Doença moral hedionda
Olavo de Carvalho
Diário do Comércio, 19 de setembro de 2005
Há uma década e meia a Heritage Foundation de
Washington e o Wall Street Journal publicam anualmente o
Index of Economic Freedom, volumoso estudo comparativo dos
controles estatizantes e da liberdade de mercado nas várias
nações. Os critérios diferenciais abrangem a
propriedade governamental dos meios de produção, a
participação acionária do Estado nas empresas
de economia mista, a incidência de impostos sobre a iniciativa
privada e a dose maior ou menor de legislações
restritivas.
É, de longe, a publicação econômica mais
importante do mundo, a única que permite, numa visão
abrangente, avaliar sem muita dificuldade os méritos
respectivos do capitalismo e do socialismo, não segundo os
argumentos concebidos para justificá-los, mas segundo o seu
desempenho real no esforço para dar uma vida melhor ao
conjunto da população dos países ao seu
alcance.
Ano após ano, a realidade desse desempenho é ali
mostrada com uma profusão de dados e com uma integridade
metodológica que nenhum estudioso da área ousou jamais
contestar. Essa realidade pode ser formulada em termos simples e
inequívocos: quanto maior a dose de controle estatal, mais
miséria, mais opressão, mais sofrimento; quanto maior
o índice de liberdade econômica, mais prosperidade,
mais respeito aos direitos humanos, mais oportunidades para uma vida
digna oferecidas a faixas mais extensas da
população.
Qualquer esquerdista intelectualmente capacitado a ler uma
publicação desse tipo tem, diante dela, no
mínimo a obrigação de ficar em dúvida
quanto à superioridade moral excelsa que a propaganda
política atribui ao socialismo e de moderar um pouco aquele
tom de certeza absoluta e inquestionável com que sempre
atribui ao adversário, pelo simples fato de ser
pró-capitalista, as piores e mais baixas
intenções.
Na mais modesta das hipóteses, uma consciência moral
tão elevada quanto aquela que se arrogam os esquerdistas
deveria ter ao menos um pouquinho de senso da verdade, ao menos um
pouquinho da humildade necessária para admitir os fatos e
tirar alguma conseqüência deles.
Mas isso está infinitamente acima do que se pode esperar
dessas criaturas. Quanto mais deploráveis os resultados
econômicos do socialismo, quanto maior a dose de crimes e
violências necessários para produzi-los, tanto mais
enfática a alegação de superioridade, tanto
mais inabalável o sentimento de possuir o monopólio da
bondade humana, tanto mais virulento o discurso esquerdista contra o
capitalismo e seus defensores. Quanto mais extensas as provas do seu
erro, tanto mais arraigada e intolerante a sua certeza, tanto menor
a sua disposição de conceder ao adversário o
benefício da dúvida ou até mesmo o direito
à palavra, que com a maior desenvoltura lhe cassam ao mesmo
tempo que, numa apoteose de cinismo, o rotulam de dogmático e
intolerante.
Observar esse contraste, repetidamente, ao longo dos anos, é
ser arrastado a uma conclusão que a alma rejeita, mas que a
consciência impõe inexoravelmente: o socialismo
não é uma opinião política como qualquer
outra, é uma doença do espírito, uma
deformidade moral hedionda, pertinaz e dificilmente
curável.
A observação pessoal é confirmada por estudos
consistentes como “La Fausse Conscience”, Joseph Gabel,
“Intellectuals”, de Paul Johnson, “Modernity
Without Restraint”, de Eric Voegelin, “Fire in the Minds
of Men”, de James Billington e outros tantos
inumeráveis.
Não há nada de estranho em que o mesmo
diagnóstico se aplique ipsis litteris ao
nazifascismo, já que este não passa de uma variante
interna do socialismo -- obviedade histórica que na
época dos fatos era universalmente conhecida e que só
a propaganda maciça pode ter apagado da memória
pública ao menos em alguns países.
Nem é de espantar que, observados de perto, na escala de suas
atitudes pessoais, os mais destacados expoentes da ideologia
socialista se revelem invariavelmente personalidades cruéis,
sem moral, sem amor ao próximo, sem o mínimo de
sentimentos humanos nem mesmo por seus familiares e amigos. Estudem
as biografias de Karl Marx, de Lênin, de Stalin, de
Mao-Tsé-Tung, de Pol-Pot, de Fidel Castro – sobretudo
os depoimentos do médico pessoal de Mao e os das filhas de
Stalin e Castro -- e vejam se há algum exagero em chamar
esses indivíduos de monstros, ou de perversos os que os
admiram.
