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Promessa cumprida

Olavo de Carvalho
Di�rio do Com�rcio, 28 de maio de 2012

 


Amigos e leitores perguntam o que penso da “Comiss�o da Verdade”. Nem h� muito o que pensar. Ao entregar � admira��o p�blica essa criatura dos seus sonhos, a presidenta Dilma Rousseff prometeu “transpar�ncia”, e confesso raramente ter visto coisa t�o transparente, t�o aberta � inspe��o de seus mais �ntimos segredos. T�o c�ndido � o despudor com que ela se apresenta, que vai at� um pouco al�m da obscenidade. A mais exaurida das imagens diria que desde a roupa nova do rei n�o se via nada igual. Mas, comparadas a este espet�culo, as vestes inexistentes de Sua Majestade t�m a impenetrabilidade de uma burqa. De um s� lance, o sistema que nos governa rasga as vestes e, lan�ando �s urtigas at� o manto di�fano da fantasia, exibe ao mundo suas banhas, suas partes pudendas e suas entranhas com o devido conte�do excrement�cio.

O nome da porcaria j� diz tudo. Nenhuma comiss�o investigadora com alguma  idoneidade e honradez pode prometer, antecipadamente, “a verdade”. No m�ximo, uma busca criteriosa, o respeito aos fatos e documentos e um esfor�o sincero de interpret�-los com isen��o. Se antes mesmo de constituir-se a coisa j� ostentava o r�tulo de “a verdade”, � porque seus membros n�o esperam encontrar pelo caminho aquelas incertezas, aquelas ambig�idades que s�o inerentes tanto ao processo hist�rico quanto, mais ainda, � sua investiga��o. Se t�m tanta certeza de que o resultado de seus trabalhos ser� “a verdade”, � porque sentem que de algum modo j� a possuem, que nada mais t�m a fazer do que refor�ar com novos pretextos aquilo que j� sabem, acreditam saber ou desejariam fazer-nos crer.

E quem, � raios, ignora que verdade � essa? Quem j� n�o conhece, para al�m de toda d�vida razo�vel, o enredo, os her�is, os vil�es e a moral da hist�ria no script da novela que os sete membros da Comiss�o ter�o dois anos para redigir? Quem n�o sabe que o produto final da sua criatividade liter�ria ser� apenas o remake, retocado num ou noutro detalhe, de um espet�culo j� mil vezes encenado na TV, nas p�ginas dos jornais e revistas, em livros e teses universit�rias, em manuais escolares e em discursos no Parlamento?

Se � certo que quem domina o passado domina o futuro, qualquer observador atento poderia prever, j� nos anos 60, a conquista do poder pela esquerda revolucion�ria e a instaura��o de um sistema hegem�nico que eliminaria de uma vez por todas a mera possibilidade de uma oposi��o “direitista” ou “conservadora”. Sim, desde aquela �poca, quando os generais acreditavam mandar no pa�s porque controlavam a burocracia estatal, a esquerda, dominando a m�dia, o movimento editorial e as universidades, j� tinha o monop�lio da narrativa hist�rica e portanto, o controle virtual do curso dos acontecimentos. Os militares, que em mat�ria de guerra cultural eram menos que amadores, nada perceberam. Imaginaram que a derrota das guerrilhas havia aleijado a esquerda para sempre, quando j� ent�o uma breve leitura dos Cadernos do C�rcere teria bastado para mostrar que as guerrilhas nunca tinham sido nada mais que um boi-de-piranha, jogado �s �guas para facilitar a passagem da boiada gramsciana, conduzida pelo velho Partid�o no qual os luminares dos servi�os de “intelig�ncia” militares s� enxergavam um advers�rio inofensivo, cansado de guerra, ansioso de paz e democracia, quase um amigo, enfim.

A hist�ria que a “Comiss�o da Verdade” vai publicar daqui a dois anos est� pronta desde a d�cada de 60.

O simples fato de que os comissionados se comprometam a excluir do seu campo de investiga��es os crimes cometidos pelos terroristas j� determina que, no essencial, nada na narrativa consagrada ser� alterado, exceto para refor�ar algum ponto em que a maldade da direita e a santidade da esquerda n�o tenham sido real�adas com a devida �nfase.

Com toda a evid�ncia, n�o � poss�vel a reconstitui��o hist�rica de delitos cometidos por uma tropa em combate sem perguntar quem ela combatia, por que combatia e quais crit�rios de moralidade, iguais para ambos os lados, eram vigentes na ocasi�o dos combates. O prof. Paulo S�rgio Pinheiro n�o entende essa obviedade, mas quando foi que ele entendeu alguma coisa?

Os membros da Comiss�o enfatizam que os trabalhos da entidade “n�o ter�o car�ter jurisdicional nem persecut�rio”, que visar�o apenas a reconstituir a “verdade hist�rica”. Mas quem n�o enxerga que essa presun��o j� nasce desmascarada pelo fato de que, entre os incumbidos da miss�o historiogr�fica, n�o h� um �nico historiador, nem unzinho: s� ju�zes, advogados e – sem outra raz�o plaus�vel fora a homenagem de praxe ao charme e � beleza da mulher brasileira – uma psicanalista.

J� imaginaram um tribunal penal ou c�vel sem um �nico juiz, t�o somente professores de Hist�ria e um ginecologista?

Juristas n�o t�m treinamento profissional para a averigua��o hist�rica de fatos, s� para a sua posterior cataloga��o e avalia��o legal. E � precisamente disto que se trata. N�o � preciso pensar nem por um minuto para enxergar que a finalidade da coisa n�o � a verdade hist�rica, mas o julgamento, a condena��o moral e publicit�ria, a humilha��o dos acusados, preparando o terreno para um festival de puni��es sob o t�tulo c�nico de “reconcilia��o”.

Tudo isso � �bvio, transparente � primeira vista. A promessa da presidenta, portanto, j� est� cumprida. Apenas, S. Excia. se esqueceu de avisar, ou de perceber, que o objeto vis�vel por tr�s da transpar�ncia n�o � a verdade do passado, mas a do presente: n�o o que sucedeu entre militares e guerrilheiros nos anos 60-70, mas o que se passa nas cabe�as daqueles que hoje t�m o poder de julgar e condenar.


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