Sapientiam Autem Non Vincit Malitia - Foto da águia: Donald Mathis Mande um e-mail para o Olavo Links Textos Informações Página principal

 

 

 

 

 

 

 

O Ap�stolo e seus leitores

Olavo de Carvalho
Di�rio do Com�rcio, 20 de julho de 2012

 

Quando os advers�rios crist�os do gayzismo dizem que o homossexualismo “� antinatural”, soam, evidentemente, como se emitissem um s�rio julgamento m�dico-cient�fico. No entanto, se chamados a justificar essa afirmativa, n�o podem citar sen�o vers�culos b�blicos, senten�as de te�logos ou, na mais mundana das hip�teses, opini�es de fil�sofos: nem um �nico estudo cient�fico-experimental que d� respaldo �s suas pretens�es. E n�o o podem por uma raz�o muito simples: n�o existe, em toda a ci�ncia experimental, nada que corresponda ao conceito de “antinatural”. A ci�ncia moderna define “natureza” como o campo dos fen�menos acess�veis ao m�todo experimental conhecido. Nada que esteja dentro desse campo pode ser concebido como “antinatural”, e tudo o que seja ou se pretenda antinatural, extranatural, sobrenatural ou preternatural est� fora dele por defini��o. Se a afirma��o de que o homossexualismo � antinatural � perfeitamente leg�tima como ju�zo moral fundado em princ�pios religiosos ou considera��es filos�ficas, dar-lhe ares de verdade cient�fica � uma fraude em toda a linha.

N�o digo que seja fraude consciente. Aqueles que a praticam fazem-no de boa f�, convictos de que o mundo f�sico, como tudo o mais, est� submetido �s leis divinas. Eu tamb�m estou convicto disso, mas sei que a for�a das leis divinas n�o se faz sentir sobre o universo f�sico pelas mesmas vias, nem do mesmo modo pelo qual falamos de “leis naturais” ou “leis da f�sica”. Estas podem ser conhecidas por observa��o e indu��o. O acesso �s leis divinas exige um tipo especial de experi�ncia irreprodut�vel em laborat�rio.

Que essa experi�ncia existe e est� documentada em todas as culturas, � por sua vez um fato cient�fico – em sentido literal – que s� um charlat�o poderia negar. Tiveram-na Mois�s e Ezequiel, os ap�stolos no Monte Tabor, Sta. Teresa de �vila, S. Jo�o da Cruz e uma infinidade de santos, m�sticos e profetas. T�m-na, hoje em dia, milhares de pessoas comuns que passam pelo estado de morte cl�nica, sem atividade card�aca ou cerebral, voltam contando o que viram do c�u e do inferno e atestam a veracidade do seu relato acrescentando-lhe fatos da vida terrestre que se passaram no mesmo instante longe dos seus corpos, e que n�o poderiam ter observado pelos sentidos corporais nem mesmo se estivessem vivas e saltitantes. Negar esses relatos ou contestar in limine o seu valor cognitivo � um exagero hist�rico de dogmatismo ate�sta que denota menos o �dio � “f� religiosa” do que o �dio ao conhecimento.

No entanto, o que se pode e se deve negar � que o conte�do cognitivo de tais experi�ncias possa ser compreendido nos termos un�vocos da linguagem cient�fica moderna e valer, portanto, como express�o de “fatos cient�ficos” universalmente obrigantes como a exist�ncia de part�culas subat�micas. A experi�ncia do mundo transcendente existe, mas o seu sentido n�o � imediato nem un�voco como o dos fatos da ci�ncia natural. Sua rela��o com os dados do mundo f�sico � amb�gua e problem�tica no mais alto grau, como o atestam as controv�rsias teol�gicas que se arrastam h� mil�nios sem solu��o un�nime. Ora, tudo o que na B�blia � mandamento de Deus s� chegou ao conhecimento humano por meio, precisamente, de experi�ncias desse tipo. Mois�s no alto do Sinai, os profetas menores antevendo cat�strofes e milagres, os ap�stolos recebendo o Esp�rito Santo, o pr�prio Jesus falando ao Pai no Jardim das Oliveiras n�o eram cientistas observando fatos do mundo f�sico.

Quando Paulo, por exemplo, fala do “uso natural da mulher”, h� na express�o “natural” todo um am�lgama de tens�es entre a natureza primordial, padr�o do destino integral e �ltimo que Deus reservou ao homem, e a natureza deca�da resultante do primeiro pecado, a natureza como dado emp�rico. N�o se trata de uma ambig�idade meramente sem�ntica, de uma imprecis�o verbal do Ap�stolo. Essa tens�o existe objetivamente na pr�pria natureza, que � ao mesmo tempo um conjunto de fatos acess�veis � observa��o comum – fatos que incluem toda sorte de horrores e monstruosidades – e tamb�m, inseparavelmente, o s�mbolo vivo, ainda que imperfeito, da natureza primordial. Paulo fala da “natureza” desde o ponto de vista de algu�m que tivera a experi�ncia da natureza primordial e, desse posto de observa��o, julgava “antinaturais” certos fatos que, do ponto de vista terreno e imediato, n�o eram sen�o dados da natureza, acess�veis aos sentidos e at� banais.

Prova disso � a segunda ambig�idade, ou tens�o dial�tica, que aparece no uso que ele faz do tempo passado. Ele diz que alguns homens “abandonaram” o uso natural da mulher. Quando abandonaram? Este ou aquele indiv�duo pode ter incorrido nesse pecado desde uma data x ou y, quando o costume j� estava disseminado na sociedade. Paulo refere-se decerto a esses casos, mas suas palavras aludem tamb�m a algo de muito anterior, a uma origem remota, imemorial, do mesmo v�cio. Revirem a frase o quanto quiserem, ver�o sempre que esses dois sentidos aparecem, nela, fundidos e insepar�veis. Paulo fala, com toda a evid�ncia, desde um patamar epistemol�gico em que fatos da natureza, vistos desde a escala maior da natureza primordial, se tornam antinaturais. Ignorada a tens�o, a profundidade da sua mensagem se perde e � reduzida caricaturalmente a uma falsa afirma��o cient�fica sobre fatos da natureza terrestre. E h� pessoas que, quando operam nas palavras do Ap�stolo esse achatamento sem�ntico deformante, acreditam estar prestando servi�o a Deus.

Mais sobre isto no pr�ximo artigo.


Bookmark and Share

Comente este artigo no f�rum:

http://www.seminariodefilosofia.org/forum/15