Quem quer que, conhecendo esses fatos, ainda julgue que o oceano de
crueldade e sofrimento produzido por esses personagens e pelos
movimentos que lideraram é preferível aos “males
do capitalismo”, decididamente não tem senso de
proporções, não tem maturidade intelectual ou
humana bastante para ser admitido como interlocutor
respeitável num debate de idéias.
Desgraçadamente, é justamente esse o tipo de
indivíduo que hoje dá o tom das discussões
nacionais e se arroga, com sucesso, o papel de medida-padrão
das virtudes humanas, à luz da qual devem ser julgados todos
os atos, seres e situações. A covardia e o despreparo
gerais da classe dominante no Brasil fizeram dela a cúmplice
ao menos passiva da ascensão desses celerados ao primeiro
escalão da hierarquia social, de onde hoje é quase
impossível removê-los.
Desculpas sem culpa
Alguns leitores, levados à perplexidade pelo simples fato de
que sua única fonte de informações é a
grande mídia brasileira – o que é pior
até do que não ter informação nenhuma
--, pedem-me que explique por que o presidente Bush, se não
teve culpa do atraso no socorro à Louisiana, pediu desculpas
como se tivesse. Bem, antes de tudo, é impressionante o
número de brasileiros que opinam sobre a política dos
EUA sem conhecer nem mesmo os rudimentos da legislação
americana, que os meninos da Virginia ou do Texas aprendem na
escola. Não vi, por exemplo, um só dos opinadores
compulsivos que pululam nos nossos jornais dar o menor sinal de
saber que o governo federal americano não pode socorrer um
Estado sem pedido do governo local, que para fazer isso o presidente
Bush teria de decretar intervenção federal,
destituindo na prática a governadora. Se ele fizesse isso, o
Partido Democrata pediria imediatamente o seu impeachment, alegando
abuso da autoridade presidencial, e os EUA teriam de enfrentar,
junto com a inundação da Louisiana, a maior crise
política desde Watergate. Seria um segundo e simultâneo
desastre nacional. Por isso Bush decidiu deixar o socorro preparado
e esperar a solicitação oficial da governadora,
limitando-se a pressioná-la psicologicamente por telefone. Os
democratas sabiam que, agindo assim, ele se expunha a arcar com
todas as culpas sem ter nenhuma. Não tenho dúvidas de
que isso entrou nos cálculos da governadora Kathleen Branco
quando, contra todas as probabilidades, contra toda a lógica,
contra todo o bom-senso, adiou o pedido de socorro até o
limite da tragédia e, ainda mais inexplicavelmente, bloqueou
a entrada da ajuda proveniente dos Estados vizinhos. Partindo da
premissa de que o objetivo prioritário era salvar a
população atingida pelas águas, um
acúmulo tão persistente de delongas no meio de uma
situação tão premente é de uma
absurdidade tamanha que só pode ser explicado pela loucura
completa. Mas Kathleen Blanco não é louca. Não
resta portanto outro motivo plausível exceto a
premeditação de um golpe mortal a ser desferido na
carreira do presidente – um objetivo que, para o desesperado e
fanatizado Partido Democrata, é certamente mais urgente do
que salvar umas quantas vidas. Se essa hipótese lhes parece
ruim demais, é porque vocês não sabem o que
é hoje o Partido Democrata. É o partido de George
Soros, o partido do dinheiro chinês, o partido do
oil-for-food, o partido empenhado em desarmar os EUA e colocar a
nação de joelhos ante os Kofi Annans da vida. É
um gigantesco PT, arrotando patriotismo e abrindo as fronteiras aos
terroristas e narcotraficantes. George W. Bush não é
certamente o político mais hábil de todos os tempos.
É apenas um homem honesto que tenta fazer o melhor, mas foge
por todos os meios a um choque frontal com a oposição
democrata. Não sei por que ele faz isso. Pretendo descobrir
um dia. Porém mais de uma vez ele já mostrou que
prefere antes sacrificar sua carreira do que admitir um estado de
divisão interna num país em guerra. Não sou
como os demais colunistas brasileiros, que diariamente dão
conselhos e até ordens ao presidente dos EUA, ao general
Sharon, ao Papa e, nos momentos de maior modéstia, a Deus
Todo-Poderoso. Mas, cá com os meus humildes botões,
acho que Bush está errado, que é inútil um
presidente simular união nacional quando o país
está repleto de traidores organizados para destruí-lo.
