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A rotina das cobras

Olavo de Carvalho
Di�rio do Com�rcio, 22 de mar�o de 2012

 

 

Se h� uma li��o que a Hist�ria ensina, documenta e prova acima de qualquer d�vida razo�vel, � a seguinte: sempre que os comunistas acusam algu�m de alguma coisa, � porque fizeram, est�o fazendo ou planejam fazer logo em seguida algo de muito pior. Acobertar crimes sob afeta��es histri�nicas de amor � justi�a �, h� mais de um s�culo, imut�vel procedimento-padr�o do movimento mais assasino e mais mentiroso que j� existiu no mundo.

S� para dar um exemplo incruento: o Partido dos Trabalhadores ganhou a confian�a do eleitorado por sua luta feroz contra os pol�ticos corruptos, ao mesmo tempo que ia preparando, para coloc�-lo em a��o t�o logo chegasse ao poder, o maior esquema de corrup��o de todos os tempos, perto do qual a totalidade dos feitos de seus antecessores se reduz �s propor��es do roubo de um cacho de bananas numa barraca de feira.

Mas nem todos os epis�dios desse tipo s�o com�dias de Terceiro Mundo. Nos anos 30 do s�culo passado, o governo de Moscou promoveu por toda parte uma vasta e emocionante campanha contra as ambi��es imperialistas de Adolf Hitler, ao mesmo tempo que, por baixo do pano, as fomentava com dinheiro, assist�ncia t�cnica e ajuda militar, no intuito de usar as tropas alem�s como ponta-de-lan�a para a ocupa��o sovi�tica da Europa.

Os exemplos poderiam multiplicar-se ilimitadamente. Em todos os casos, a regra � a m�xima atribu�da a L�nin: “Xingue-os do que voc� �, acuse-os do que voc� faz.”

Se o acusado realmente cometeu crimes, �timo: desviar�o a aten��o dos crimes maiores do acusador. Se � inocente, melhor ainda. Durante os c�lebres Processos de Moscou, onde o amor ao Partido levava os r�us a confessar crimes que n�o haviam cometido, Bertolt Brecht, �dolo liter�rio maior do movimento comunista, proclamou: “Se eram inocentes, tanto mais mereciam ser fuzilados.” N�o foi mera efus�o de servilismo histri�nico. A declara��o obscena mostra a funda compreens�o que o dramaturgo tinha da premedita��o maquiav�lica por tr�s daquela absurdidade judicial. Como o bem e o mal, na perspectiva marxista, n�o existem objetivamente e se resumem � resist�ncia ou apoio oferecidos �s ordens do Partido, a inoc�ncia do r�u � t�o boa quanto a culpa, caso sirva � propaganda revolucion�ria – mas �s vezes � muito mais rent�vel. Condenar o culpado d� aos comunistas o ar de justiceiros, mas condenar o inocente � impor a vontade do Partido como um decreto divino, revogando a moral vigente e colocando o povo de joelhos ante uma nova autoridade, misteriosa e incompreens�vel. O efeito � devastador.

Isso n�o se aplica somente aos Processos de Moscou. Perseguir o general Augusto Pinochet por delitos arquiconhecidos d� algum prest�gio moral, mas condenar o coronel Lu�s Alfonso Plazas a trinta anos de pris�o por um crime que todo mundo sabe jamais ter acontecido � uma opera��o de magia psicol�gica que destr�i, junto com o inimigo, as bases culturais e morais da sua exist�ncia.

Na presente “Comiss�o da Verdade”, os crimes do acusado s�o reais, mas menores do que os praticados pelo acusador. A onda de terrorismo guerrilheiro na Am�rica Latina data do in�cio dos anos 60, e j� tinha um belo curr�culo de realiza��es macabras quando, em rea��o, os golpes militares come�aram a espoucar. Computado o total das a��es violentas que, partindo de Cuba, se alastraram n�o s� por este continente, mas pela �frica e pela �sia, a resposta dos militares � agress�o cubana mostra ter sido quase sempre tardia e moderada, sem contar o fato de que, pelo menos no Brasil, veio desacompanhada de qualquer guerra publicit�ria compar�vel � que os comunistas, inclusive desde a Europa e os EUA, moviam contra o governo local. Sob esse aspecto, a vantagem ainda est� do lado dos comunistas. Os delitos cometidos pelos militares chamam a aten��o porque uma rede de ONGs bilion�rias, secundada pela milit�ncia esquerdista que domina as reda��es, n�o permite que sejam esquecidos. Nenhuma m�quina de publicidade, no entanto, se ocupa de explorar em proveito da “direita” as v�timas produzidas pela Confer�ncia Tricontinental de 1966, pela OLAS (Organiza��o Latino-Americana de Solidariedade, 1967) ou, hoje, pelo Foro de S�o Paulo. Numa disputa travada com t�o escandalosa despropor��o de recursos, a verdade n�o tem a menor chance. Na t�o propalada �nsia de restaurar os fatos hist�ricos, ningu�m se lembra sequer de averiguar a participa��o de brasileiros nas a��es criminosas empreendidas pelo governo de Fidel Castro em tr�s continentes. Encobrindo esse detalhe, fugindo ao cotejo dos n�meros, trocando os efeitos pelas causas e partindo do pressuposto t�cito de que os crimes praticados a servi�o de Cuba est�o acima do julgamento humano, a “Comiss�o da Verdade” �, de alto a baixo, mais uma farsa publicit�ria montada segundo o modelo comunista de sempre. Seu objetivo n�o � o mero “revanchismo”, como ingenuamente o pensam os militares: � habituar o povo a conformar-se com um novo padr�o de justi�a, no qual, a priori e sem possibilidade de discuss�o, um lado tem todos os direitos e o outro n�o tem nenhum.

A �nica coisa estranha, nessa reencena��o um script tradicional, � que suas v�timas ainda procedam como se esperassem, de seus julgadores, alguma idoneidade e senso de equil�brio, sentindo-se surpreendidas e chocadas quando a igualdade perante a lei lhes � negada – tanto quanto os crist�os se sentem repentinamente tra�dos quando o governo Dilma volta atr�s no seu compromisso anti-abortista de campanha. N�o h� nada de surpreendente em que as cobras venenosas piquem. Surpreendente � que algu�m ainda se surpreenda com isso.

 

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