O absurdo pode favorecer a disseminação de uma idéia
Olavo de Carvalho
Acabo de ver, num muro de universidade aqui perto, um cartaz em homenagem ao black pride, com frases de líderes e intelectuais negros famosos. Duas atraíram especialmente a minha atenção: "A raça é o menos importante elemento de informação que temos sobre uma pessoa. Forçar as pessoas a terem reações baseadas na raça é perder de vista a noção mesma de humanidade." "Tenham tanto orgulho da sua raça hoje em dia quanto seus pais tiveram antigamente. Temos uma história magnífica, e ainda faremos outra no futuro que há de assombrar o mundo." A primeira é da romancista Toni Morrison, Prêmio Nobel de Literatura de 1993. A segunda é de Marcus Garvey, jornalista e líder cultural jamaicano, criador, na década de 20, do movimento "Volta para a África". As duas exortações vão em sentido contrário. Morrison diz que os seres humanos não devem ser induzidos a agir segundo uma identidade racial; Garvey, que eles devem fazer precisamente isso. A contradição pode ser resolvida dialeticamente, mas isso dá um bocado de trabalho e exige o apelo a premissas que, uma vez trazidas à luz, podem por sua vez ser contestadas, impugnando a resolução obtida. O espectador do cartaz, em geral, não vai parar para fazer essa análise. Vai absorver a mensagem toda de uma vez, chutando para o automatismo inconsciente a tarefa de resolver a contradição. Mas o inconsciente desconhece as sutilezas da dialética. Para ele não existe contradição, não existe sequer a palavra "não": só imagens afirmativas. O que ele vai fazer portanto é ignorar a contradição e superpor simplesmente as duas idéias, gerando uma terceira que as acomode da maneira perfeitamente confortável. O resultado é mais ou menos assim: "Os brancos nos impuseram reações baseadas na raça. Temos o direito de reagir afirmando o orgulho da nossa raça." Pela mágica do inconsciente, ficam assim harmonizados numa síntese indissolúvel o anti-racismo e o racismo. Aquilo que, num debate científico, seria a impugnação completa de um argumento, torna-se em propaganda uma força psicológica inconsciente trabalhando a favor dele. Longe de constituir um obstáculo à disseminação de uma idéia, o absurdo pode favorecê-la, justamente porque a estimulação contraditória, quando persistente e em doses maciças, amortece a inteligência do destinatário e o predispõe a uma apatetada passividade na qual ele está pronto para entregar-se, de joelhos, ao guiamento do espertalhão que o deixou nesse estado. A paralisia da razão não deixa ao indivíduo outra saída senão buscar na pura entrega emocional o alívio da indecisão. Alinguagem da propaganda política hoje em dia não tem nada a ver com as antigas artes retóricas, cujo fundamento, em última análise, era a persuasão racional. A manipulação tornou-se tão geral e disseminada que, com frequência, a tentativa de persuasão racional é rejeitada como "autoritária". Raciocinar tornou-se um esforço dolorido que passa por trabalho escravo. A conclusão inelutável das provas é ressentida como imposição de fora, não como o término natural de um percurso da inteligência. A massa, viciada, exige a dose habitual de absurdidade, fora da qual se sente solta e desamparada como um cãozinho de apartamento perdido na rua. A liberdade não é só uma questão de leis e instituições. Exige um adestramento da inteligência para a responsabilidade das decisões. O desconforto do aprendizado pode ser vivenciado como escravidão, ao passo que a submissão emotiva, justamente por ser tão fácil, pode passar como puro exercício da liberdade.
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