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Ainda a Palhaçada Total

Olavo de Carvalho
Jornal do Brasil, 26 de janeiro de 2006

 

Alguns militares ditos �nacionalistas de direita� andam loucos da vida comigo porque tenho provas da cumplicidade de pelo menos um deles com o Foro de São Paulo. Distribuem mensagens furiosas pela internet , despejam em cima de mim todo o estoque de carimbos difamatórios clássicos da propaganda comunista e ainda acham que são muito diferentes dos comunistas.

No antigo anterior, por engano, elevei um deles de coronel a general. Tremenda injustiça. Deveria tê-lo rebaixado a sargento, se não houvesse otimismo demais em presumir que seria aprovado num teste de português para suboficial. O homem escreve em lulês, fiel à taxa média de dois solecismos por linha. Alguns de seus cúmplices chegam a transcendê-lo nessa performance . Em seguida batem no peito ostentando patriotismo.

O primeiro e mais essencial componente de uma identidade nacional é o idioma � um idioma que esses cavalheiros não conhecem nem respeitam. Patriotismo sem amor à língua pátria é o mesmo que sexo diet .

Os outros dois pilares da honra nacional -- a lição é de Charles de Gaulle -- são a alta cultura e a religião. Sem o domínio do idioma não há acesso à alta cultura. Aqueles senhores não ouviriam dez minutos de Villa-Lobos nem leriam cinco páginas de Os Sertões sem cair no sono. Não sei se têm religião, mas sem o filtro cultural e lingüistico a religião se dissolve no universal e já não tem nada a ver com a pátria.

O que lhes sobra, e que eles ingenuamente tomam por patriotismo, é um ciumento apego corporativo às riquezas do território. Um cão que faça pipi em cinco árvores tem o mesmo sentimento, um dos mais baixos que se pode imaginar. Em versão humana, não é patriotismo, é mercantilismo. Confundem pátria com patrimônio, e imaginam que é deles. Daí sua obsessão paranóica com a �cobiça internacional�. Não que essa cobiça inexista. Contrabandistas, ladrões, terroristas e narcotraficantes usam e abusam do espaço nacional, transformam-no em casa de mãe joana. Mas, quando sugerimos que esses patriotas deveriam enfrentá-los, eles fogem esbaforidos, camuflando a covardia em orgulho superior: �Não somos políciais�. Têm razão: não são nem isso. Não são rigorosamente nada.

Esquivando-se a um confronto com os reais inimigos da pátria, exibem extraordinária valentia contra os imaginários. Alardeiam que George W. Bush planeja invadir o Brasil e já cantam vitórias nas futuras Batalhas de Itararé, quando reduzirão a picadinho marines que jamais estarão lá.

Se pelo menos nessa loucura fossem sérios, mereceriam o respeito devido aos doentes mentais. Seriam reencarnações de Policarpo Quaresma, teriam o mérito do ridículo sincero. Mas não chegam a tanto. Se chegassem, tentariam deter a invasão antes que ela se materializasse. O meio para isso é fácil e óbvio. A grande mídia americana e o Partido Democrata odeiam George W. Bush como se fosse a peste. Vivem procurando alguma coisa, qualquer coisa que possam dizer contra ele. Por que aqueles patriotas não vêm aqui e fazem sua denúncia em voz alta? Oficiais da reserva de um grande país latino-americano, revelando planos secretos de invasão ianque, fariam mais sucesso que show da Madonna. Virariam especial da CBS , manchete do Washington Post . Ted Kennedy e Nancy Pelosi lamberiam seus pés de gratidão. Seria o sonhado impeachment , dado de bandeja pela generosidade brasileira. Para os nossos heróis, seria o auge da glória militar segundo Sun-Tzu: destruir o adversário antes do combate.

Por que não fazem isso? Por que se recusam a uma ação tão simples e decisiva em defesa da pátria ameaçada? A resposta é ainda mais simples: Não fazem isso porque sabem que é tudo inventado, que seriam desmascarados, que todo mundo riria de suas caras de bolacha. Não fazem isso porque sabem que nem mitômanos anti-americanos inveterados como Noam Chomsky cairiam numa balela demasiado infantil para seu nível de sofisticação intelectual. Não fazem isso porque não são loucos o bastante para acreditar em si mesmos.