O pior dos maiores
Olavo de Carvalho
Meses atrás, por causa do vazamento da identidade de uma agente da CIA, o New York Times armou um fuzuê dos diabos, exigindo a prisão do guru presidencial Karl Rove e até o impeachment do vice-presidente Dick Cheney. Como a agente não estava de serviço no exterior, o vazamento não constituía nem crime, e o caso, é claro, deu em nada. Cheney continua inabalável e Rove foi dispensado de depor. A única cabeça servida na bandeja para aplacar a gritaria da “Velha Dama Cinzenta” (apelido do centenário jornal) foi a de um oficial de terceiro escalão, que, apavorado sem motivo, mentira para a Justiça. Na longa seqüência de convulsões histéricas anti-Bush, o episódio parecia ter sido apenas mais um esforço da esquerda chique para produzir um furacão soprando por um canudinho de refrigerante. Mas desta vez havia um detalhe extra. Enquanto simulava indignação ante o vazamento inócuo, o New York Times preparava duas operações de vazamento efetivo -- não do nome de uma agente em férias, mas de informações vitais que, entregues ao inimigo, punham em risco a segurança dos EUA. Primeiro, o jornal revelou detalhes de funcionamento do programa de vigilância telefônica de pessoas ligadas ao terrorismo. Depois, deu todo o serviço sobre uma operação ultra-secreta que vinha conseguindo penetrar as transações bancárias da Al-Qaeda. Colocou vidas e dólares dos terroristas a salvo do malvado governo americano. Centenas de espiões infiltrados na CIA, no Pentágono e no Departamento de Estado não haviam conseguido nada de comparável. O NYT tornou-se um departamento de inteligência a serviço do inimigo, em tempo de guerra. O crime de traição não poderia ser mais evidente. A alegação de liberdade de imprensa não cola. O capítulo 18, seção 798 do Código Penal americano pune com prisão e multa “quem quer que voluntária e conscientemente comunique, torne disponível ou publique, de maneira prejudicial ao governo dos EUA, qualquer informação reservada concernente às atividades de inteligência”. Jornais e jornalistas não estão acima das leis. Se o NYT, a despeito disso, no seu editorial do dia 24 de maio, considerou “bizarro” o apelo de congressistas a que o governo o processasse, é só porque uma longa tradição de abusos impunes o imbuiu de uma noção exagerada da sua própria grandeza inatingível. Na década de 30, o jornal ocultou propositadamente o massacre de oito milhões de ucranianos pelo regime soviético. Até hoje está exposta na sua sede a placa em homenagem ao desinformante soviético Walter Duranty, que infundiu nos seus leitores a noção de que a Ucrânia agonizante era um paraíso de paz e prosperidade. Durante a guerra do Vietnã, seus correspondentes retransmitiam fielmente ao povo americano peças de desinformação recebidas prontas dos comunistas. O repórter brasileiro José Hamilton Ribeiro, que foi correspondente no Vietnã até perder a perna na explosão de uma mina, confessou: “Todos nós, jornalistas estrangeiros, sabíamos que nossas fontes eram agentes vietcongues disfarçados. Mas fechávamos os olhos.” Desde a Guerra dos Seis Dias, o jornal tem mentido tanto contra Israel que a comunidade judaica de Nova York teve de se organizar para reprimir judicialmente as lorotas mais insuportáveis. Durante a reunião anual do NYT, em abril, Cliff Kincaid, editor do site Accuracy in Media, espremeu o atual presidente do jornal com perguntas tão irrespondíveis sobre o jornalismo como instrumento de traição, que o herdeiro da dinastia Sulzberger acabou pulando fora do debate (v. www.aim.org/aim_report/4624_0_4_0_C/). Seja ou não processado, o NYT já foi condenado pelo público: segundo uma pesquisa recente, só 30 por cento de seus leitores acreditam nele. E os lucros da empresa, em 2005, diminuíram dramaticamente em comparação com o ano anterior. Os jornalistas brasileiros, que ainda tomam o pior dos maiores diários americanos como uma Bíblia da profissão, correm o risco de ver a aura de prestígio do seu livro sagrado ir-se desvanecendo aos poucos, deixando no ar um rastro de enxofre.
|