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Do Brasil ao Brejil

Olavo de Carvalho
O Globo, 12 de março de 2004

 

Antigamente � ainda ontem, quando eu tinha vinte anos �-, exigia-se muito de um escritor. Ele tinha de dominar os recursos da sua arte ao ponto de que toda a hist�ria dela, de algum modo, transparecesse no seu estilo. Tinha de possuir uma vis�o espiritualmente madura do universo e da vida e haver absorvido nela a cultura dos mil�nios. E essa vis�o devia estar t�o bem integrada na personalidade dele que sua express�o escrita n�o comportasse o m�nimo hiato entre id�ia e palavra.

Hoje n�o � preciso nada disso. Basta uma afeta��o de sentimentos politicamente corretos na linguagem dos estere�tipos mais sufocantes � e pronto: o pimpolho garantiu seu lugar nos suplementos de cultura e nas antologias escolares. Se escreve no estilo padronizado dos manuais de reda��o, � um primor de nitidez cartesiana. Se embrulha id�ias sonsas em jarg�o lacaniano indiger�vel, � um assombro de profundidade. Se n�o articula sujeito e predicado, � um grande comunicador, sens�vel � linguagem do povo.

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Na literatura de fic��o, o �nico autor que produziu algo de not�vel nos �ltimos tempos foi Duda Mendon�a. T�o profundo foi o impacto da sua obra, que s� agora alguns brasileiros come�am a despertar do enredo em que ele os meteu em 2002.

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A quintess�ncia do estilo liter�rio nacional, hoje em dia, encontra sua express�o perfeita nas palavras que, segundo circula na internet, foram proferidas pelo ministro Gilberto Gil em discurso recente:

��... Bom... Eu queria dizer que a met�fora da m�sica brasileira na globaliza��o efetiva dos carentes objetos da sinergia fizeram a pluraliza��o chegar aos ouvidos eternos da geografia assim�trica da melodia.�

Tudo � o melhor do Brasil � encontra-se nesse par�grafo: a quota de dislexia requerida para os altos cargos federais, a absoluta incapacidade para a concord�ncia verbal, a total inconex�o l�gica, o disp�ndio exibicionista de termos pedantes sem nenhum significado no contexto.

Em outras �pocas, vendo um sujeito desses no Minist�rio da Cultura, eu gritaria: �Basta!�, �Fora!�. Hoje, com serenidade ol�mpica, admito que ele est� no lugar certo. Quem poderia representar mais condignamente a intelig�ncia brasileira no seu estado atual?

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Mas n�o lhe faltam imitadores. O PFL, por exemplo, depois de ter passado anos diluindo sua identidade at� abaixo do n�mero de Avogadro, cansou de fisiologismo e tomou a m�scula resolu��o de autodefinir-se ideologicamente. Sacudindo de si o comodismo, juntou todas as suas for�as morais e, num rompante de coragem, assumiu: � e ser� sempre... um partido de centro. Direi at� mesmo: de extremo-centro.

Afinal, who cares?

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Tamb�m n�o revolta a ningu�m o arquivamento do processo movido pelo PSDB contra o presidente. Esse processo n�o chegou sequer a ser um blefe. Foi um arremedo de blefe, concebido para impressionar n�o o advers�rio, mas a plat�ia. Diante da decis�o do STF, o tucanato respirou com al�vio, liberto do risco apavorante de ser levado a s�rio.

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Qualquer brasileiro com QI superior a 12 sabe que as leis, neste pa�s, s�o espadas de gel�ia brandidas contra o a�o do esquema esquerdista dominante, respaldado na estrat�gia continental de Fidel Castro e em s�lidas alian�as europ�ias e asi�ticas.

Como os casos Waldomiro e Celso Daniel provaram com evid�ncia sobrante, qualquer bandidinho apadrinhado pelo esquema � mais poderoso do que o conjunto das institui��es nacionais.

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O Brasil s� tem tr�s institui��es est�veis: o Foro de S�o Paulo, a Receita Federal e o narcotr�fico. O resto � ilus�o.

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Diante dessas coisas, o leitor pode buscar consolo nos vers�culos do Livro Amarelo-Fralda dos Pensamentos do presidente Lula, principalmente naqueles trechos memor�veis em que o nosso s�bio governante assegura que um cego est� olhando para ele ou garante que n�o viveu no s�culo do Holocausto, uma vergonha para a nossa p�tria. Outrora, isso me arrancaria risos e l�grimas. Hoje contemplo tudo com b�dica indiferen�a. � tarde para temer que a vaca v� para o brejo. O brejo cresceu, engoliu a vaca, engoliu tudo. Onde era o Brasil, agora � o Brejil.