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Cinco notas da semana

Olavo de Carvalho
O Globo, 6 de abril de 2002

 

Quando n�o se conhecem bem os fatos, � prudente evitar todo julgamento precipitado e ouvir com isen��o as mais variadas opini�es. Mas querer que depois de conhecidos os fatos o sujeito continue a admitir como indiferentemente v�lidos os palpites mais diversos e contradit�rios a respeito deles, isto � fazer do estado de ignor�ncia o modelo supremo do conhecimento humano, � bloquear e proibir o exerc�cio da intelig�ncia. O dever de toler�ncia, precau��o indispens�vel na busca da verdade, torna-se um fetiche paralisante e imbecil quando se transmuta em pretexto beato para ignorar a verdade conhecida.

No Brasil, pa�s onde todo mundo se cr� habilitado a opinar sobre o que quer que seja, � inevit�vel que a maior parte das discuss�es seja entre ignorantes, e que portanto um conceito inflado e fetichista da toler�ncia como relativismo absoluto acabe se impondo como regra m�xima em todas as discuss�es.

Quando a gente ignora os fatos, qualquer julgamento que fa�a deles � obra de pura conjetura��o imaginativa e, portanto, reflete antes uma proje��o de sua pr�pria alma do que as qualidades da coisa julgada. Os testes projetivos em psicologia funcionam precisamente porque, as figuras exibidas nada significando por si mesmas, todo �conte�do� que se veja nelas ser� proje��o de prefer�ncias e desejos subjetivos. Mas, se alguma qualidade objetiva se discerne na coisa examinada, o ju�zo a respeito dela j� n�o ser� mero reflexo de um estado da psique e sim uma representa��o da realidade. Essa representa��o poder� ser endossada como verdadeira ou impugnada como falsa, mas n�o explicada unilateralmente como express�o da alma que a produziu.

A facilidade com que os brasileiros caem nessa mostra que neste pa�s a id�ia de um confronto entre vis�es objetivas da realidade n�o chega sequer a ser imaginada como possibilidade.

No meu artigo da semana passada, afirmei por exemplo que, em bloco, a atua��o do sr. Kissinger na Secretaria de Estado favoreceu incomparavelmente mais os comunistas do que � �direita�, mesmo concebida no sentido mais el�stico do termo. Tratava-se de um juizo de fato e n�o da express�o de quaisquer sentimentos meus. N�o obstante, t�o logo publicado o artigo come�aram a pulular na internet os protestos de pessoas que, sem examinar em nada a carreira do sr. Kissinger, passavam de imediato a condenar os sentimentos, a seu ver maus e patol�gicos, que teriam determinado minha vis�o do personagem.

Na cultura infame de um pa�s historicamente perif�rico, � considerado normal um cidad�o, mesmo letrado, odiar ou idolatrar personagens que mal conhece e que est�o distantes demais para retribuir ou mesmo notar esses sentimentos. Donde, � tamb�m normal ele imaginar que qualquer julgamento que se fa�a desses personagens deva emergir de motiva��es sentimentais semelhantes �s suas, apenas, �s vezes, de signo contr�rio.

Mas creiam: do meu ponto de vista, chega a ser indescrit�vel a mis�ria mental em que um sujeito precisa estar atolado para imaginar que eu tenha �sentimentos� pessoais pelo sr. Kissinger, por Fidel Castro, ou por qualquer outro personagem que, nestes meus artigos, seja objeto de julgamento hist�rico, psicol�gico ou moral.

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O livro de Bernard Goldberg, �Bias�,  denuncia a sistem�tica falsifica��o esquerdista das not�cias praticada pela CNN h� d�cadas. Sua resenha em �Veja� foi, ela pr�pria, um primor de falsifica��o esquerdista. Para come�ar, tratou o livro como se fosse caso isolado, ao passo que a cole��o de obras similares publicadas nos EUA j� sobe �s centenas e forma hoje uma massa de provas suficiente para demonstrar que a ind�stria da desinforma��o esquerdista na m�dia norte-americana � um fen�meno das propor��es do seu similar sovi�tico no tempo de Stalin, quando os personagens indesejados iam desaparecendo da Hist�ria a cada nova edi��o da Enciclop�dia Sovi�tica. Tendo reduzido artificialmente o livro a um caso singular, foi moleza falsear o resto, explicando as den�ncias de Goldberg como secre��es da inveja de um funcion�rio contra seu chefe, Dan Rather (como se n�o se pudesse explicar a pr�pria resenha pela natural inveja que um rep�rter de �Veja� tem por um da CNN), e, mais ainda, reduzir o conte�do do livro a um requisit�rio contra supostos �exageros do politicamente correto�. Ora, �exagero� � ir al�m da dose recomend�vel. Mas a falsifica��o de not�cias n�o � recomend�vel nem em dose m�nima. O que a CNN e �Veja� fizeram n�o foi �exagerar�: foi mentir.

