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Onipresente e invis�vel
Olavo de Carvalho
Ao ouvir dizer que vive numa “democracia”, o cidad�o comum imagina que, malgrado algumas tramas s�rdidas urdidas pelos pol�ticos por tr�s das cortinas, o esquema de poder que domina a sociedade coincide com a estrutura vis�vel das institui��es e, em �ltima inst�ncia, pode ser controlado mediante a press�o do clamor p�blico ou o exerc�cio do voto. Algum res�duo oculto, aqui e ali, ser� mais cedo ou mais tarde revelado pelos bravos jornalistas que destampam as latrinas e vasculham os esgotos, expondo os ladr�es e conspiradores � luz do dia para que sofram as penas da lei. N�o obstante falhas ocasionais, no conjunto o sistema, aerado pelos bons ventos da liberdade de imprensa, encarna os ideais iluministas da transpar�ncia e da racionalidade. Lamento informar que h� pelo menos vinte anos esse sistema cessou de existir. O poder dos governos sobre as popula��es civis j� � praticamente incontrol�vel, reduzindo cada vez mais a um mero formalismo jur�dico a diferen�a entre democracia e ditadura. N�o, n�o se trata de nenhuma “teoria da conspira��o”. Conspira��es existem, mas n�o s�o elas que produzem esse estado de coisas. Ao contr�rio, � ele que torna vi�vel, hoje em dia, a cria��o de um governo global onipotente, imunizado contra qualquer tentativa de controle popular. O fen�meno resulta da converg�ncia de tr�s fatores: Primeiro: A complexidade crescente da administra��o p�blica, continuamente fortalecida pelos aportes da tecnologia e das ci�ncias sociais, fornece aos governos toda sorte de instrumentos para implantar as medidas que bem desejem sem ter de passar pelo controle legislativo nem muito menos pelo debate p�blico. Das decis�es fundamentais que alteraram a estrutura de poder no mundo nas �ltimas duas d�cadas, diluindo soberanias e transferindo a autoridade dos Estados para organismos internacionais, somente uma parte �nfima chegou a ser mat�ria de discuss�o parlamentar, e a maioria nem sequer recebeu da m�dia uma cobertura proporcional � vastid�o das conseq��ncias pol�ticas que produziu. Segundo: A progressiva concentra��o dos meios de comunica��o nas m�os de um reduzido n�mero de grandes grupos econ�micos �ntimos do poder estatal, associada � tomada das reda��es por uma nova gera��o de jornalistas ideologicamente comprometidos, transformou jornais, revistas e canais de TV, de ve�culos de informa��o e debate, em ag�ncias de engenharia comportamental e controle pol�tico. A censura de not�cias inconvenientes, a exclus�o das opini�es divergentes, a promo��o descarada dos �dolos da esquerda, a milit�ncia sistem�tica em favor dos objetivos propugnados pela revolu��o globalista tornaram-se quase que normas de reda��o, cinicamente impostas por toda parte como a express�o pura do jornalismo mais neutro e objetivo. Da noite para o dia, valores e crit�rios explosivamente revolucion�rios, hostis aos sentimentos de quase toda a popula��o, passaram a ser apresentados como se fossem a opini�o majorit�ria e obrigat�ria, o padr�o supremo da normalidade. Em todo o Ocidente n�o h�, por exemplo, um s� grande jornal ou canal de TV que n�o trate toda oposi��o �s propostas gayzistas e abortistas como conduta aberrante e criminosa, dando a impress�o de que os novos c�digos de comportamento que se deseja implantar s�o consensos universais milenares, s� rejeitados por fan�ticos e doentes mentais. � evidente que isso n�o � jornalismo nenhum, � um teatro psicol�gico planejado para produzir mudan�as comportamentais. � a engenharia da complac�ncia, da qual j� falei. Terceiro: a queda da URSS deixou desorientadas e �rf�s as massas militantes por toda parte, liberando um enorme potencial humano que, n�o sabendo viver sem uma “causa social” que justifique sua exist�ncia, foi facilmente remanejado para servir, agora fartamente subsidiado pela elite financeira, sob as novas bandeiras da revolu��o global. Foi a vit�ria completa do fabianismo e do gramscismo sobre as vers�es mais arcaicas do movimento comunista. Com velocidade impressionante, as milit�ncias locais foram unificadas, criando, pela primeira vez na Hist�ria humana, a possibilidade de mobiliza��es de massa quase instant�neas em escala mundial – a mais formid�vel m�quina de press�o pol�tica e intimida��o psicol�gica que o mundo j� conheceu. Sob o influxo desses tr�s fatores, a velha democracia representativa tornou-se apenas a camuflagem jur�dica e publicit�ria de novos esquemas de poder que a maioria dos cidad�os n�o compreende e em geral n�o conhece. Gra�as a isso, o avan�o da tirania global � hoje t�o r�pido, t�o intenso, t�o avassalador, que para registrar, simplesmente registrar a sucess�o di�ria dos fatos que o exemplificam, seria preciso um jornal inteiro, n�o este pobre coment�rio semanal. N�o se passa um dia sem que se criem novas estruturas de poder, novos meios de controle social, novos instrumentos de manipula��o psicol�gica destinados a ter um impacto brutal, quase sempre destrutivo, n�o s� na pol�tica e na economia, mas na vida privada e na mente de todos os seres humanos colocados sob a sua �rbita. E esses fatos se desenrolam, quase todos, � margem da aten��o p�blica, seja porque s�o produzidos por meios burocr�ticos discretos, contornando o debate, seja porque n�o chegam a ser noticiados, seja porque o s�o de maneira propositadamente deficiente, sum�ria e eufem�stica, de modo que somente uma fra��o m�nima e inofensiva da popula��o se d� conta do seu verdadeiro alcance e significado. O sonho de Antonio Gramsci, o “poder onipresente e invis�vel”, j� � uma realidade em todo o mundo ocidental. |
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