O melhor talvez fosse partir para a ruptura – e teria sido
precisamente esse o resultado de uma intervenção
federal forçada. Mas não estou na pele do presidente
americano, e não sei se ele, ou qualquer outro governante do
planeta, teria cacife para enfrentar ao mesmo tempo uma
catástrofe natural e uma crise institucional, além de
uma guerra e da mobilização interna contra ela, sem
contar a hostilidade da Europa e da ONU. Para evitar essa
hipótese, ele se curvou ao jogo de seus adversários.
Não teve culpa direta por nada, mas, como cristão,
assumiu a responsabilidade da escolha política. Sei que, na
mídia brasileira, a simples hipótese de um governante
ser cristão sincero parece absurda e é objeto de
chacota. Mas isso revela algo sobre a mentalidade da mídia
brasileira, não sobre a de George W. Bush.
Grijalbo Júnior
Quando peguei em flagrante delito de patifaria intelectual o dr.
Grijalbo Fernandes, então presidente da Anamatra
(Associação Nacional dos Magistrados da Justiça
do Trabalho), o acusado apelou ao expediente sumamente porcino de
alegar que a denúncia feria a honra de toda a classe de
juízes do trabalho – como se fosse composta
integralmente de patifes iguais a ele – e de brandir contra
mim uma ameaça de processo por “dano moral
coletivo” (v.
/semana/050514globo.htm,
/semana/050521globo.htm e
http://www.midiasemmascara.org/artigo.php?sid=3757). Provando que a classe não se sentira nem um pouco
ofendida pelo desmascaramento do figurão que a representava
tão mal, mas sim pela tentativa manhosa de usá-la como
escudo contra a verdade, a juíza Marli Nogueira, de
Brasília, passou um didático pito naquele seu colega,
ensinando-o a ler nas minhas palavras o que estava lá,
não o que ele desejaria fazer crer que estivesse. Para
desmoralizar um pouco mais as pretensões grijálbicas,
logo em seguida o Tribunal do Trabalho da 3ª. Região, de
Belo Horizonte, por indicação do juiz Ricardo
Antônio Mohallem, ele próprio integrante da diretoria
da Anamatra, me concedeu a medalha da
Ordem do Mérito Judiciário do Trabalho “Juiz
Ari Rocha”. Inconformado com a homenagem, que por si desmascarava a
calúnia levantada contra mim pelo dr. Grijalbo, agora
apareceu um Grijalbo II, ou Grijalbo Júnior, mais conhecido
como Orlando Tadeu de Alcântara, presidente da Anamatra 3,
para escrever ao Tribunal uma carta de protesto na qual repete a
calúnia anterior e lhe acrescenta umas novas, entre as quais
a de que “o Sr. Olavo de Carvalho, nas suas idéias e
manifestações, sempre desprezou a democracia, o
direito e a paz social”. Nem Tadeu nem Grijalbo acreditaram
jamais numa só palavra que escreveram contra mim, pois se
acreditassem não se contentariam com fanfarronadas pueris e
passariam das palavras aos atos, movendo logo o alardeado processo,
coisa que não fizeram nem farão, a não ser
talvez quando tiverem a garantia de que o réu não
será condenado por suas ações, mas, como nos
regimes de Stalin, Mao e Fidel Castro, por sua “ideologia de
classe”. Por enquanto, só o que conseguiram foi uma
resposta ríspida e corajosa do juiz Mohallem, que além
de desmascarar a discriminação ideológica
brutal por trás da afetada preocupação com a
“democracia”, ainda aproveitou a ocasião para se
desligar da entidade, mostrando que a companhia de Grijalbos e
Tadeus não convém realmente a homens honrados. Tenho a
certeza absoluta de que o dr. Mohallem, e não eles, é
representativo da classe dos juízes do trabalho. Mas, em
qualquer classe social, a voz da maioria honesta é hoje
sufocada pela algazarra de uma minoria de ativistas
histéricos, mentirosos cínicos, que ousam rotular de
“ofensa à democracia” o que quer que se diga
contra os regimes genocidas de sua devoção.
Quem enganou quem
Na Espanha, a Associação das Vítimas do
Terrorismo anunciou que promoverá uma onda de
manifestações de protesto contra a
acomodação do primeiro-ministro Zapatero com os
terroristas do ETA e contra a ocultação, pelo governo
espanhol, de informações que poderiam levar à
prisão dos criminosos. Francisco José Alcaraz,
presidente da entidade, anunciou que as mobilizações
“não terão precedentes na História da
Espanha”. Logo, portanto, ficará claro ante os olhos de
todos quem enganou quem no plebiscito de 2004 (v.
/semana/040325jt.htm).
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