Não faltará, como nunca falta, quem atribua o
monstruoso acidente do aeroporto de Congonhas à
incompetência pura e simples. Mas a incompetência
do governo federal, nessa como em outras áreas,
não é nem pura nem simples. Ela é o
efeito da dupla agenda estratégica que orienta todas as
ações do esquema petista já desde antes
de sua ascensão ao poder.
Nas semanas que antecederam as eleições de 2002,
só três pessoas na mídia anunciaram a
formação da aliança revolucionária
continental Lula-Castro-Chávez. Resultado: eu perdi o
meu emprego, o analista estratégico Constantine Menges
foi xingado até à enésima
geração e o herói nacional cubano Armando
Valladares foi rotulado de "picareta". Menções
ao "pequeno eixo do mal" foram declaradas anátema. Nos
debates nominalmente destinados a informar o público
sobre os candidatos em que iria votar, nem mesmo os
adversários de Lula quiseram tocar no assunto. Dos
entrevistadores, só um � Boris Casoy � ousou perguntar
algo a respeito, e mesmo assim muito educadamente, muito
discretamente, quase pedindo desculpas. Lula mandou-o calar a
boca.
Ao longo dos dois mandatos lulianos, o eixo, que já
vinha sendo preparado nas reuniões do Foro de
São Paulo desde 1990, tornou-se uma realidade patente,
e nenhum dos iluminados que o haviam negado apareceu na
mídia confessando-se um idiota ou um mentiroso
contumaz. Todas as ridículas tentativas do governo
George W. Bush de jogar Lula contra o esquema castrochavista
só serviram para provar a solidez da aliança
revolucionária, não só entre aqueles
três governantes esquerdistas, mas entre todos os
membros do Foro, inclusive as Farc e outras
organizações criminosas.
Mas, numa campanha eleitoral, a duplicidade moral consiste
apenas em dizer uma coisa e fazer outra. Uma vez eleito, o
sujeito tem de governar, e aí a incongruência
entre a fala e os atos torna-se discordância entre duas
séries de atos, uma destinada a implementar os
objetivos nominais do seu governo, outra a realizar as
finalidades secretas, ou discretas, do esquema de poder que o
elegeu. De um lado, trata-se de administrar o país
relativamente bem, para se manter alto nas pesquisas. De
outro, busca-se desmantelar o Estado e a própria
sociedade, para que o partido revolucionário possa se
sobrepor a ambos e engoli-los. Não se pode dizer que o
governo Lula tenha duas cabeças, porque só uma
cabeça única, e bem organizada, pode coordenar
esse delicado e complexo jogo duplo. Mas o processo tem um
limite natural.
Não é possível desmantelar o Estado e
manter o governo funcionando; nem anarquizar a sociedade e
continuar indefinidamente dando a impressão de ordem e
progresso. Mais dia, menos dia, um dos lados vai ter de
predominar. A lógica interna da estratégia
revolucionária espera que esse momento só chegue
quando as "forças populares" estiverem prontas para
rasgar sua própria máscara e partir para a
tomada ostensiva do poder. No segundo mandato de Lula,
porém, o limite natural do processo foi atingido antes
disso.
O Estado e a sociedade já estão
bagunçados de alto a baixo, mas a esquerda radical
não está madura para o grande golpe. Nada
funciona � nem mesmo a estratégia
revolucionária. A velha ordem morreu, a nova
transformou-se num gigantesco aborto.
Que fazer?, perguntaria Lênin. E responderia: se
não for possível adiar o desenlace, deve-se
tirar proveito revolucionário do aborto mesmo,
lançando as culpas dele no adversário.
Não existindo adversário, a parte mais
comprometida do esquema revolucionário deve ser ela
própria jogada às feras, acusada de
traição e direitismo.
Isso já começou a acontecer. Não havendo
uma direita capaz de liderar a revolta popular contra o pior
governo brasileiro de todos os tempos, essa revolta
será muito provavelmente capitalizada pelo mesmo
esquema esquerdista que o gerou. Se o próprio Lula
tiver de ser sacrificado para esse fim, não
haverá aí surpresa nenhuma. Criar o fantoche
custou caro, mas quem vai pensar em economizar dinheiro numa
hora dessas?