Mergulho no ridículo
Olavo de Carvalho Se uma coisa o século XX demonstrou, é que o impulso dos intelectuais ativistas para aviltar a própria inteligência a serviço do esquerdismo não tem limites. Ao longo das décadas, acadêmicos, escritores, poetas e filósofos foram aplaudindo sucessivamente Lênin, Stálin, Mao Tsé-tung, Fidel Castro, Ho Chi Minh e Pol-Pot, sempre com aquele ar de infinita superioridade, sempre legitimando com belas palavras o emprego da violência e da fraude, sempre vituperando todas as denúncias anticomunistas como calúnias do imperialismo, e sempre se recusando, depois, a assumir qualquer parcela de culpa quando provados enfim os crimes que seus ídolos haviam praticado. Cem milhões de vítimas de sucessivos genocídios esquerdistas são, em essência, o resultado das palavras levianas dos Romains Rollands, Sartres, Merleau-Pontys, Chomskys, Sontags e tutti i quanti. Direi que foi uma tragédia? Claro que não. A lei básica da tragédia é a inocência essencial do protagonista, colhido nas malhas de um destino mau. Os intelectuais ativistas não foram vítimas de um erro inocente: foram autores de uma farsa monstruosa, levados por sua consciência deformada e torpe a arriscar vidas alheias no enredo louco de ficções sangrentas. O Brasil, até hoje, escapou quase ileso a essa novela macabra. Ficou longe do socialismo, tão longe que as novas gerações ignoram por completo a história desse regime e, dele, só conhecem o nome, envolto, graças ao esquecimento geral, numa auréola de belezas platônicas, incontaminadas de experiência histórica. Parece que esses dias de inocência estão no fim. Pelo menos se depender de intelectuais ativistas, entraremos de corpo e alma no socialismo, abraçando com desvairada esperança a ilusão que povos mais experientes já rejeitaram com horror. Se, para esse fim, tiverem de naufragar no mais fundo abismo da tolice, da mentira e do ridículo, essas criaturas mergulharão nele com feroz alegria, mandando às favas os últimos escrúpulos de seriedade intelectual. Na sua ânsia de eleger o candidato petista, o acadêmico Raymundo Faoro, por exemplo, se presta a fazer (a O Globo de 10 de setembro) declarações que bastariam para reprová-lo num exame do curso ginasial. Dou quatro amostras, colhidas a esmo: Primeira: No Império, muitos homens do povo chegaram alto, como Machado de Assis, que tinha menos instrução do que Lula. Bem, Machado de Assis, imberbe, já sabia francês, inglês, italiano e latim. Depois aprendeu alemão. Às vésperas de morrer estava estudando grego. Resta saber quando o homem mais instruído que ele vai começar a estudar português. Segunda: A República não teve lugar para seus intelectuais, seus homens do povo e seus artistas. O Segundo Reinado foi melhor do que a República. Havia lugar para negros, por exemplo. Lima Barreto foi protegido. O problema é o seguinte: Lima Barreto nasceu em 1881. Que proteção oficial pode ter recebido, como escritor, até os oito anos de idade? Terceira: Ruy Barbosa era um construtor de utopias. Sua última utopia era um país onde não haveria mais Visconde de Cairu dizendo besteira. O Visconde dizia que o exemplo que o Brasil deveria seguir era o americano. Talvez o liberalismo brasileiro tenha vivido tanto tempo porque está assentado sobre a ignorância. Dizendo besteira, assentado sobre a ignorância, está o dr. Raymundo Faoro. O maior entusiasta da Constituição americana, adotada como modelo da nossa, foi Ruy Barbosa. Quarta: Serviços essenciais têm que ser do Estado. Telefone, por exemplo. Há milhares de telefones agora, mas o povo não tem como pagar. Pergunto-me apenas se o dr. Faoro é tão jovem que não tenha conhecido o preço dos telefones quando eram monopólio do Estado ou tão senil que já não consiga recordá-lo. Não espanta que, com essa inteligência, o acadêmico, cuja carreira literária consistiu em escrever um belo livro na juventude e em dedicar o resto dos seus dias a estragá-lo com remanejamentos pedantes, já tenha escolhido seu candidato não apenas à presidência da República, mas à próxima vaga na Academia, ambos na pessoa... do sr. Luís Inácio Lula da Silva. Nisso, aliás, tem todo o meu apoio. Não resta dúvida de que, com o nível de debates que se pode esperar de acadêmicos como o dr. Faoro, o sr. Luís Inácio, metido num fardão, estará no lugar que lhe cabe. |