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O mito da imprensa nanica - I

Olavo de Carvalho
Di�rio do Com�rcio, 24 de novembro de 2011

 

 

 

No seu texto de abertura, o site “Mídia Alternativa” (http://midiaalternativabypc.blogspot.com/2007/04/jornal-opinio.html) afirma: “Em toda a história, um punhado de grupos detiveram (sic) o poder dos meios de comunicação, veiculando o que lhes era de interesse e excluindo uma maioria, sem voz e sem imagem.”

Capenga o quanto seja, a frase parece descrever literalmente a situação dos conservadores e cristãos hoje em dia, cem por cento excluídos dos grandes meios de comunicação e ali só mencionados em termos pejorativos e caricaturais, quando não francamente caluniosos e odientos; marginalizados, também, no meio universitário, e desprovidos de qualquer canal de expressão fora do universo bloguístico, onde se defendem como podem.

Mas não é a eles que se refere o parágrafo. Ele fala da mídia esquerdista durante o regime militar, apresentando-a como um punhado de bravos combatentes isolados e desamparados, em luta contra inimigos poderosos encastelados nos jornais e canais de TV milionários, sob a proteção do governo.

Menciono o “Mídia Alternativa” a título de mero exemplo. Essa versão da história já se consagrou como verdade absoluta, infindavelmente repetida e repassada às novas gerações através de programas de TV, filmes, livros didáticos, aulas, conferências, jornais estudantis, discursos no Parlamento e, é claro, milhares de sites, muitos deles patrocinados por órgãos do governo.

A glorificação final veio na da série de depoimentos “Resistir é Preciso”, iniciativa do Instituto Vladimir Herzog patrocinada pela Petrobrás e coordenada pelo jornalista Ricardo Carvalho (v. http://www.youtube.com/watch?v=QGI_6UNr-8g&feature=related), em que sessenta e tantos militantes de esquerda recordam a história da assim chamada “mídia nanica” criada a partir de 1964 no Brasil e no exterior como instrumento de luta contra o governo militar.

Seguindo a norma estabelecida, a série enfatiza mil vezes a oposição, a diferença, a distância entre a grande mídia, cúmplice rica do governo militar, e a “imprensa nanica”, pobre e sem recursos, marginalizada e perseguida, lutando corajosamente contra o establishment poderoso.

A imagem, no entanto, é cem por cento falsa. Os astros da mídia esquerdista eram os mesmos que brilhavam nos grandes jornais e revistas. Ocupavam os mais altos postos, mandavam e desmandavam nas redações. Muitos deles dividiam o tempo entre os bons empregos e o hobby revolucionário.

Na Folha de S. Paulo, imperava Cláudio Abramo, trotsquista histórico. No Globo, Luiz Garcia. No Jornal do Brasil, Alberto Dines, cercado de comunistas por todos os lados. Na Folha da Tarde, Jorge de Miranda Jordão e Celso Kinjô. Na Veja, Mino Carta, que dirigiu também o Jornal da Tarde, edição vespertina do Estadão, e depois a IstoÉ. Marcos Faerman, fundador do Ex e de vários outros “nanicos”, trabalhou até seu último dia de vida como repórter especial do Jornal da Tarde, então um dos empregos mais cobiçados na mídia paulistana. Na Editora Abril, a base de apoio ao grupo terrorista de Carlos Marighela era comandada pelo próprio Roger Karmann, membro da diretoria da empresa. A revista Realidade, com Milton Coelho da Graça, Narciso Kalili, Milton Severyano da Silva, Raymundo Pereira, Roberto Freire (o psiquiatra, não o futuro deputado), era um verdadeiro front de guerra esquerdista. É verdade que a revista fechou no fim dos anos 60, mas o mesmo aconteceu com O Cruzeiro e logo depois com a Manchete, que tinham sido órgãos de apoio ostensivo ao governo militar. Excetuadas essas duas publicações e a revista Visão, que teve um breve período de direitismo sob a direção de Henry Maksoud e faliu logo em seguida, praticamente só tiveram diretores de redação direitistas a Folha da Tarde no seu período final, de curta duração e circulação mínima, e Notícias Populares, um jornal de crimes, sem a mínima relevância política.

