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Falando às pedras

Olavo de Carvalho
Di�rio do Com�rcio (editorial), 1 de agosto de 2008

 

Logo após a divulgação do “dossiê Brasil” na revista colombiana Cambio, confirmando tudo aquilo que há anos venho dizendo sobre a aliança PT-Farc, o chefe de gabinete do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Gilberto Carvalho, saiu alardeando que não tem qualquer "ligação estreita" com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) e que o governo brasileiro "tem zero de relação com as Farc".

Não preciso contestar a dupla mentira. Já o fiz, com muita antecedência, no artigo “Simbiose obscena”, publicado em O Globo de 7 de fevereiro de 2004, no qual remetia os leitores “ao site http://www.nodo50.org/americalibre/consejo.htm para que vejam com seus próprios olhos a obscena simbiose entre a narcoguerrilha colombiana e a farsa petista que nos governa”.

“O endereço – prosseguia o artigo – é de América Libre, versão jornalística do Foro de São Paulo, fundada por (adivinhem) Frei Betto e hoje dirigida por (já adivinharam) Emir Sader. A revista prega abertamente a guerra revolucionária, a implantação do comunismo em toda a América Latina. Seu mais recente editorial proclama: ‘O 11 de setembro dos povos será, para a confraria da América Livre, um compromisso de honra. Será um encontro com os sonhos e com o desejo.’ Da primeira à última página, a coisa respinga sangue e ódio, de mistura com a velha retórica autodignificante que faz do genocídio comunista uma apoteose do amor à humanidade, condenando como fascista quem quer que veja nele algo de ruim. Na mesa do seu Conselho Editorial, quem se senta ao lado do líder das Farc, comandante Manuel Marulanda Vélez, o famigerado ‘Tiro Fijo’? Nada menos que o chefe de gabinete do sr. Lula, Gilberto Carvalho. Está lá também o deputado Greenhalg... Se isso não é promiscuidade, se isso não é cumplicidade por baixo do pano entre o nosso governo e o crime organizado, se isso não é uma tramóia muito suja, digam-me então o que é, porque minha imaginação tem limites. Estão lá ainda o dr. Leonardo Boff, o compositor Chico Buarque de Hollanda, ... e o inefável prof. Antônio Cândido...” (v. /semana/040207globo.htm).

Era o primeiro escalão inteiro da elite intelectual petista que, ao lado do próprio chefe do gabinete presidencial, conspirava ativamente com as Farc, com o MIR chileno e com outras organizações criminosas para a implantação do regime comunista no continente. Se os políticos ditos “de oposição”, os donos de jornais e canais de TV, os líderes empresariais, eclesiásticos e militares tivessem então consentido em examinar o documento que eu lhes exibia, não seria preciso, agora, uma revista colombiana lhes esfregar a verdade na cara, tarde demais para evitar a consolidação da quadrilha petista-farqueana no poder.

Na verdade, nem precisavam das minhas advertências. Em 7 de dezembro de 2001, o Foro de São Paulo, sob a presidência do sr. Luís Inácio Lula da Silva, já havia lançado um manifesto de apoio incondicional às Farc, no qual classificava como “terrorismo de Estado” as ações militares do governo colombiano contra essa organização. A mídia inteira e todas as lideranças políticas nacionais, sem exceção visível, abafaram esse fato para não prejudicar a candidatura Lula uns meses depois. Logo após o pleito de 2002, a existência de um conluio entre o presidente eleito e a esquerda radical latino-americana já se tornara ainda mais nítida pela duplicidade de línguas com que o homem falava para o público em geral, ante as câmeras, e para seus companheiros de militância comunista. Como mais tarde anotei em artigo do Jornal do Brasil (/semana/060413jb.html): “Enquanto a mídia local celebrava a lisura do pleito, o vencedor confessava ao Le Monde que a eleição tinha sido ‘apenas uma farsa, necessária à tomada do poder’, sendo confirmado nisso pelo sr. Marco Aurélio Garcia em declaração ao jornal argentino La Nación de 5 de outubro de 2002.” Em qualquer país decente, confissões abertas como essas suscitariam imediatamente uma tempestade de investigações e denúncias. No Brasil, foram recebidas com uma afetação de indiferença blasée por todos aqueles a quem, no fundo, elas aterrorizavam. Poucas condutas humanas se igualam, em baixeza, à covardia que começa por se camuflar de impassibilidade olímpica e, pela persistência, acaba por se transformar em cumplicidade ativa. Mas essas criaturas haviam investido tão pesado no slogan anestésico “Lula mudou”, que, para não reconhecer o erro, preferiram dobrar, triplicar e quadruplicar a aposta na mentira, até que contestá-la se tornasse, como de fato se tornou, prova de doença mental.

