Candura fingida
Olavo de Carvalho
�A opinião pública vem se firmando como ator capaz de redirecionar o cenário político�, afirma a escritora Rosiska Darcy de Oliveira em artigo recentemente publicado, no qual tenta induzir os brasileiros a pressionar o eleitorado americano para que vote em John Kerry, o candidato preferido da Coréia do Norte, do Vietnã, do Hamas, da Al-Qaeda e dos militares chineses. O exemplo que ela aponta aos nossos compatriotas vem da Espanha. Não da Espanha heróica e desbravadora do século XVI. Nem mesmo da Espanha nobremente suicida da Guerra Civil. Vem daquela outra Espanha passiva, acovardada, sonsa e desprezível -- súbita reencarnação da �España miserable� de Antonio Machado --, que, hipnotizada pela articulação sinistra das bombas assassinas com uma bem planejada blitzkrieg midiática, se lançou de joelhos ante a voz de comando do terrorismo internacional. �Nas eleições espanholas após o atentado terrorista de Madri, em vinte quatro horas, usando celulares e a rede da internet, os eleitores falaram entre si, desmontaram a farsa oficial veiculada pela grande mídia e tiraram do poder o primeiro-ministro que enganara a nação.� É um dos parágrafos mais cínicos e mentirosos que tenho lido na imprensa nacional. Dona Rosiska pretende fazer-nos crer que a rede de ONGs bilionárias, muitas delas comprovadamente associadas com a estratégia terrorista, que planejam e direcionam o fluxo de informações na mídia internacional, não existe, não age, não influencia coisa nenhuma. Em lugar dela, aparece o personagem anônimo e impessoal chamado �opinião pública� ou �os eleitores�, o qual, miraculosamente, se arregimenta, se articula, se organiza por iniciativa espontânea e, em vinte e quatro horas, está pronto para a ação unitária destinada a mudar o curso dos acontecimentos. Se essa mudança ocorre no sentido desejado e planejado pelos terroristas, se ela realiza milimetricamente o projeto exposto com meses de antecedência em comunicados internos da Al-Qaeda, isto é apenas mais uma coincidência que vem se somar à inocente conjunção de acasos. E, se essas duas linhas de força convergem por sua vez para engrossar a corrente de vociferações anti-americanas dominante na grande mídia de Madri, de Paris, de Berlim e de Nova York, isto não só acontece igualmente sem premeditação alguma, mas também não constitui objeção a que Dona Rosiska pinte o empreendimento todo como uma heróica reação de cidadãos independentes e inermes contra a onipotência do �sistema� organizado e rico. Como se o �sistema� não consistisse precisamente na parceria dos organismos internacionais com a grande mídia e a organização da militância radical na cerrada malha de ONGs ativistas que cobre todo o planeta e num instante faz ecoar suas palavras-de-ordem em todas as redações, segura da uniformidade das opiniões no dia seguinte. Como se a mesma mídia que Dona Rosiska finge denunciar não tivesse tido um papel de destaque na condução �espontânea� das massas para a genuflexa rendição à prepotência dos terroristas. Como se a existência e funcionamento das �redes� fossem totalmente desconhecidos, como se não fossem objetos de uma detalhada bibliografia acadêmica, como se na mesma internet não circulasse desde 1996 uma obra como The Advent of Netwar , de John Arquilla e David F. Ronfeldt ( http://www.rand.org/publications/MR/MR789/ ). Como se o oceano de dinheiro público e privado que engorda essa máquina infernal de propaganda pudesse ser ocultado dos leitores e já não estivesse bem exposto aos olhos de todos em sites como http://www.activistcash.com . Como se a própria dona Rosiska, desde os tempos em que servia ao mestre manipulador Paulo Fre ire até a época mais recente em que passou a brilhar nos altos círculos do �beautiful people� nacional e internacional, não tivesse feito toda a sua carreira dentro e sob a generosa proteção desse sistema, ignorando portanto candidamente a existência dele e não tendo, pobrezinha, outra maneira de explicar os resultados espetaculares de suas ações globais senão o apelo pueril a uma hipótese mágica. Nunca a realidade foi tão simetricamente invertida, nunca a astúcia sagaz dos manipuladores se camuflou sob tão cândida inocência. Compreendo que Dona Rosiska faça tanto sucesso hoje em dia. Seu discurso é um resumo vivo do modelo brasileiro de honestidade intelectual.
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