A hora da colheita
Olavo de Carvalho
Diante do fato consumado da derrocada da URSS, o Foro de São Paulo vem sendo desde 1990 a mais poderosa iniciativa que se tomou para rearticular o movimento comunista internacional e, nas palavras de Fidel Castro, reconquistar na América Latina o que foi perdido no Leste da Europa. Convocado pelo ditador cubano e por Luiz Inácio Lula da Silva, o Foro reúne partidos comunistas (e pró-comunistas) legais, empenhados na luta pela hegemonia cultural e política de suas nações, e organizações armadas envolvidas em seqüestros, terrorismo e narcotráfico. Entre estas últimas, destacam-se as Farc, cujas ligações com o mercado brasileiro de drogas ficaram provadas com a prisão de Fernandinho Beira-Mar. Há também organizações de dupla face, legais e ilegais ao mesmo tempo, como o Partido Comunista Chileno, cujo braço armado teve algo a ver com o seqüestro de Washington Olivetto. Talvez os leitores estranhem, num primeiro instante, uma reunião em que partidos legalmente constituídos confraternizam com gangues de criminosos. Na verdade, esta associação repete apenas a velha regra leninista que manda articular os meios legais e ilegais na luta revolucionária. Aliás uma das vantagens da articulação internacional é permitir que a mistura promíscua dos meios lícitos com os ilícitos, da retórica moralista com o narcotráfico, dos belos ideais com a brutalidade dos seqüestros, do sentimentalismo humanitário com o terror organizado mistura tão nítida e patente em escala continental e no plenário do Foro apareça disfarçada e nebulosa quando vista na perspectiva de cada nação em separado. Usando argentinos para agir no México, bolivianos no Brasil ou brasileiros no Chile, as conexões mais óbvias se tornam invisíveis aos olhos da opinião pública local: os partidos legais continuam acima de qualquer suspeita, e a simples sugestão de investigá-los é rejeitada como ofensa intolerável, mesmo quando a prisão de agentes criminosos traz as provas cabais da associação íntima entre crime organizado e política de esquerda no continente; identidade que se torna ainda mais patente quando à prisão desses elementos se segue, por mágica coincidência, a rápida e eficaz mobilização das alas oficiais e decentes da esquerda em favor dos criminosos. Desde 1990, o Foro de São Paulo vem-se reunindo a intervalos regulares. A décima reunião foi em Havana, Cuba, em dezembro de 2001. O sr. Luiz Inácio Lula da Silva estava lá. Negar portanto que ele esteja associado politicamente com as demais entidades signatárias das declarações do Foro é negar o valor da assinatura de um candidato presidencial brasileiro em documentos oficiais de relevância internacional. Conforme escreveu Vasconcelo Quadros na IstoÉ de 1de março de 2002, o Brasil abriga uma rede clandestina de apoio às organizações guerrilheiras internacionais que se utilizam de seqüestros, assaltos a banco e tráfico de drogas. Num país em que qualquer telefonema a um estelionatário basta para colocar um político sob suspeita policial, a recusa nacional de investigar uma ligação sacramentada em documentos públicos é, no mínimo, surpreendente. Mais surpreendente ainda é que, entre tantos observadores jornalísticos, policiais, políticos e militares, todos eles reputadamente inteligentíssimos, ninguém consiga ou deseje estabelecer uma conexão lógica entre esses fatos e a declaração do dr. Leonardo Boff, assinada no Jornal do Brasil do último dia 23, de que com a próxima eleição o tempo da revolução brasileira chegou. A semeadura já foi feita. É hora da colheita. Ou, ao usar a palavra revolução, o frade aposentado não quis dizer nada disso e foi tudo uma inocente força de expressão? A maciça e obstinada recusa de encarar com realismo o estado de coisas pode ser explicada pelo fato de que ele constitui uma realidade temível, cuja visão seria demasiado traumática para os nervos delicados de uma burguesia pó-de-arroz, aterrorizada ao ponto de já não poder admitir a realidade do mal que a aterroriza. Seqüestrada psicologicamente pelo marxismo sem nome que domina o ambiente, a classe dominante já está madura para cumprir o seu papel de vítima dócil, sorridente e prestativa.
Mas, por favor, não pensem que com essas
observações eu esteja tentando favorecer ou
desfavorecer qualquer candidatura à Presidência da
República. Vejam: os quatro candidatos, com diferenças
irrisórias, seguem uma mesma ideologia, e qualquer deles que
seja eleito dificilmente poderá governar sem o apoio de pelo
menos um ou dois dos outros três. Trata-se portanto de uma
eleição de chapa única, subdividida em quatro
denominações provisórias. Talvez por isso o dr.
Boff não tenha dito que a revolução será
inaugurada com a vitória do candidato x ou y, mas com a
eleição tout court pouco importa de quem.
Do ponto de vista psicológico, ao menos, essa
revolução já começou: a uniformidade
ideológica, uma vez aceita como estado normal da
política democrática, basta para colocar virtualmente
fora da lei, como extremismo de direita, qualquer
palavra que se diga doravante em favor do capitalismo liberal, dos
EUA ou de Israel. Quem as diz recebe regularmente ameaças de
morte, das quais algumas já nem tomam a
precaução de vir em mensagens anônimas:
estampam-se em sites da internet e não causam nenhum
escândalo. O dr. Boff tem razão: a semeadura já
foi feita. É hora da colheita. Mas tudo isso, decerto,
é mera força de expressão. Escândalo,
sim, seria enxergar alguma intenção malévola em
palavras tão inocentes. |