A esquerda, enfim, não só nunca foi expulsa da grande mídia, mas dominou praticamente sem adversários a profissão jornalística no Brasil. Bem ao contrário, os colunistas tidos como de direita é que foram desaparecendo dos maiores jornais, um a um – Gustavo Corção, David Nasser, Lenildo Tabosa Pessoa, Nicolas Boer, Adirson de Barros –, sendo invariavelmente substituídos por gente de esquerda. Tão promíscua era a relação entre a militância esquerdista e a grande mídia brasileira, que o sr. Mário Augusto Jacobskind, após trabalhar na Folha de S. Paulo de 1975 a 1981, se tornou editor em português da revista oficial cubana Prismas, sendo portanto um notório agente de propaganda comunista, o que não o impediu de ser aceito logo em seguida como editor internacional da Tribuna da Imprensa (e continuar trabalhando até hoje para a Rádio Centenário, do Movimiento 26 de Marzo, braço político da organização terrorista Movimiento de Liberación Nacional, os Tupamaros).

Para fazer uma idéia da hegemonia que a esquerda desfrutava no meio jornalístico ao longo daquele período, basta notar que todos os sindicatos da classe foram presididos por esquerdistas desde o final dos anos 60 até hoje. Não é que a esquerda simplesmente vença as eleições sindicais: é que há meio século não surge uma só chapa direitista para disputá-las.

A hostilidade maciça da classe para com a direita estendia-se a qualquer profissional que, por coincidência ou falta de alternativas, aceitasse emprego naquilo que então restava da decadente e semifalida mídia direitista. Carlos Heitor Cony, que entre 1964 e 1966 havia sido elevado à condição de herói nacional por sua resistência ao novo regime, tornou-se uma imagem do demônio tão logo foi trabalhar na Manchete sob a direção de Adolpho Bloch, um fugitivo da URSS que tinha boas razões para odiar comunistas.

Também é puramente mitológica a noção de que muitos jornalistas perderam seus empregos por conta de suas convicções ideológicas. O Estadão e O Globo (jornal e TV) protegiam seus comunistas como se fossem tesouros, enquanto a Folha, na pior das hipóteses, fazia jogo duplo, tentando agradar à esquerda e à direita ao mesmo tempo. Muitos jornalistas perderam seus postos quando os órgãos em que trabalhavam faliram, como aconteceu com o Correio da Manhã, Realidade, O Cruzeiro etc. Não foram vítimas de perseguição política, mas da má administração ou da má sorte (o que não os impede de receber indenizações como perseguidos da ditadura).

Outros simplesmente largaram os jornais para ganhar mais dinheiro nos novos ramos das assessorias de imprensa e da mídia empresarial, novidades em franco progresso na época. Incluem-se aí centenas ou milhares de esquerdistas que se infiltraram como assessores nos escritórios de políticos, inclusive do partido governista, a Arena, bem como nos altos cargos das TVs estatais e semi-estatais então recém-criadas. O próprio Vladimir Herzog, quando preso, era diretor da TV Cultura de São Paulo. Querem maior prova de que os jornalistas de esquerda não estavam no porão?

Ao longo de todo o período militar a esquerda, em suma, foi hegemônica em toda a mídia brasileira, graúda ou miúda.

A própria existência da censura oficial evidencia o que estou dizendo. Para que iria o governo meter um funcionário da Polícia Federal em cada jornal, para cortar matérias indesejáveis, se nas redações existissem militantes direitistas em número suficiente para fazer a opinião oficial prevalecer desde dentro? Se não há censores oficiais nas redações hoje em dia, é porque não resta nelas um único direitista empenhado em publicar notícias proibidas. O sucesso completo em ocultar a existência do Foro de São Paulo por dezesseis anos, por exemplo, ultrapassa tudo o que a ditadura houvesse jamais ousado sonhar em matéria de controle da mídia. [Continua.]


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