Abolindo a Inquisição
Olavo de Carvalho
Leio no site do PT um protesto furibundo contra a colunista Mônica Bérgamo, pelo pecado abominável de ter divulgado o livro do coronel Brilhante Ustra, A Verdade Sufocada. A História que a Esquerda não Quer que o Brasil Conheça (Brasília, Editora Ser, 2006). O oficial, afirma o partido, é um torturador, um malvado. A um tipo como esse não se deve conceder atenção, muito menos a honra -- suponhamos que o seja -- de um comentário na Folha. A acusação é velha como o próprio PT. Já foi alardeada em jornais, revistas, livros, filmes, programas de TV, congressos, cursos universitários. O custo da sua difusão é incalculável. Jamais poderia ser coberto sem a ajuda de múltiplos patrocínios, incluindo verbas de fundações estrangeiras e impostos arrancados ao contribuinte brasileiro. Quanto à defesa, foi publicada primeiro numa edição doméstica paga pelo autor com o leite das crianças. O título era Rompendo o Silêncio mas não rompeu silêncio nenhum, porque nem chegou às livrarias. Circulou de mão em mão, às escondidas, como um panfleto subversivo. Sai agora em versão mais completa, com tratamento editorial decente, o que não contrabalança a desproporção de forças mas dá ao acusado, pela primeira vez, alguma chance de ser ouvido fora do círculo de seus familiares e amigos. É contra esse perigo horripilante que o PT adverte. Já é um abuso intolerável, na sua opinião, o suspeito de tortura ousar se defender. Divulgar a defesa, expondo o público à tentação de lê-la, é crime hediondo. Confirmando o subtítulo do livro, o PT não quer mesmo que ninguém ouça a versão do acusado. Os leitores talvez não percebam à primeira vista o profundo significado histórico do protesto petista. Para apreendê-lo é preciso recuar muitos séculos na perspectiva dos tempos. A Santa Inquisição, que a cultura pop do esquerdismo consagrou como o símbolo máximo da prepotência repressora, chamava-se “inquisição” precisamente porque inquiria, isto é, fazia perguntas e deixava o acusado responder. O termo “inquisitório” opunha-se a “acusatório”. No costume processual dos séculos bárbaros, a acusação reforçada por um juramento e, se preciso, sustentada em duelo, bastava como garantia legal para enviar o réu para o outro mundo. A Inquisição proibiu o método acusatório, fazendo do direito de defesa uma conditio sine qua non para a racionalidade da prova. Muito aperfeiçoado, esse princípio acabou por ultrapassar as fronteiras do domínio jurídico estrito, impondo-se como regra básica em todas as discussões de culpa e inocência. De um só golpe, o veredito do PT abole séculos de evolução jurídica, moral e cultural, proclamando a necessidade imperiosa de calar a boca do réu. Cancelada a Inquisição, fica instaurada a supremacia absoluta da acusação, cuja veracidade se torna indiscutível mediante a proibição de discuti-la. Mas não se trata de um retorno à lei feudal. O princípio petista é novo, é original, é inédito, porque dispensa o juramento solene e o ordálio de sangue. Nenhuma suposta vítima do coronel Ustra precisará oferecer a própria vida como garantia de que foi torturada pelo acusado. A validade do seu depoimento será atestada pelo contracheque da indenização federal, recebida também sem necessidade de outra prova além da declaração do interessado. Entre a justiça petista e a dos cavaleiros medievais a diferença não poderia ser maior: estes avalizavam seu discurso de acusação com a própria honra e o próprio sangue; aquela, com o dinheiro dos outros e a desonra geral. *** Mark Steyn, no Jerusalem Post de 28 de maio, recorda: “Quatro anos atrás, The Economist publicou uma reportagem de capa sobre o vencedor das eleições presidenciais brasileiras, o líder socialista Luiz Inácio Lula da Silva. Era um acontecimento de grande importância hemisférica. Daí a manchete: ‘O significado de Lula’. Na semana seguinte, um leitor, Asif Niazi, escreveu ao editor da revista: ‘Caro senhor, o significado de Lula, em língua urdu, é pênis.” Nomen est omen, “o nome é um presságio”, diziam os romanos.
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