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Saindo pela esquerda

Olavo de Carvalho
Diário do Comércio (editorial), 8 de junho de 2006

 

A descoberta de um depósito de cabeças cortadas, no Iraque, foi noticiada com relativa discrição pela mídia chique de Nova York e Washington e não provocou nenhuma reação indignada de Hillary Clinton, Ted Kennedy, John Kerry, John Murtha e outros autores de protestos apopléticos contra as “violências” cometidas pelos americanos em Abu-Ghraib. Com toda a evidência, a moral politicamente correta considera mais humano cortar uma cabeça do que vestir-lhe uma calcinha.

A apropriação do discurso moralizante pelos adeptos de ideologias amorais e genocidas só poderia levar mesmo à deformação caricatural do próprio sentido da moralidade, culminando na completa inversão dos critérios de julgamento.

Para os que, no meio da confusão psicótica, ainda se conservam capazes de apreender as coisas como são, a nova revelação da crueldade dos terroristas iraquianos leva a duas conclusões incontornáveis: (1) ou o governo constitucional do Iraque, com a ajuda americana, prossegue a luta até a destruição total do inimigo, ou será preciso entregar o país a uma gangue de assassinos de mentalidade incalculavelmente monstruosa; (2) se George W. Bush cometeu erros, invadir o Iraque não foi um deles.

Na verdade, a queda de popularidade do presidente não se deve a nada que possa ter desagradado a elite esquerdista. Deve-se justamente ao fato de que esse mandatário, tão firme e decidido nas ações que empreende no Oriente Médio, é tímido e acomodatício ante as exigências da oposição interna, não hesitando em sacrificar o futuro do seu partido no altar de concessões vexatórias. A mais escandalosa dessas concessões é decerto, o projeto de anistia para doze milhões de imigrantes ilegais, contra a vontade da maioria da população e praticamente a totalidade do eleitorado conservador. O acordo parece tanto mais repugnante porque a proposta de anistia veio justamente de dois inimigos tradicionais do presidente, um democrata, Ted Kennedy, o outro republicano, John McCain.

Depois de uma política de gastos públicos megalômanos que foi uma inversão exata de suas promessas de campanha, a aproximação com Kennedy e McCain parece, aos eleitores de Bush, uma traição intolerável. Se, às vésperas da votação do projeto de anistia, o presidente tenta aplacar a multidão conservadora com a oferta de uma emenda constitucional proibindo os casamentos gays, a multidão não vai se deixar comprar por esse agradinho de improviso: vai aplaudir a proibição e continuar malhando Bush. Os políticos republicanos, que dominam o Senado e a Câmara, sabem que o presidente está vendendo suas cadeiras para a oposição e muitos deles já decidiram que gostam mais de seus postos do que dele. Mas o presidente em pessoa parece ainda não ter entendido que um parlamento com maioria democrata significará quase que inevitavelmente o seu processo de impeachment.

Não é a primeira vez que um presidente americano eleito com plataforma conservadora decepciona seus eleitores e joga sua carreira pela janela em troca de uns sorrisos hipócritas dos  adversários. Richard Nixon entrou na presidência pela direita e saiu pela esquerda. O atual presidente parece inspirado nesse fantasma ilustre. O problema dos republicanos agora é: salvar George W. Bush dele próprio ou salvar-se entregando George W. Bush aos leões.