Sapientiam Autem Non Vincit Malitia - Foto da águia: Donald Mathis Mande um e-mail para o Olavo Links Textos Informações Página principal

 

Quem manda no Brasil

Olavo de Carvalho
Diário do Comércio, 28 de maio de 2007

 

Quando um massacre acontece, a última coisa que logicamente se espera é que as idéias que o geraram venham a ser enaltecidas e celebradas, ainda que de maneira implícita, na cerimônia mesma de homenagem às suas vítimas.

No entanto é precisamente isso o que vem se tornando a norma em tais cerimônias sempre que as idéias envolvidas são consideradas politicamente corretas. O assassinato de 34 alunos da Virginia Tech foi induzido pela pregação homicida, anti-americana e anticristã da professora-ideóloga Nikki Giovanni, mas a própria Giovanni foi depois escolhida pela universidade para fazer o discurso de homenagem aos mortos. Na celebração religiosa que se seguiu foram invocados Buda e Allah: toda menção a Jesus Cristo foi omitida, por ser supostamente o deus dos brancos � o deus das vítimas. O mais poderoso cristão do planeta, presente ao espetáculo, não ousou destoar do ambiente invocando o nome de seu Senhor e salvador: diante do olhar indiferente � ou intimidado -- de George W. Bush, Cho Seng-hui e sua mentora assassinaram novamente, em espírito, os 34 execráveis representantes da religião opressora e imperialista.

Há dois tipos de agressão psicológica: a escandalosa e a tácita. A primeira choca e ofende às claras, para suscitar gritos de revolta que serão em seguida denunciados como provas da brutalidade ou loucura da vítima. A segunda humilha e pisoteia em atos, ao mesmo tempo que fala de outra coisa, como quem não quer nada. A vítima, acovardada e atônita, em geral prefere sofrer calada para preservar ao menos uma aparência de dignidade, e assim consente em tornar-se cúmplice passiva do agressor. Todos os cristãos presentes à cerimônia da Virginia Tech perceberam a ironia da situação calculada para humilhá-los, mas não tiveram forças para pagar o mico de denunciá-la em voz alta: preferiram sair levando uma ferida oculta, que vai matá-los aos poucos, como um veneno lento.

Menos desafortunados foram os parentes das vítimas do´massacre empreendido pelo PCC em 12 e 20 de maio de 2006 na cidade de São Paulo. Em massa, como que advertidos sincronicamente por um sexto sentido, eles abstiveram-se de comparecer à encenação macabra realizada em São Paulo no último dia 18, a qual, a pretexto de homenagear os mortos, absolveu os criminosos como vítimas da desigualdade e ainda aproveitou para fazer campanha contra a redução da maioridade penal, que praticamente todos os familiares de todos os brasileiros assassinados desejam.

Tirar proveito publicitário de seus próprios crimes, seja atribuindo-os às vítimas, seja colhendo os lucros morais de uma cínica afetação de piedade, é um costume antigo dos ativistas revolucionários, inspirado na língua dupla que é o idioma mental inato dessa comunidade. Lênin e Stálin criavam movimentos de oposição a si próprios para acenar com uma esperança aos anticomunistas exilados, atraí-los de volta à Rússia e matá-los. No Tribunal de Nuremberg, os soviéticos criaram fama de justiceiros ao denunciar como crime nazista a matança de vinte mil prisioneiros poloneses, que depois se comprovou ser obra dos próprios soviéticos. No Brasil, há meio século os partidos esquerdistas fomentam o progresso da criminalidade para depois poder denunciá-lo como efeito da injustiça capitalista. Os liberais e conservadores, habituados à lógica linear do cálculo econômico, mal conseguem imaginar � quanto mais acreditar � que a incoerência possa ser um instrumento tão útil e prático. Apostam na racionalidade matemática e se vangloriam de suas vitórias econômicas, mas, na política, são levados de derrota em derrota pela astúcia dialética de um adversário que, justamente por fazer da incoerência um estilo habitual de vida, apreende mais facilmente os movimentos sinuosos da mente humana e da História.

Tanto na Virginia Tech quanto em São Paulo , o que se viu foi, novamente, o ativismo esquerdista ganhar honra e glórias pelas conseqüências devastadoras de sua doutrinação assassina.

