Conclusões incontornáveis
Olavo de Carvalho
Intelectualmente, o único sujeito respeitável no presente governo é o ministro Viegas. O fato mesmo de ele ser tradutor de Eric Voegelin -- o pensador político mais importante da segunda metade do século XX, ainda maciçamente ignorado pelo establishment acadêmico tupiniquim -- já o coloca num patamar bem superior ao da média da nossa classe falante e governante. Por isso mesmo, tinha de ser ele o primeiro a reconhecer aquilo que o universo inteiro já sabia, isto é, que as Farc são uma organização terrorista. Espero apenas que S. Excia. não se recuse a tirar dessa obviedade as conseqüências lógicas que dela se seguem inapelavelmente: 1. Como fundador e dirigente máximo do Foro de São Paulo durante uma década inteira, o sr. Luís Inácio Lula da Silva colaborou estreitamente com essa organização colombiana na formulação de uma estratégia continental em que se articulam, numa promiscuidade indecente, partidos legais e pelo menos uma gangue de narcoterroristas e seqüestradores. 2. Se ele o fez inocentemente, nada sabendo das atividades das Farc, do MIR chileno, etc., então decerto ele é o mais presunçoso ignorante que já se instalou num posto de liderança continental, arrogando-se uma autoridade infinitamente superior aos conhecimentos elementares requeridos para exercê-lo. 3. Se, ao contrário, ele sabia com quem estava lidando, então aceitou conscientemente ser cúmplice político -- se não beneficiário sob outros aspectos, como sugeriu o deputado Alberto Fraga -- de uma ou mais organizações criminosas. 4. Qualquer autoridade competente que, sabendo dessas coisas, mude de assunto e escamoteie a obrigação incontornável de investigar e tirar a limpo as ligações PT-Farc, comete crime de prevaricação. Se todas as autoridades competentes preferirem fazer de conta que não viram nada, isto equivalerá a uma confissão geral de que não há neste país mais ordem jurídica nenhuma, de que é tudo uma imensa pantomima e de que o melhor para o cidadão honesto é mudar logo para a Zâmbia, para Serra Leoa, para o Paraguai ou para qualquer outro lugar onde possa esperar encontrar ao menos algum rudimento de seriedade, ordem racional e civilização. Não pensem que, ao dizer isso, eu esteja querendo pressionar o ministro ou colocá-lo em situação constrangedora. Reconheço e louvo abertamente sua coragem de admitir a verdade proibida. Apenas digo que quem reconhece que 1 + 1 = 2 está moralmente obrigado a admitir, em seguida, que 2 + 2 = 4, 3 + 3 = 6, e assim por diante, doa a quem doer. Bem sei -- pois aprendi com a �Teoria do Medalhão� de Machado de Assis e com a obra inteira de Lima Barreto -- que a desconversa, a dissimulação e a hipocrisia entram na composição dos nossos costumes (da nossa �cultura�, no sentido puramente antropológico do termo) em doses maiores do que as encontráveis, talvez, em qualquer outro país do mundo. Sei também que o controle formal ou informal das notícias de modo a favorecer as autoridades federais -- o vício de alternar a censura com a autocensura -- é quase uma cláusula pétrea da nossa organização mental, pelo menos desde os tempos do DIP. Sei ainda que, no Brasil, ser polido, inócuo, anestésico, tranqüilizante, é a suprema virtude do cidadão, mesmo nos momentos em que o exercício dela ameace expor a nação inteira, por indolência, comodismo e medo da verdade, a perigos graves e inúteis. Mas, afinal, senhor ministro, hábitos são apenas hábitos, não deveres. V. Excia. mostrou que não é indiferente ao dever e que tem energia bastante para romper com o hábito. No seu lugar, eu não temeria fazer o resto do serviço. Afinal, o único risco que V. Excia. correrá com isso será o de sair do ministério para entrar na História. Duvido muito que, para um homem da sua estatura, seja uma perda substantiva. |