Benfeitor ignorado
Olavo de Carvalho
Ele lutou pela verdadeira �educa��o para a cidadania�
O falecimento de Mortimer J. Adler, aos 98 anos, h� cerca de um m�s, n�o foi registrado pela imprensa nacional. Duvido que n�o haja pelo menos uns poucos brasileiros que devam a esse fil�sofo e educador o melhor do que aprenderam nesta vida � mil vezes melhor do que poderiam ter aprendido em qualquer curso universit�rio ou na leitura di�ria de todas as publica��es culturais impressas nesta parte do mundo. Mas, no geral, a cultura nacional est� hoje nas m�os de pessoas que ignoram Mortimer J. Adler. Se n�o o ignorassem, n�o seriam o que s�o, nem a cultura nacional a mis�ria que �. A diferen�a b�sica entre a classe falante brasileira e a americana que ela tanto inveja �, simplesmente, que esta recebeu na escola uma liberal education, e ela n�o. Adler foi a estrela m�xima e a encarna��o mesma da liberal education nos Estados Unidos � o educador que, em �ltima an�lise, fez a cabe�a da elite intelectual mais �gil do pa�s mais forte do mundo. Liberal education �, para resumir, a educa��o da mente para os debates culturais e c�vicos mediante a leitura meditada dos cl�ssicos. Acabo de escrever esta palavra, �cl�ssicos�, e j� vejo que n�o sou compreendido. A falta de uma liberal education d� a esse termo a acep��o estrita de obras liter�rias famosas e antigas, lidas por lazer ou obriga��o escolar. Um cl�ssico, no sentido de Adler, n�o � sempre uma obra de literatura: entre os cl�ssicos h� livros sobre eletricidade e fisiologia animal, os milagres de Cristo e a constitui��o romana: coisas que ningu�m hoje leria por lazer e que geralmente s�o deixadas aos especialistas. Mas um cl�ssico n�o � um livro para especialistas. � um livro que deu origem aos termos, conceitos e valores que usamos na vida di�ria e nos debates p�blicos. � um livro para o homem comum que pretenda ser o cidad�o consciente de uma democracia. Cl�ssicos s�o livros que criaram as no��es de realidade e fantasia, senso comum e extravag�ncia, raz�o e irraz�o, liberdade e tirania, absoluto e relativo � as no��es que usamos diariamente para expressar nossos pontos de vista. S� que, quando o fazemos sem uma educa��o liberal, limitamo-nos a repetir um script que n�o compreendemos. Nossas palavras n�o t�m fundo, n�o refletem uma longa experi�ncia humana nem um s�lido senso de realidade, apenas a superf�cie verbal do momento, as ilus�es de um vocabul�rio pr�t-�-porter. A educa��o liberal consiste n�o somente em dar esses livros a ler, mas em ensinar a l�-los segundo uma t�cnica de compreens�o e interpreta��o que come�a com os eruditos greco-romanos e atravessa, como um fio condutor, toda a hist�ria da consci�ncia ocidental. A liberal education � uma tradi��o nos EUA desde antes da Independ�ncia. Adler lutou como um le�o para que se tornasse patrim�nio de todos os americanos, mas seu sucesso foi s� parcial. As universidades principais t�m, todas, seus programas de liberal education, mas no ensino m�dio a id�ia n�o pegou por completo. Hoje a diferen�a essencial entre a rede de escolas p�blicas, f�bricas de delinq�entes, e as escolas de elite que formam os governantes e os l�deres intelectuais americanos � que estas se at�m fielmente � velha educa��o liberal e aquelas se deleitam em experimentos pedag�gicos de �engenharia comportamental� � muitos dos quais inspiram os programas de nosso MEC. Fala-se muito, hoje, em educa��o para a cidadania. Mas s� h� duas maneiras de formar o cidad�o: a educa��o liberal e a manipula��o ideol�gica. Ou o sujeito aprende a absorver os dados da �grande conversa��o� entre os esp�ritos superiores de todas as �pocas e a tomar posi��o sabendo do que fala, ou aprende a falar direitinho como seus mestres mandaram, usando os termos com a conota��o que desejam, segundo os interesses dominantes do dia. A op��o brasileira est� feita. Por isso, neste pa�s, poucos souberam da vida ou da morte de Mortimer J. Adler.
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