O comunismo depois do fim
Olavo de Carvalho
Jornal da Tarde, 06 de junho de 2002
Imagine que, finda a II Guerra Mundial, morto o Führer nas
profundezas do seu bunker, restaurada a democracia na Alemanha, um
consenso tácito universal decidisse que os crimes de guerra
nazistas não deveriam ser investigados nem punidos, que o
Partido Nazista continuaria na legalidade sob
deminações diversas, que uma boa parte dos campos de
concentração
deveria continuar funcionando ao menos discretamente, que
ninguém na Gestapo ou nas SS seria demitido ou interrogado e
que alguns bons funcionários dessas lindas
instituições deveriam ser mesmo postos no comando da
nação.
Nessas condições, você acreditaria em "fim
do nazismo"? Ou antes perceberia aí um imenso
"upgrade" desse movimento satânico, despido de sua
aparência mais óbvia e comprometedora, sutilizado e
disseminado no ar como
um vírus para contaminar toda a humanidade?
Você acreditaria em "fim do nazismo" se, preservados
os meios desubsistência e expansão desse movimento, a
mídia internacional e a opiniãoelegante decretassem
instantaneamente a mais drástica repressão moral a
todo
antinazismo explícito, acusando de paranóico e
antidemocrático quem ousasseespecular, mesmo de longe, sobre
os riscos de um retorno do regime nazistasob outro nome?
Você acreditaria em "fim do nazismo" se, decorrido
meio século desua pretensa extinção, toda
tentativa de investigar e divulgar a extensãodos seus crimes
fosse condenada publicamente como uma inconveniência, um
pecado, um maldoso revanchismo?
Você acreditaria em "fim do nazismo" se, na Alemanha
e fora dela, qualquer crítica mais pesada aos que em outras
épocas fizeram a apologia desse regime genocida fosse banida
e perseguida como um delito ou no mínimo como um sinal de
patologia mental?
Você acreditaria em "fim do nazismo" se por toda
parte os que
fizeram propaganda nazista fossem paparicados e homenageados
não só como grandes figuras da vida intelectual e
artística mas como defensores da liberdade e dos direitos
humanos?
Você acreditaria em "fim do nazismo" se
notórios militantes
pró-nazistas estivessem subindo ao poder por via eleitoral em
várias nações do Terceiro Mundo, enquanto em
outras espoucassem guerrilhas, revoluções e golpes de
Estado inspirados na pregação nazista?
Você acreditaria em "fim do nazismo" se as
nações que supostamente o venceram estivessem cercadas
por uma campanha de ódio internacional apoiada por partidos e
organizações nazistas?
Você acreditaria em "fim do nazismo" se todos os que
se
auto-rotulassem "ex"-nazistas fizessem apenas
críticas muito vagas e genéricas ao regime de Hitler,
mudando de assunto rapidamente, mas em contrapartida continuassem
atacando o antinazismo como o pior dos males?
Pois então, santa misericórdia, por que acredita em
"fim do
comunismo"? O movimento comunista internacional não foi
desmantelado, nem debilitado, nem mesmo acusado do que quer que
fosse. Na Rússia o Partido Comunista conserva um bom
número de cadeiras no parlamento, a KGB (com nome
trocado pela milésima vez desde Lênin) continua
funcionando a pleno vapor com verbas superiores às de todos
os serviços secretos ocidentais somados, o Gulag continua
repleto de prisioneiros. Na China, no Vietnã, na
Coréia do Norte e em Cuba um bilhão e quatrocentos
milhões de pessoas vivem ainda sob
o Estado policial comunista que, a cada nova promessa de
liberalização feita para seduzir investidores
estrangeiros, mais aperta as engrenagens da repressão e
estrangula qualquer veleidade de oposição organizada.
Na América Latina e na África, novos regimes
comunistas ou pró-comunistas surgem e,
diante dos olhos complacentes da mídia internacional,
demantelam pela violência ou pela chicana todas as
oposições, demolem as garantias de liberdade
individual e o direito de propriedade e fomentam guerrilhas e
revoluções nos países vizinhos, com o apoio das
redes de tráfico de entorpecentes montadas pela KGB e pela
espionagem chinesa desde os anos 60, hoje crescidas ao ponto de
controlar a economia de países inteiros. Nas
nações capitalistas supostamente triunfantes, slogans,
valores e critérios da "revolução
cultural" marxista dos anos 60 se impõem oficialmente
nas escolas e nos lares como um dogmatismo inquestionável, ao
mesmo tempo que um
lobby comunista de dimensões tricontinentais controla
rigidamente o fluxo do noticiário nos principais jornais e
canais de TV, e nas universidades a ortodoxia marxista consegue
calar pela intimidação e pela chantagem as poucas
vozes discordantes.
Como, em sã consciência, alguém que saiba dessas
coisas pode afirmar que o comunismo acabou ou que ele não
representa mais perigo algum?
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