Truculências
Olavo de Carvalho Nosso embaixador em Havana louva os fuzilamentos de dissidentes como exemplo a ser imitado, o l�der do MST promete "acabar com todos os fazendeiros", e a menor suspeita de que haja nisso alguma indu��o � viol�ncia � condenada como del�rio paran�ico. Em contraposi��o, a TFP faz uma inofensiva passeata em S�o Paulo -- e imediatamente pululam advert�ncias apocal�pticas contra o ressurgimento da "direita truculenta". Truculento, isto sim, � desn�vel entre as abordagens, que trai de imediato a escolha pr�via, o partidarismo louco que n�o quer saber da verdade ou da justi�a, mas apenas de esmagar o advers�rio, seja l� ao pre�o que for. Se a diferen�a do grau de "trucul�ncia" entre as duas organiza��es estivesse apenas nos discursos, ela j� seria grande o bastante para que qualquer tentativa de inverter-lhe as propor��es j� se denunciasse, instantaneamente, como falsifica��o mal�vola. Mas a diferen�a n�o � s� de palavras. � de atos. O MST, al�m de invadir, saquear e incendiar propriedades, j� seq�estrou funcion�rios do governo, matou guardas de fazendas, degolou um cidad�o em plena pra�a p�blica. Nada de long�nquamente parecido consta do "curriculum" da TFP. Por que ent�o ela � que � "truculenta" enquanto o MST � um lindo e respeit�vel "movimento social"? Resposta: o sentido do termo "trucul�ncia" muda conforme o acusado se desloque de um lado para outro no espectro ideol�gico. O grau m�ximo de trucul�ncia n�o consiste em invadir, saquear, aterrorizar e matar. Pode-se fazer tudo isso sem trucul�ncia nenhuma. Pode-se fazer tudo isso com delicadeza, bondade, et�reo idealismo e toneladas de "�tica". Trucul�ncia, mesmo, � ser direitista. Mas onde se publicam aquelas advert�ncias? Em jornalecos de partido? Em panfletos de propaganda? Nada disso. Publicam-se nos grandes jornais, assinadas por articulistas tidos como profissionais s�rios, sem compromisso ideol�gico, devotados t�o somente � pr�tica do melhor jornalismo. Quando Antonio Gramsci dizia que as ordens do Partido revolucion�rio deveriam pairar sobre o universo mental coletivo com a autoridade invis�vel e onipresente "de um imperativo categ�rico, de um mandamento divino", era a isso que ele se referia: a opini�o mais partid�ria que se possa imaginar, a distor��o ideol�gica mais extrema j� n�o poderiam ser identificadas como tais e seriam aceitas como os prot�tipos mesmos do pensamento isento, equilibrado, suprapartid�rio -- a encarna��o pura da voz da raz�o. Na mesma medida, a opini�o adversa, mesmo expressa com serenidade, mesmo apelando � autoridade dos fatos e argumentando da maneira mais racional poss�vel, estaria impugnada a priori como extremismo, fanatismo e -- para c�mulo de ironia -- "preconceito". E � claro que a simples exig�ncia de um confronto honesto seria tomada como criminosa ades�o �s opini�es condenadas -- uma regra que alguns leitores n�o deixar�o de aplicar a este mesmo artigo, fazendo de seu autor um partid�rio da TFP malgrado as reiteradas e in�teis express�es de sua discord�ncia com os princ�pios dessa organiza��o. |