Amor incondicional � mentira

A tradu��o brasileira do estudo magistral de Tony Judt, Passado Imperfeito. Um Olhar Cr�tico sobre a Intelectualidade Francesa no P�s-Guerra (Rio, Nova Fronteira, 2012), acontecimento excepcional num mercado livreiro amplamente dominado pela literatura de autoglorifica��o esquerdista, fornece �s almas sinceras que ainda restem neste pa�s a ocasi�o de meditar um dos fen�menos mais salientes – e mais deprimentes – da pol�tica mundial no �ltimo s�culo e meio.

O per�odo a� enfocado notabilizou-se pela tenacidade obstinada com que alguns dos intelectuais de maior destaque na Fran�a – Jean-Paul Sartre, Maurice Merleau-Ponty, Emmanuel Mounier, Edgar Morin, Claude Roy e outros tantos – fizeram das tripas cora��o para negar fatos bem provados e, assim procedendo, se tornaram c�mplices do genoc�dio comunista, respons�vel por mais mortes do que duas guerras mundiais somadas.

Na velhice, muitos daqueles colaboracionistas hist�ricos publicaram livros de mem�rias, onde, admitindo finalmente o crime, buscavam e rebuscavam atenuantes psicol�gicos, cada um real�ando mi�das diferen�as do seu caso individual de modo a parecer menos culpado que os outros.

N�o tentarei nem resumir, aqui, as investiga��es meticulosas e sutis com que o historiador brit�nico (autor de muitas outras obras importantes sobre a esquerda francesa, como Marxism and the French Left e Socialism in Provence), busca desvendar o sentido hist�rico dessa epidemia de degrada��es morais, seguida, ap�s meio s�culo, de um festival de desculpas esfarrapadas.

Tudo o que posso fazer � recomendar a leitura do seu livro e assinalar, de passagem, que a conduta abjeta daqueles intelectuais eminentes n�o foi um caso isolado. Bem ao contr�rio: fazer ouvidos moucos ao clamor dos fatos e � voz da consci�ncia, passando da� � oculta��o ativa e aos ataques odientos contra as testemunhas da verdade, tem sido a atitude repetitiva e imut�vel da elite esquerdista sempre que os fatos v�o a contrapelo do que desejaria apregoar. Igualmente constante � o reconhecimento tardio da verdade sufocada, acolchoado sistematicamente em amortecedores sof�sticos e desconversas rebuscadas que acabam por fazer da pretensa confiss�o um novo crime.

Pois durante d�cadas a intelligentzia esquerdista dos EUA n�o negou por todos os meios a realidade patente da penetra��o de agentes sovi�ticos nos altos escal�es do governo de Washington, chegando a cunhar um termo de grande efeito publicit�rio – o “macartismo” – para marcar com o ferrete da inf�mia toda tentativa de revelar fatos que desde a abertura dos Arquivos de Moscou j� ningu�m pode negar em s� consci�ncia?

Essa mesma gente n�o insistiu em pintar os revolucion�rios de Mao Dzedong com as fei��es r�seas de “reformadores agr�rios crist�os”, desarmando toda resist�ncia e preparando o caminho para a liquida��o de setenta milh�es de inocentes pela ditadura mais sangrenta que o mundo j� conheceu?

Os luminares da m�dia novaiorquina n�o capricharam na oculta��o sistem�tica do car�ter comunista da Revolu��o Cubana, para reconhec�-lo s� quando o Estado policial castrista j� havia se consolidado ao ponto de n�o poder mais ser removido?

A milit�ncia esquerdista inteira n�o ostentou e ostenta ainda uma aura de sublime idealismo humanit�rio por ter boicotado a interven��o no Vietn�, quando sabia perfeitamente que a retirada das tropas americanas produziria como conseq��ncia inevit�vel a tomada do poder pelos comunistas e a instaura��o do terror genocida que, naquele pa�s e no vizinho Camboja, viria a liquidar em poucos meses tr�s milh�es de pessoas, tr�s vezes mais do que haviam matado os trinta anos de guerra?

E quem n�o viu, na semana passada, a m�dia americana, incapaz de refutar as provas candentes de falsifica��o dos documentos do presidente Barack Hussein Obama, optar por escond�-las sob toda sorte de insinua��es e conjeturas sobre as poss�veis e imposs�veis motiva��es �ntimas dos investigadores?

Aqui mesmo, no Brasil, voc�s n�o viram o beautiful people inteiro da m�dia, das universidades e do Parlamento negar e ocultar por dezesseis anos a exist�ncia e as a��es do Foro de S�o Paulo, s� vindo a admiti-las, entre eufemismos e anest�ticos de um cinismo sem par, quando se sentiu seguro de que a revela��o era tardia demais para deter a tomada do poder em escala continental por aquela organiza��o criminosa?

N�o est�o vendo agora mesmo a palavra “verdade” ser prostitu�da e esvaziada de toda subst�ncia, ao servir de nome para uma comiss�o cujo prop�sito mais �bvio � o de ocultar os crimes de um partido sob a amplia��o hiperb�lica dos crimes do outro?

Que essa const�ncia, que essa persist�ncia obstinada na nega��o do ineg�vel seja apenas uma cole��o de curiosas coincid�ncias, ou que tudo n�o passe de desvios acidentais no quadro de uma vida intelectual que permanece, fora disso, perfeitamente saud�vel e nobre, eis duas hip�teses loucas que o pensamento racional tem de impugnar, in limine, como sintomas agravados do mesmo desejo de oculta��o.

Ao contr�rio, o que gera tudo isso � uma e sempre a mesma semente perversa, cuja identidade se revela na const�ncia inexor�vel com que seus frutos espalham sangue, terror, humilha��o e fracasso em todos os quadrantes da terra.

Essa raiz � aquela que denominei “mentalidade revolucion�ria”. Sendo por ess�ncia uma invers�o estrutural do sentido do tempo, da a��o e da ordem real das causas, a mentalidade revolucion�ria � tamb�m e necessariamente �dio � verdade, �dio � consci�ncia, �dio a tudo quanto o cora��o humano, no seu mais �ntimo, sabe e n�o pode negar. � op��o radical e intransigente pela mentira.

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