Graças a essa longa e pertinaz conspiração de omissões, a esquerda revolucionária teve todo o tempo e a tranqüilidade que poderia desejar para alterar o mapa do poder político brasileiro ao ponto de torná-lo irreconhecível. Quem manda no Brasil, hoje? Um bom indício é a propriedade da terra. Seis por cento do território nacional pertencem a estrangeiros, dez por cento ao MST, outros dez a “nações indígenas” já sob controle internacional informal, quinze ou vinte são controlados pelos narcotraficantes locais aliados às Farc, mais dez ou quinze estão para ser transferidos aos “quilombolas”. Na área restante, só os imensamente ricos conseguirão cumprir a exigência de “averbar reserva legal” (leiam o odioso decreto 6.514 de 22 de julho de 2008), os demais sendo obrigados a pagar multas que em breve tempo ultrapassarão o valor das suas propriedades, as quais então serão transferidas automaticamente ao governo. O que está acontecendo neste país é a mais vasta operação de confisco territorial já observado na história humana desde a coletivização da agricultura na URSS e na China – e as chamadas “elites”, sentadas sobre esse paiol de pólvora, com um sorriso amarelo na boca, só querem dar a impressão de que a paz reina, as instituições são sólidas e São Lulinha zela pelo bem de todos.

Outro indício seguro da distribuição do poder é a capacidade de mobilização das massas. Somem os partidos de esquerda, o MST, as centrais sindicais, as “pastorais de base” e porcarias semelhantes, e verão que, no instante em que quiser, a esquerda revolucionária tem condições de espalhar nas ruas não menos de cinco milhões de militantes enfurecidos, treinados para toda sorte de agitações e depredações, sem que o outro lado possa sequer reunir cinco dezenas de gatos pingados numa cerimônia religiosa. Consolidado pela omissão pusilânime de todos os que teriam o dever de impedir que ele se consolidasse, o monopólio esquerdista dos movimentos de massa marca a distância entre onipotência absoluta e impotência total e é, por si, um retrato do que o futuro reserva ao país.

Mas as organizações de esquerda têm algo mais que isso: têm, através das centrais sindicais, dos partidos e de uma rede imensurável de organizações militantes, o controle absoluto e incontestável de todos os serviços essenciais: transportes, eletricidade, água, telefonia. A um estalar de dedos, a liderança revolucionária pode paralisar o país inteiro, sem que a polícia ou mesmo as Forças Armadas tenham sequer a condição de dizer “ai”.

Mais ainda do que sua extensão descomunal, o que é notável nesse sistema de dominação é a sua integração, a sua unidade estratégica e funcional. As Farc não estão infiltradas só nos altos escalões da República: elas dominam também os “bas-fonds” da criminalidade, através de seus contatos com o PCC e o Comando Vermelho, por sua vez estreitamente articulados com o MST e organizações congêneres. De alto a baixo, a sociedade brasileira está à mercê da subversão e do crime.

Nada disso surgiu da noite para o dia. Tudo foi preparado e montado pouco a pouco, metodicamente, desde o advento da Nova República, diante dos olhos cegos e cérebros entorpecidos da liderança “direitista”, cuja preocupação predominante ou única, ao longo da construção desse engenho macabro, foi tapar as bocas dos inconvenientes que ousassem perturbar suas boas relações com o governo.

O quadro corresponde exatamente, milimetricamente, ao esquema da “revolução passiva” propugnado por Antonio Gramsci, em que só um lado age, enquanto o outro se deixa arrastar para o abismo com docilidade abjeta. Também isso expliquei antecipadamente, no meu livro de 1993, “A Nova Era e a Revolução Cultural”, que até coloquei à disposição dos leitores, gratuitamente, no meu site da internet (/livros/neindex.htm). Direi que foi como falar com pedras? Não sei, nunca falei com pedras. Agora sinto-me tentado a experimentar.