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Em nome do crime

Olavo de Carvalho
Diário do Comércio (editorial), 19 de setembro de 2007

 
Em 31 de julho de 2000 escrevi na revista Época:

A Constituição da União Soviética punia o homicídio com dez anos de cadeia, e com pena de morte os crimes contra o patrimônio do Estado... Sob a inspiração de intelectuais alucinados, a escala de valores da Constituição soviética tornou-se o modelo da atitude brasileira perante a criminalidade: ódio e perseguição implacável aos que desviam dinheiro público, passividade atônita e paternal complacência ante os assassinos e quadrilheiros armados.”

Que é que mudou desde então?  Muita coisa. Na época, a elite política esquerdista era a personificação mais vistosa e barulhenta do moralismo acusatório. Era ela que ligava os megafones da mídia, era ela que manipulava os repórteres, transformando suspeitas em notícias e depois usando as notícias como pretextos para abrir CPIs. Era ela que trazia as massas para a rua, exigindo cabeças. Foi ela que criou a maior farsa cívica da história nacional, induzindo o eleitorado a expulsar da presidência, entre lágrimas de comoção patriótica e explosões de grandiloqüência parlamentar, um homem que depois, tarde demais, a Justiça provou ser totalmente inocente.

 Hoje em dia, é ela própria o alvo das denúncias – bem mais graves e incomparavelmente mais sólidas do que aquelas que ela inventou contra Collor de Melo.

 É uma mudança radical, um giro de cento e oitenta graus na rota da massa fecal voadora.

Mas, em primeiro lugar, é uma mudança tardia. No começo dos anos 90, quando o PT vociferava nas CPIs contra a sociedade imoral, ele já ia construindo, discretamente, sua própria máquina de corrupção, incomparavelmente maior do que aquelas que os Anões do Orçamento teriam podido sequer imaginar. Não faltou quem o denunciasse por isso, mas não obteve a audiência que merecia. A crença geral na santidade petista estava em plena ascensão, os fatos nada podiam contra ela. Não por coincidência, o personagem que então brilhava no papel de tribuno máximo da dignidade, e que o fazia com tanto mais eficiência por ser o coordenador da rede de espiões petistas infiltrados por toda parte, tornou-se depois ainda mais famoso como mentor e chefe do Mensalão. As duas operações foram obviamente simultâneas e interligadas: enaltecer a moralidade e destruí-la. Enaltecê-la para melhor destruí-la. Tudo isso podia ter sido evitado se a mídia e os políticos ditos “de direita” não tivessem feito ouvidos de mercador a Paulo de Tarso Venceslau e redobrado a aposta louca na idoneidade dos bem-falantes.

Em segundo lugar, a mudança é só na direção do ataque, não nos seus fundamentos. Os que denunciam o PT continuam a fazê-lo segundo o mesmo critério de falsa moralidade que aprenderam com ele: berram contra o desvio de dinheiro, calam-se ante os rios de sangue que a aliança macabra da esquerda com o banditismo continental faz rolar nas ruas de São Paulo e do Rio. Afetando rebeldia e inconformidade ante o partido governante, são ainda seus escravos ideológicos, incapazes de raciocinar fora do esquema mental soviético que, sem esse nome, se impregnou na cultura e se tornou senso comum. Ora, esse esquema é ainda mais criminoso do que todos os crimes, pois é ele que os gera e dissemina.

Toda a tagarelice antipetista do mundo nada poderá contra o PT enquanto não se libertar desse vício ideológico hediondo que, ao denunciar os criminosos, não sabe fazê-lo senão em nome do Império do Crime.