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A camuflagem da camuflagem

Olavo de Carvalho
Di�rio do Com�rcio, 21 de junho de 2012

 

Repito, pela en�sima vez, o conselho de Georg Jellinek: no estudo da sociedade, da pol�tica e da Hist�ria, a precau��o n�mero um � distinguir entre os processos que nascem de uma a��o consciente e os que resultam da conflu�ncia impremeditada de fatores diversos.

Ao longo da minha vida de estudos, fui colhendo, aqui e ali, alguns preceitos que, por sua evid�ncia m�xima e seu poder elucidativo, acabaram se incorporando definitivamente �s minhas faculdades de percep��o e continuam guiando os passos da minha vacilante in�pcia entre as brumas e a fuma�a da confus�o contempor�nea.

Esse � um deles.

O v�cio de tudo querer reduzir a “leis hist�ricas”, “estruturas”, “causas” e outras for�as an�nimas, suprimindo do panorama os agentes conscientes e todo elemento de premedita��o, s� tem de cient�fico a apar�ncia enganosa que deslumbra e fascina multid�es de estudantes devotados a alcan�ar, como supremo objetivo na vida, a perfeita macaquea��o do discurso pedante sem o qual n�o se avan�a na carreira acad�mica.

Isso � t�o prejudicial � compreens�o dos fatos quanto o velho mito carlyleano que fazia do universo hist�rico inteiro o cen�rio passivo da a��o criadora de uns quantos indiv�duos not�veis, her�is ou monstros sobre-humanos.

Jellinek acertou na mosca quando transp�s ao cen�rio maior da hist�ria e da sociedade um dado do senso comum, que at� os mais burros e inexperientes sabem aplicar na exist�ncia de todos os dias, e que mais tarde Ortega y Gasset resumiria na f�rmula exemplar: “La vida es lo que hacemos... y lo que nos pasa.” Nossa vida resulta da mistura entre aquilo que fazemos e aquilo que nos vem de fora sem qualquer iniciativa da nossa parte.

O culto unilateral das causas impessoais resulta, em parte, de um preconceito positivista e marxista que ali�s nem Comte nem Marx jamais subscreveriam, em parte de um instintivo desejo humano de pular fora de toda responsabilidade pessoal concreta (fazendo, por exemplo, dos criminosos as v�timas inermes e santas da m� distribui��o de renda). Mas resulta tamb�m, e com muita freq��ncia, da ast�cia dos pr�prios agentes hist�ricos, que se escondem por tr�s de for�as an�nimas para n�o ser pegos de cal�as na m�o em pleno ato de implementar algum plano que dependa, para o seu sucesso, da discri��o e do segredo. N�o h� nada de estranho em que esses agentes, com aquela express�o inconfund�vel de dignidade ofendida que s� os mais rematados hip�critas conseguem imitar com perfei��o, recorram ao r�tulo infamante de “teoria da conspira��o” sempre que algu�m os acuse de fazer o que est�o fazendo. Tamb�m � compreens�vel que ningu�m tenha feito apelo mais reiterado e constante a essa camuflagem do que aquele movimento que, desde suas origens, assumiu a clandestinidade como condi��o essencial do seu modo de a��o e a duplicidade escorregadia da dial�tica como seu linguajar oficial. Refiro-me, � claro, ao movimento comunista. E mais compreens�vel ainda � que essa auto-oculta��o sistem�tica tenha redobrado de efic�cia desde o momento em que Antonio Gramsci ensinou a seus companheiros que a mentira e o fingimento n�o eram apenas um instrumento t�tico, por obrigat�rio e consagrado que fosse, mas sim a pr�pria natureza �ntima, a ess�ncia e a chave do processo revolucion�rio como um todo.

Sim, a verdade � essa. Despido dos adornos humanit�rios que o embelezaram ex post facto, e que comparados � trucul�ncia grossa e crua de seus antecessores sovi�ticos  lhe d�o mesmo uma apar�ncia ang�lica, o gramscismo n�o � nada mais, nada menos, que a mais completa, abrangente e meticulosa sistematiza��o do engodo como m�todo essencial da a��o pol�tica -- e o � em escala ainda mais vasta e em sentido ainda mais radical do que o Pr�ncipe de Maquiavel, que lhe serviu de inspira��o remota e esbo�o primitivo.

Como descrever, sen�o nesses termos, uma estrat�gia sutil planejada para que todas as pessoas v�o se tornando socialistas pouco a pouco, sem perceb�-lo, e da noite para o dia acordem em plena ditadura socialista sem ter a menor id�ia de como, quando e por que m�os se operou t�o tremendo milagre?

Essa �, sem nenhuma imprecis�o ou exagero, a defini��o e a f�rmula da estrat�gia de Gramsci para a conquista do poder absoluto pelo movimento comunista.

Mas toda camufagem que se preze � dupla: encobre primeiro o objeto que quer ocultar e depois se camufla a si mesma, para passar despercebida. T�o logo as obras de Antonio Gramsci come�aram a ser publicadas em 1947, a intelligentzia esquerdista se apressou a classific�-las – e a elite conservadora a aceit�-las sonsamente – como express�es de um “marxismo ocidental” original, n�o-dogm�tico, marginal e independente do tronco oficial do movimento comunista.

O que aconteceu foi que, ap�s ter sido oficialmente impugnada at� � morte de Stalin em 1955, a estrat�gia gramsciana foi adotada integral e entusiasticamente pela KGB e, desde o in�cio dos anos 60, aplicada em todo o Ocidente com a pletora de recursos financeiros e instrumentos de a��o acess�veis �quela que era, e � ainda sob outro nome, a maior e mais poderosa organiza��o de qualquer tipo que j� existiu no mundo. Na verdade, o pr�prio St�lin s� rejeitou a parte do gramscismo que preconizava a independ�ncia dos partidos comunistas nacionais, mas n�o deixou de se utilizar de t�cnicas da “revolu��o cultural” desde a d�cada de 30, especialmente nos EUA.

Esses dois fatos poderiam ter sido antevistos em tempo, com um pouco de intelig�ncia. No entanto, mesmo depois de bem comprovados pelos documentos dos Arquivos de Moscou, ainda h� quem teime em ignor�-los.


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