Baita democracia
Olavo de Carvalho
Zero Hora, 1o de outubro
Pelos frutos os conhecereis, mas não adianta ver os frutos
sem saber de qual planta e raiz brotaram. Com exceções
minguadíssimas e irrelevantes, a classe política atual
é constituída de três grupos sociais bem
nítidos:
1. Os componentes da oposição de
esquerda ao regime militar, todos ligados a
organizações comunistas como o PCB, o PC do B, a AP, a
Pol-Op etc. São a casta superior da política nacional.
Têm o prestígio da antigüidade, da luta contra a
ditadura e dos sofrimentos inenarráveis que, embora
não incluam uma só ferida sangrenta ou um só
membro quebrado, lhes rendem indenizações rechonchudas
às quais os milhares de aleijados e mutilados das
prisões cubanas, que eles ajudaram a prender e torturar,
não ousariam aspirar nem em sonhos.
2. A segunda geração de militantes
comunistas e pró-comunistas, que não participou
diretamente da luta contra a ditadura mas se formou sob a
influência direta e abrangente do grupo 1.
3. Arrivistas variados, sem cor ideológica
definida, provenientes de organizações religiosas ou
de interesses regionais, que, gostando ou não gostando dos
grupos 1 e 2, acabam se adaptando à sua linguagem e aos seus
valores, seja por oportunismo, seja por absoluto desconhecimento de
outras alternativas mentais possíveis.
Se você sabe o que é conservadorismo - aquela
política que se constitui da síntese
inseparável de economia de livre mercado, democracia
parlamentar, lei e ordem, moral judaico-cristã e
predomínio da cultura clássica na
educação -, sabe também que não
há um só conservador nos grupos 1, 2 ou 3. O leque das
opções disponíveis resume-se ao esquerdismo e
à inocuidade acomodada. Escolha e vote. É a democracia
brasileira em ação. Segundo o senhor Geraldo Alckmin,
cuja fidelidade admirável à segunda
opção lhe valeu o apelido de Chuchu, isso sim é
que é democracia. Baita democracia. Não aquela farsa
americana, onde os eleitores têm de escolher entre radical
right, paleoconservatives, neoconservatives, libertarians,
left-liberals (esquerda moderada) e radical left - um tédio.
Para piorar - o senhor Alckmin não disse, mas digo-o eu -, os
políticos americanos têm a mania de registrar suas
propostas em livros antes de apregoá-las de cima dos
palanques eleitorais. Seus adeptos seguem o exemplo, e seus
adversários lhes respondem com outros livros. E os livros,
droga!, têm de ser muito bem escritos, senão a
mídia ranheta não lhes presta a mínima
atenção. A cada novo pleito, é uma biblioteca
inteira de opiniões, de críticas, de análises,
de depoimentos, de projetos que aparece na praça. A
produção intelectual de uma só
eleição americana supera de longe, em volume e
qualidade, tudo o que se escreveu sobre política no Brasil ao
longo de aproximadamente meio século. Assim não
dá, gente. O senhor Alckmin precisa ir lá dar um jeito
nisso.
Aqui, os únicos três livros interessantes para a
orientação do eleitor neste pleito não foram
escritos por candidatos. Já celebrei, de passagem, as
memórias do senhor Ricardo Kotscho, onde ele explica como
é possível estar sempre por dentro de tudo sem nunca
ficar sabendo de nada. Assinalo também
Nervos de Aço, o depoimento do
herói-bufão Roberto Jefferson, em caprichada
edição da Topbooks, narrativa animada de como ele foi
parar no melhor lugar da política brasileira, que é
fora dela. E, é claro, O Chefe, de Ivo Patarra,
meticulosa reconstituição de 403 dias de roubalheira
petista, que editora nenhuma quis publicar mas pode ser descarregado
do site
http://www.escandalodomensalao.com.br/ . O problema é que nenhum dos três ajuda a escolher
candidato. Ajuda é a desistir de votar
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