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Barbárie mental

Olavo de Carvalho
Jornal do Brasil, 15 de fevereiro de 2007

 

Outro dia, em discussão na internet, um rapaz que de vez em quando escreve artigos políticos assegurou que todos os santos e profetas da cristandade só queriam poder e dinheiro, que Jesus nasceu de um adultério e que os judeus são um povo de ladrões.

Fingindo não notar o quanto essas afirmações eram ofensivas e até passíveis de processo criminal, o indivíduo ainda teve o desplante de se fazer de donzela magoada quando lhe respondi com os poucos palavrões que me ocorreram no momento, aos quais eu acrescentaria ainda uma dúzia depois de refletir mais demoradamente na conduta do referido e medir a extensão da sua canalhice.

Para completar, o sujeito se dispensava de oferecer qualquer prova das três acusações além do fato de que as lera em Voltaire, e em seguida jogava sobre os cristãos e judeus o encargo de refutá-las com fatos e argumentos, proclamando que seriam culpados de desonestidade intelectual se não o fizessem. Como se pode responder educadamente a um ataque preconceituoso e odiento reforçado por uma cínica inversão do ônus da prova? Os palavrões, segundo entendo, foram inventados precisamente para as situações em que uma resposta delicada seria cumplicidade com o intolerável.

Por incrível que pareça, alguns estudantes correram em socorro do insolente, consolando-o dos maus tratos sofridos da parte de seu desbocado opositor, tão carente de “argumentos”.

No Brasil de hoje é assim: qualquer acusação cretina jogada ao ar sem o menor respaldo se arroga a dignidade intelectual de um “argumento” e exige resposta cortês daqueles cujos sentimentos acaba de ferir da maneira mais impiedosa e crua. Incitando a repulsa e ao mesmo tempo sufocando sua expressão, esse ardil prende o interlocutor numa camisa-de-força verbal, usando maliciosamente as regras mesmas do debate educado  como peças de uma armadilha psicológica maliciosa e sádica. É um truque inventado pela propaganda nazista e comunista, mas, “nêfte paíf”, tornou-se procedimento usual nas discussões públicas hoje em dia.

O episódio, irrevelante em si, é bastante significativo do presente estado de barbárie intelectual. Falar em “crise cultural”, nessas circunstâncias, é eufemismo. Na época em que um sociopata adolescente pode fazer em pedaços o corpo de um menino e ainda ser defendido como vítima do capitalismo, o discernimento elementar do certo e do errado já se tornou uma operação complexa demais para os cérebros dos brasileiros. Nas pequenas como nas grandes questões, vigora a mesma estupidez grandiloqüente, a mesma brutalidade mental ornada de belos pretextos.

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Por falar nisso, o general Andrade Nery reagiu ao meu artigo da semana passada espalhando pela internet um protesto furibundo, repleto de auto-elogios grotescos e desconversas patéticas. Minha pergunta continua sem resposta: desde que começou a onda de indenizações a terroristas, o general, no meio da sua constante pregação anti-americana tão doce aos ouvidos da esquerda, disse uma só palavra em favor das famílias de vítimas do terrorismo? Ou evitou esse assunto desagradável, para não dividir o front chavista?