Mas há uma diferença. Lá, o aproveitamento publicitário do crime foi apenas um improviso a posteriori escorado na preponderância psicológica do esquerdismo na universidade. Nikki Giovanni, afinal, foi apenas inspiradora ideológica dos assassinatos, mas, na época do crime ao menos, não estava associada a Cho Seng-hui de maneira alguma. No caso paulista, as entidades que promoveram o ritual farsesco não tinham com os autores físicos do massacre só uma remota afinidade ideológica, mas nexos organizacionais bem firmes, ainda que indiretos.

De um lado, estava lá o Conselho de Defesa dos Direitos Humanos, entidade submetida à Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal e à Secretaria Especial de Direitos Humanos, chefiadas respectivamente pelo deputado Luiz Couto e pelo ministro Paulo de Tarso Vannuchi, ambos com um longo currículo de militância pró-comunista desde o tempo do regime militar e, sobretudo, ambos figuras de primeiro plano na hierarquia petista. É notório e arqui-sabido que o PT tem um compromisso de lealdade com as Farc assinado na X assembléia geral do Foro de São Paulo (Resolução número 9 de 7 de dezembro de 2001). As Farc, por sua vez (conforme despacho da Agência Estado já advertia em 3 de julho de 2005) forneceram ao PCC o treinamento nas técnicas de guerrilha urbana que viriam a ser usadas para paralisar a cidade de São Paulo e matar três centenas de pessoas por puro capricho, por pura exibição de poder. A conclusão é óbvia: A única homenagem decente que o partido ou qualquer entidade associada a ele poderiam prestar às vítimas seria portanto pedir desculpas por ter ajudado a armar a mão do criminoso mediante a legitimação dada às atividades do seu prestativo instrutor. O sentido irônico da cerimônia tornou-se ainda mais patente porque o número de velas então acendidas nas escadarias da Prefeitura de São Paulo, 493, incluiu entre os alvos da homenagem os membros do PCC mortos pela polícia, nivelando os autores e vítimas do crime.

Mas a principal entidade promotora do evento foi uma tal Comunidade Cidadã. O editorial do seu site, www.comunidadecidada.org.br , constitui-se de variações em torno do slogan do Fórum Social Mundial, �um outro mundo é possível�. Identidade ideológica mais clara não poderia haver. A organização tem uma rede de parcerias com outras entidades. A mais inofensiva, em aparência, é a Paróquia Santos Mártires, no Jardim Ângela � nome excelente para dar aos empreendimentos da Comunidade ares de coisa cristã. Só que, quando vamos ao site da paróquia para saber quais são os santos mártires da sua devoção, lemos o seguinte: � O Nome Santos Mártires é uma homenagem a todo mártir que deu sua vida pela fé e justiça, como: Santo Dias, Margarida Alves, Dom Oscar Romero e outros.� Esses nomes não estão no calendário litúrgico da Igreja. Não são mártires da fé. São ídolos do movimento comunista, bem conhecidos nos anais do esquerdismo revolucionário latino-americano. A Paróquia Santos Mártires é um exemplar típico de instituição criada para realizar a receita de Antonio Gramsci: não combater a Igreja, mas esvaziá-la de seu conteúdo e usá-la como canal da propaganda comunista.

Outra ligação da Comunidade Cidadã é com a rede de entidades que promove o concurso de redações jornalísticas �Objetivos do Milênio�. O espírito desses objetivos e do concurso que os celebra já vem indicado no link para o artigo �Oito jeitos de mudar o mundo�. Autor: Frei Betto, um dos quatro pais-fundadores do Foro de São Paulo, comando estratégico da revolução comunista na América Latina e máximo protetor das Farc.

Mas Frei Betto não está nessa rede como mero inspirador casual e remoto. A página �Objetivos do Milênio� pertence à ONG �Faça Parte� ( www.facaparte.org.br ), em cujo �Conselho Estratégico� está precisamente o ex-frade. E o título do artigo acima citado não é só título de artigo: é o nome de uma das campanhas promovidas pela instituição, que é presidida pela quatrocentona Milú Vilela e entre cujos patrocinadores e parceiros se encontram a Rede Globo, a ONU, a Unesco, os Bancos Itaú e Real, a Imprensa Oficial, o Ministério da Educação e o site Terra.

