Diagnóstico
Olavo de Carvalho
Jean-Sévillia, em Le Térrorisme Intellectuel de 1945 à nos Jours (Paris, Perrin, 2000) apresenta o seguinte quadro da
hegemonia esquerdista nos meios de comunicação
franceses: Esse diagnóstico do redator-chefe do Figaro Magazine poderia aplicar-se igualmente ao Brasil, se não fosse por um detalhe: nos sindicatos da classe, não são oitenta por cento os jornalistas que votam à esquerda. São cem por cento. Nas eleições não há nem mesmo chapas de direita. Na mais pluralista das hipóteses, aparecem duas de esquerda. Idêntica homogeneidade, só em Cuba. E ainda há quem se recuse a crer que algo de anormal e tenebroso acontece no jornalismo brasileiro. Mas ninguém, neste país, publicaria um livro como Le Térrorisme Intellectuel e continuaria redator-chefe de um grande semanário. Justamente porque a situação local é muito mais grave e opressiva que na França, a possibilidade de discuti-la com liberdade é incomparavelmente menor. Aqui, mal se tolera algum anticomunista na página de opiniões, perdido e invisível entre dezenas de esquerdistas. No comando, sua presença seria denunciada como perigo fascista: ele não duraria uma semana no cargo. Quanto mais vasto o poder da casta dominante, mais ela enxerga como ameaça insuportável qualquer detalhe que a contrarie. Também o modus operandi do controle ideológico é diferente na França e no Brasil. Lá, diz Sévillia, o fenômeno não obedece nem a uma linha oficial, nem a instruções ocultas, nem a uma estratégia organizada: ele provém do consenso reinante num microcosmo. Aqui, embora o efeito geral conte também com o infalível automatismo do consenso, certamente os oitocentos jornalistas que a CUT confessa ter na sua folha de pagamento não são deixados sem instruções quanto ao que devem escrever ou omitir. Não obstante constitua talvez a maior compra de consciências já observada na história do jornalismo mundial, a presença desse exército de agentes de influência é aceita nas redações com a maior tranqüilidade, sem que ninguém sinta abalada sua boa consciência de fiscal da moralidade pública. É que o esquerdismo mais estrito se tornou, nesse ambiente, uma espécie de lei natural, corriqueira e improblemática como a rotação da terra ou a fisiologia da respiração. Como num meio ideologicamente homogêneo todos estão em família, a mais dogmática intolerância pode aí subsistir numa atmosfera amigável onde ninguém se sinta pressionado ou intimidado. É claro: quem poderia sentir-se assim está longe. E o traço mais típico da mentalidade intolerante é não saber que é intolerante: ela exclui do seu horizonte visível todos os que não tolera, e então se acha muito tolerante porque tolera os demais.
Somem aos homens da CUT os ativistas partidários e a
colaboração espontânea de companheiros de
viagem, oportunistas e idiotas em geral, e terão a
precisa distribuição de espaços vigente na
mídia nacional: páginas noticiosas integralmente
pautadas pela esquerda, cadernos de cultura e show business dedicados por inteiro à glamurização de
estrelas ativistas, colunas e mais colunas assinadas por
ídolos do esquerdismo letrado, empenhados em dar ares de
dignidade intelectual a uma filosofia de cabos eleitorais. De tal modo as idéias conservadoras desapareceram da mídia, que o público, ignorando-as por completo, não pode dar pela sua falta, e cai como um pato no engodo de chamar de direita a ala tucana e peemedemista imperante -- a fina flor da oposição de esquerda no período militar --, cuja elevação ao poder permitiu que se consolidasse a vitória suprema da hegemonia gramsciana: fazer com que o debate interno da esquerda usurpasse todo o espaço do debate nacional, excluindo por inexpressáveis, impensáveis e por fim inexistentes todas as demais opiniões possíveis. Hoje não há mais democracia no Brasil exceto a democracia interna, o centralismo democrático do velho Partidão, onde a única direita admissível é a direita da esquerda: a socialdemocracia, o reformismo, a tucanidade enfim. O que quer que esteja à direita disso é fascismo. E, como tal, proibido. Esporádicas e aparentes viradas à direita, em situações específicas nas quais o esquerdismo ostensivo arriscaria pegar mal, só servem para dar redobrado vigor ao discurso esquerdista quando, investido da superior autoridade de jornalismo idôneo, ele voltar à carga uns dias depois. Assim, a afetação geral de escândalo diante dos ataques de 11 de setembro foi usada para dar respaldo moral à onda de anti-americanismo que se seguiu, incluindo a rotação semântica de 180 graus nos termos agressor e terrorista, que, em uníssono, passaram com a maior naturalidade a designar o país atacado em vez do atacante. Que de vez em quando se permita ecoar por instantes uma voz de exceção, em protesto inútil contra o estado de coisas, é apenas a quota mínima de risco calculado com que a intolerância vigente anestesia eventuais suspeitas dos leitores, consumando a obra-prima do dirigismo, que é a de fazer-se passar pelo seu contrário. O público, confiado na premissa tácita de que a distribuição das opiniões na mídia reflete mais ou menos o mapa das preferências nacionais, lê o artigo solto e, persuadindo-se ainda mais de que todo anticomunismo é aberração de esquisitões solitários, fica até admirado de que a nossa imprensa seja tão democrática, tão aberta, tão generosa, que chegue ao exagero de dar espaço a um tipo capaz de escrever essas coisas. Muitos chegam a indignar-se com tamanha libertinagem, exigindo a exclusão do intrometido. Não raro, são atendidos. Poucas publicações, como O Globo, se recusam a dar ouvidos a essa gente.
|