A farsa pluralista
Olavo de Carvalho
Um dos sinais mais alarmantes da degradação intelectual brasileira é a desenvoltura leviana com que apelos ao �pluralismo� surgem na boca de pessoas que nunca fizeram nem desejariam fazer a mínima tentativa de absorver alguma idéia diferente daquelas a que aderiram na juventude e nunca mais abandonaram. Barateado, esvaziado de seu conteúdo concreto, que é o esforço da mente para superar suas preferênvcias usuais e admitir verdades que a insultam e ferem, o �pluralismo� reduz-se a um slogan demagógico que só serve para camuflar a realidade brutal do �centralismo democrático� leninista � a livre discussão entre os concordes. A perversão do sentido dos termos serve aí para legitimar a marginalização e a repressão das vozes antipáticas ao consenso auto-satisfeito, facilmente rotuláveis, por isso mesmo, de dogmáticas, autoritárias etc. A perversão culmina na completa inversão: �pluralismo� torna-se o nome do mais repressivo e intolerante unanimismo. Tal é o resultado a que se chega quando se alardeia esse nome na praça pública, como emblema de bom-mocismo, antes de haver cultivado na intimidade da alma, entre perplexidades e angústias, longe de aplausos e de todo lucro político, a realidade que ele designa. O verdadeiro pluralismo não pode existir sem pelo menos duas condições, uma objetiva, a outra subjetiva. A primeira é a existência de uma autêntica variedade de opiniões em circulação. Essa condição, no Brasil, não se cumpre nem no jornalismo, nem no mercado de livros, nem na educação. Naquele, a gama de opiniões admitidas vai do esquerdismo radical ao socialismo light, mal sobrando lugar para um liberalismo tímido, autolimitado aos temas econômicos e cioso de não parecer anticomunista (o PFL, por exemplo, só usa o termo eufemístico �populismo�). Nas livrarias, a ausência de obras representativas do pensamento conservador vem de tão longe, que a lenda da superioridade intelectual da esquerda é tida pelo público leitor como verdade de senso comum só desconhecida pelos analfabetos e incapazes. Nas escolas, a propaganda comunista é tão onipresente que já não vem nem mesmo identificada como tal: as idéias do Manifesto de 1848 são transmitidas como expressões do saber científico tout court, neutro e superior a ideologias. Não por coincidência, são os criadores desse estado de coisas que mais usam a desculpa de �pluralismo� para justificar a repressão dos discordantes, com freqüência apelando às acusações de �dano moral coletivo� ante a menor opinião que os irrite, como já fizeram comigo e com D. Eugênio Sales, transferindo o debate do terreno dos argumentos para o da repressão jurídico-policial, onde esses apóstolos da livre expressão se sentem mais à vontade. Ironicamente, validam essa atitude explorando o terror pânico de um retorno aos �anos de chumbo� � ao mesmo tempo que acusam a nós, seus desafetos, de enxergar fantasmas por toda parte! -- e explorando assim a ingenuidade popular que ignora tudo daquela época, sobretudo que então havia muito mais liberdade para o esquerdismo, nas redações, nas escolas ou no mercado de livros, do que hoje para o que quer que seja ou pareça direitista. A ditadura censurou notícias e processou alguns jornalistas e intelectuais (em número muito menor do que em geral se imagina), mas nunca adotou uma política de �ocupação de espaços�, como fizeram depois os esquerdistas, para expulsar seus adversários dos locais de trabalho por meio do boicote e da intimidação. Ao contrário, o esquerdismo conquistou aí sua hegemonia precisamente naqueles anos. A segunda condição para o pluralismo é a longa e voluntária imersão da alma num mar de dúvidas e confusões atrozes, incompatível com aquelas tomadas de posição radicais e definitivas que os demagogos cobram da juventude. Explicarei mais sobre isso no próximo artigo. *** Como não é bom gastar todo o espaço desta coluna em debates com incapazes, coloquei no meu website, www.olavodecarvalho.org, algumas notas finais sobre o artigo �Praga fascista�, publicado pelo dr. Grijalbo Fernandes Coutinho no Globo de 21 de maio.
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