Há uma pergunta que não sai da cabeça de todos os brasileiros: Por que nada se faz para acabar com as gangues criminosas que vão adquirindo cada vez mais poder sobre a sociedade brasileira? Releia os nomes de pessoas e organizações citadas neste artigo, examine as conexões e verá que um só esquema de poder desce dos altos escalões do globalismo e do petismo até o submundo do crime, por intermédio do Foro de São Paulo e das Farc, passando, a meio caminho, por ilustres representantes do empresariado bancário local -- e, de modo geral, da �classe dominante� --, que talvez não tenham a menor idéia de onde estão se metendo com isso. O conjunto forma uma malha tão complexa e indeslindável de interesses e comprometimentos mútuos, que mexer num ponto é mexer no todo. Nela estão bem costurados um ao outro o Estado, os organismos internacionais, as grandes fortunas, o Foro de São Paulo, as Farc e, no extremo mais obscuro, o PCC e outras entidades do gênero. Muitas dessas partes, é claro, se ignoram umas às outras, mas o Foro de São Paulo conhece a todas e sabe mantê-las unidas de modo que nenhuma possa fazer dano substancial às outras e todas concorram para a consolidação do poder petista. O esquema não apenas transcendeu e absorveu o Estado: ele abarcou e dominou a própria estrutura da sociedade brasileira, de alto a baixo, colocando a seu serviço todas as classes, todos os grupos, todos os interesses mais heterogêneos. Essa malha é a verdadeira estrutura do poder no Brasil � o �bloco histórico�, diria Gramsci --, da qual as instituições oficiais são somente a carapaça formal e o instrumento passivo. Ter mantido unido e coeso um tecido tão complexo de fatores sociologicamente antagônicos é a obra genial da estratégia petista, desenvolvida ao longo de mais de quarenta anos de leitura e meditação das obras de Antonio Gramsci. Também é nessa fusão de elementos antagônicos e não raro mutuamente inconscientes das intenções de seus respectivos parceiros-inimigos que se deve buscar a explicação do estado de farsa, mentira e loucura gerais onde todos têm rabo preso e ninguém pode dizer o que pensa, muito menos o que vê, cada um devendo contentar-se, portanto, com bracejar como pode num oceano de enigmas insolúveis. Só quem tem a chave de todos os mistérios é o próprio dominador da situação, gerador de todas as causas, controlador de todos os efeitos, senhor do crime e da lei, da ordem e da desordem, da loucura e do método.

É verdade que a fórmula não é tão original de Gramci. Conforme apontei anos atrás (O Globo, 8 de janeiro de 2005, www.olavodecarvalho.org/semana/050108globo.htm ), ela já tinha sido testada, com algum sucesso, antes que as obras de Gramsci se espalhassem pelo mundo. É a técnica da revolução nazista. Assim a descreve um observador privilegiado e intérprete magistral:

�O poder e os recursos do Estado moderno tornam as revoluções civis virtualmente impossíveis... Tudo o que é possível é [...] o golpe ou revolução mediante arranjo, desde cima, sob o patrocínio dos poderes constitucionais.

�Para atingir os fins revolucionários sem colocar as massas em ação, golpes que sigam a tática de inocular nas leis o impulso revolucionário, de manipular a legalidade até que ela tenha passado de um estágio de revolução mascarada para emergir como uma nova legalidade, são empreendidos a pretexto de prevenir um período de anarquia, de manter o controle dos acontecimentos, de impedir que o país seja entregue à mercê de incalculáveis elementos �demoníacos'. Depois que a legalidade revolucionária foi instituída sem sangue, o curso dos acontecimentos fica à mercê, precisamente, desses elementos incalculáveis e demoníacos. Este método desfere um golpe muito mais paralisante na justiça e no senso de justiça do que uma revolução aberta... A revolução-mediante-arranjo termina na exaustão geral. Pois em sua artificial combinação de forças ela inclui elementos irreconciliáveis... cada um pretendendo secretamente sobrepujar o outro na primeira oportunidade.� (Hermann Rauschning, The Revolution of Nihilism. Warning to the West , New York, Alliance Book, 1939, pp. 10-12.)