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N�o deixem de ler o livro de S�rgio Augusto de Avellar Coutinho, �A Revolu��o Gramscista no Ocidente� (Rio, Estandarte Editora, [email protected]),  que descreve a estrat�gia gramsciana de tomada do poder com a clareza necess�ria para fazer o leitor perceber que o processo j� est� em avan�ada fase de implanta��o no Brasil. Malgrado suas modestas pretens�es de obra elementar e did�tica, o livro tem um m�rito rar�ssimo, que � o de decodificar meticulosamente a linguagem cifrada de Gramci, a qual, inventada de in�cio para dribrar a censura, � perfidamente usada at� hoje pelos sucessores e apologistas do ide�logo italiano para camuflar com um verniz de democracia o sentido inequivocamente totalit�rio -- e moralmente monstruoso -- da sua proposta estrat�gica. Despido de seus adornos sem�nticos, Gramsci se revela um verdadeiro Dr. Mabuse, o g�nio sociopata do filme de Fritz Lang, que, recolhido ao manic�mio judici�rio, organiza a sangrenta revolu��o dos loucos para instaurar o reinado do terror.

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Desde 1995, quando uma feliz coincid�ncia profissional fez de mim um observador atento dos meios militares a que at� ent�o era completamente alheio, n�o vi ali o menor sinal de inten��es golpistas de direita. Em compensa��o, noto com apreens�o crescente a intensa atividade de agitadores esquerdistas que, infiltrados na Escola Superior de Guerra e nas academias de ensino militar, buscam instilar nos oficiais e graduandos, a pretexto de nacionalismo, a ambi��o de tornar-se vers�es brasileiras de Presidente Ch�vez ou de Saddam Hussein. Como fazem isso bem longe dos olhos do eleitorado, est�o ao mesmo tempo livres para ostentar em p�blico uma ret�rica hipocritamente antigolpista, prevalecendo-se do estere�tipo f�cil que associa golpe militar e direitismo.

J� em 1999, vi um desses discursar para uma turma de uns trinta coron�is, aos quais apelava para que esquecessem �as m�goas do passado� e se aliassem � milit�ncia esquerdista na prepara��o de uma rea��o popular contra o governo FHC e o tal �neoliberalismo�, rea��o que seria, segundo ele, �a mais violenta da nossa Hist�ria�. Epis�dios como esse multiplicam-se em velocidade assustadora.

Numa das pr�ximas semanas exporei melhor o que tenho observado a respeito, mas alguns dados preliminares encontram-se no meu artigo �Leituras militares�, publicado recentemente na Zero Hora de Porto Alegre e reproduzido na minha homepage, www.olavodecarvalho.org.

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H� uma diferen�a substancial entre ter abjurado do comunismo e continuar a trabalhar por ele sob outro pretexto, para n�o ter de carregar o fardo abomin�vel da sua heran�a hist�rica. O teste da diferen�a � f�cil: se um sujeito diz ter abandonado o comunismo e at� proclama seu horror aos velhos crimes de L�nin, de St�lin e de Mao, mas ao mesmo tempo se recusa a condenar com igual veem�ncia os crimes atuais de Fidel Castro ou do governo chin�s e continua a verberar o anticomunismo como o pior dos males, ent�o ele n�o � um ex-comunista: � um comunista com r�tulo trocado, um farsante.

Est� circulando pela internet uma nota de Armando Valladares, not�vel escritor cubano recordista mundial de perman�ncia numa pris�o pol�tica, com um apelo desesperado a que as na��es representadas na 58a. reuni�o da Comiss�o de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, condenem finalmente os mortic�nios, pris�es arbitr�rias e torturas cometidos incansavelmente pelos governos da China e de Cuba.

Se algum desses pretensos ex-comunistas � sincero, n�o hesitar� em apoiar a causa desse her�i quixotesco e solit�rio que � Armando Valladares. Caso contr�rio, que n�o venha com conversa mole.

At� o momento, nenhum jornal brasileiro -- todos eles repletos desses pretensos ex-comunistas -- consentiu sequer em noticiar o apelo do escritor cubano.