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Um discípulo tardio do sr. Sidney Silveira (Meus caros críticos — IV)

Olavo de Carvalho
Mídia Sem Máscara, 6 de fevereiro de 2012

 

 

 

Na nota que acaba de publicar hoje, 6 de fevereiro, o sr. Lemos não responde a nenhuma das minhas objeções e muito menos se explica quanto à sua conduta abjeta e covarde. Ao contrário, usa da mesma velha tática do Sr. Sidney Silveira, a desconversa elegante, buscando dar a impressão de que aquela discussão é indigna da sua altíssima pessoa. Age como um porco e depois se faz de anjo de pureza. Se é verdade que ele não tem, como proclama, “nenhum interesse em polêmica, xingamentos, ataques pessoais e pirotecnia”, por que espalha insinuações venenosas e depois faz de conta que está muito acima delas, pairando no céu das idéias? Não há nada de tão sublime em dar um tapa e esconder a mão. Poucas coisas no mundo são tão desprezíveis quanto uma conduta de intrigante e fofoqueiro encoberta sob afetações de dignidade intelectual.

Se fosse preciso discutir o conteúdo filosófico do que ele diz ali e na sua mensagem anterior, bastaria, para mostrar que é tão desonesto quanto a sua atitude moral, observar que ele só admite duas alternativas: ou um mergulho na lógica matemática ou a queda no beletrismo divinatório. Colocado nesses termos, o problema já está resolvido de antemão: quem, entre o “trabalho sério” e a “pirotecnia”, escolherá ostensivamente a segunda, desmoralizando-se no ato? Espremida a questão nessa moldura, o pobre leitor não tem saída: ou se confessa um palhaço, um charlatão, ou se encerra de vez na prisão da escola analítica, agradecendo ao sr. Júlio Lemos por trancar a porta às suas costas.

Acontece que a equação assim formulada é uma grosseira falsificação do estado da filosofia dos últimos cento e poucos anos. Os métodos da lógica matemática não são os únicos que existem no mundo, nem se revelaram jamais apropriados para todos os assuntos. Entre os dois extremos que para o sr. Lemos constituem as únicas opções possíveis, estendem-se as “ciências do espírito”, as várias fenomenologias e existencialismos, a Gestalt, as não sei quantas correntes da psicanálise e da psicologia profunda, o marxismo em suas dezenas de variantes, a “nova retórica” de Chaim Perelman, a metodologia dialética de Louis Lavelle, a “lógica da filosofia” de Éric Weil, o neopragmatismo, o estruturalismo, o desconstrucionismo, os estudos de simbolismo e religiões comparadas, a técnica histórico-meditativa de Eric Voegelin, a historiografia simbólica de Modris Eksteins, a neuro-história da arte de Baxandall e mil e um outros métodos e abordagens que a filosofia analítica nem absorveu, nem impugnou. Tentar assimilar criticamente vários desses pontos de vista e articulá-los na medida do possível para obter daí um método viável de compreensão da sociedade, da história, da cultura e de alguns problemas clássicos da filosofia não é “trabalho sério”?

Ou o sr. Lemos, jovem como é, já assimilou e superou com a velocidade da luz todo esse arsenal de perspectivas e conhecimentos, chegando à conclusão de que é tudo bobagem e de que só a escola analítica tem consistência, ou sua afeição a essa escola é uma simples preferência de juventude que ele, na sua presunção boboca, toma a priori como superior a tudo o que ele desconhece.

Que autoridade divina ele não precisaria ter para saltar por cima de todo um século de filosofia e proclamar que fora da lógica matemática há apenas “pirotecnia” e nenhum “trabalho sério”?

O pior é que, depois de resumir assim explicitamente e reiteradamente o leque de opções a esses dois extremos, ele procura atenuar a impressão de fanático da escola analítica, que teme ter deixado nos seus leitores, e passa a declarar que não é tão logicista assim, que aliás não é nem mesmo wittgensteiniano, que, no fim das contas, talvez seja até um pouco tomista. E nem parece se dar conta de que, com isso, está confessando que a redução do quadro a uma opção entre a “seriedade” da lógica matemática e o “beletrismo” de tudo o mais foi apenas uma falsificação, um truque de retórica vagabunda para impressionar a meninada, para ludibriá-la num jogo de cartas marcadas, para induzi-la à força a uma conclusão artificiosa.

O post que ele acaba de publicar constitui-se de considerações destinadas a esclarecer o seguinte ponto: Qual é a exata posição de Júlio Lemos no panorama das escolas filosóficas? Será ele um analítico? Será um wittgensteiniano? Será um aristotélico? Será um tomista? Será um UFO?

É como se o mundo, perplexo ante a riqueza desnorteante de perspectivas na obra publicada de Júlio Lemos, aguardasse ansiosamente uma autodefinição do filósofo para saber onde situá-lo no quadro histórico. Mas, em primeiro lugar, o sr. Lemos não tem obra publicada nenhuma. Ninguém está desorientado quanto às suas idéias, pela simples razão de que ninguém sabe sequer se elas existem. Segundo: o lugar do sr. Lemos na História não era o assunto da discussão. Terceiro: se um debatedor, pego em flagrante delito de difamação velada e falsificação erística da realidade, não responde nada e desvia a conversa para uma autocatalogação erudita, é evidente que ele está tentando apenas parecer bonito para camuflar a feiúra da sua conduta, como se a vaidade fosse um atenuante da intriga e da mendacidade.

Para piorar ainda mais as coisas, o sujeito faz alarde de seus altos estudos de lógica no instante mesmo em que incorre no truque erístico pueril que assinalei acima, o de prejulgar a questão reduzindo as alternativas a duas propositadamente recortadas para fazer de uma delas a escolha obrigatória. Mesmo supondo-se que ele conhecesse lógica tão extensamente quanto pretende, de que teriam servido tantos e tão dificultosos estudos se não o habilitam sequer a perceber um ardil de falsa retórica no ato mesmo de apelar a esse expediente cretino?

O domínio que um filósofo tem da lógica não se evidencia no que ele gargareja a respeito dela, mas no uso efetivo que faz dela ao analisar problemas da realidade e da experiência. O próprio Aristóteles ensina que a lógica não faz parte da filosofia, que ela é apenas um preâmbulo aos estudos filosóficos, tal como algum conhecimento de gramática é um preâmbulo à arte literária sem ser parte integrante dela. Isso quer dizer, claramente, que a filosofia começa onde a lógica cessa de ser um foco de atenção autônomo e se incorpora à mente do filósofo como um habitus, um automatismo inconsciente ou semiconsciente, que serve às investigações propriamente filosóficas com a docilidade de um motor que não faz ruído, exatamente como, no corpo saudável, o funcionamento dos órgãos internos passa despercebido.

A lógica do sr. Lemos, ao contrário, só faz barulho, não cessa de chamar a atenção para a sua augusta importância, mas, na hora de expor uma questão que nada tem de complexa e dificultosa, falha miseravelmente, apelando à erística mais tosca.

O sr. Júlio Lemos não é sério: é apenas afetado. E não dá o menor sinal de que, num futuro próximo, se tornará capaz de distinguir uma coisa da outra.

 


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