quando a revolu��o estava consolidada e os proletariozinhos come�aram a brotar, disseram-lhes que n�o havia mais vagas na Nomenklatura. Todavia, a Revolu��o Russa n�o desmentiu completamente Marx. Sob um aspecto ela lhe foi bem fiel. Ele dizia que no campo s� havia reacion�rios, um �lixo �tnico� (sic) que devia ser varrido do higi�nico mundo futuro. Os camponeses russos confirmaram isso em toda a linha, resistindo tenazmente � pol�tica anti-religiosa e � coletiviza��o da agricultura, o que obrigou o governo a liquid�-los �s pencas. Na China, por�m, o ex�rcito revolucion�rio de Mao Ts�-tung, expulso das cidades, teve de se embrenhar no mato e ficou sem prolet�rios nem funcion�rios p�blicos por perto. Da� o Grande Mao tirou a conclus�o de que os homens do campo eram os bichos mais revolucion�rios do planeta, a verdadeira ess�ncia m�stica do proletariado. A nova doutrina estava t�o certa que, para tomar e exercer o poder em nome dos camponeses, Mao teve de mandar matar apenas 60 milh�es deles. Mas, para o �eurocomunismo� que veio em seguida, todas essas estrat�gias hist�ricas n�o passavam de ilus�es. Real, mesmo, s� o esquema de infiltra��o pac�fica propugnado por Antonio Gramsci, segundo o qual a revolu��o seria feita com potes de anest�sico � sorrateiramente, sem que ningu�m percebesse. Viol�ncia, se preciso, s� depois, com todos os confortos e garantias do poder. A �revolu��o passiva� que ele anunciava, por�m, foi t�o passiva que n�o aconteceu. O estoque de anest�sicos foi ingerido pelos pr�prios comunistas, que s� acordaram com o estrondo da queda do Muro de Berlim. Cada gera��o de comunistas come�a dizendo que os antecessores n�o entenderam bem o esp�rito da coisa, mas que, agora sim, os malditos capitalistas v�o ver o que � bom para tosse. Entre fracassos hediondos e sucessos macabros, assim caminha a humanidade: � o eterno script da novela revolucion�ria. Mas n�o faz mal. Que s�o umas dezenas de milh�es de mortos como pre�o da mais fascinante experi�ncia alucin�gena que j� se inventou? Por isso, quando ou�o falar de uma nova safra de comunistas, saco logo do meu passaporte.
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