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 A traição dos clérigos 

Olavo de Carvalho
 Época, 4 de março de 2002 



Eles corrompem a Igreja e depois a acusam de corrupta

 

Em agosto de 1944, ap�s anos de ditadura nazista, a Rom�nia foi invadida por 1 milh�o de soldados russos, que impuseram ao pa�s o regime comunista. �Ent�o � observa em suas mem�rias o pastor Richard Wurmbrand � come�ou um pesadelo que fazia o sofrimento da Rom�nia sob o nazismo parecer um nada.�

N�o que os nazistas fossem melhores, � claro: apenas eles tinham a consci�ncia de ser agentes de um governo estrangeiro e por isso limitavam-se a agir no terreno pol�tico-militar, sem interferir muito na cultura do pa�s. J� os comunistas, imbu�dos de �internacionalismo prolet�rio�, empreenderam reform�-la de alto a baixo, a come�ar pela religi�o. Todos os religiosos � ortodoxos, protestantes, judeus, cat�licos � viram-se de repente for�ados a amoldar suas cren�as aos novos dogmas estatais do materialismo dial�tico. Os recalcitrantes iam parar em campos de concentra��o, onde uma segunda op��o lhes era oferecida: oficiar par�dias blasfemat�rias de suas religi�es � com um peda�o de excremento em lugar da h�stia ou palavr�es cabeludos enxertados no texto da Tor� �, ou ent�o ter todos os dentes arrancados a sangue-frio, diante dos fi�is reunidos, amea�ados de puni��o id�ntica ao menor sinal de protesto. Os que se adaptavam passavam a ensinar a religi�o sob novas modalidades. Conta Wurmbrand: �O presidente dos batistas afirmou que St�lin realizara a vontade de Deus, e tamb�m o elogiou como grande professor de assuntos b�blicos. Padres ortodoxos como Patrascoiu e Rosianou foram mais espec�ficos: tornaram-se agentes da pol�cia secreta. Rapp, bispo representante da Igreja Luterana na Rom�nia, come�ou a ensinar no Semin�rio Teol�gico que Deus dera tr�s revela��es: uma por Mois�s, outra atrav�s de Jesus e a terceira atrav�s de St�lin, esta �ltima superando a anterior�.

� f�cil esquecer que St�lin era t�o adorado pela intelectualidade esquerdista mundial quanto depois o foram Mao Ts�-tung, Ho Chi Minh e Fidel Castro, que adotaram m�todos id�nticos ou piores de persuas�o religiosa em seus pa�ses. Por�m mais f�cil ainda � perceber a semelhan�a da religi�o imposta pelos comunistas na Rom�nia com aquela que hoje � ensinada no Brasil pela CNBB, apenas trocando-se o nome de St�lin pelo de seus sucessores mais recentes no pante�o dos queridinhos da esquerda. Outra diferen�a, � claro, reside em que os cl�rigos romenos se submeteram �s novas doutrinas por medo, enquanto os brasileiros o fazem espontaneamente e com indisfar�ado prazer. Tamb�m � fato que n�o arrancam os dentes de seus advers�rios: extraem-lhes apenas os meios de falar em p�blico, de modo que os protestos se tornam cada vez mais raros e qualquer descontentamento fica parecendo coisa de malucos desajustados.

Concomitantemente, quando explode algum esc�ndalo que envolve padres ou freiras em casos de drogas, pedofilia ou qualquer outra coisa perfeitamente su�na, ningu�m na imprensa se lembra de associar o fen�meno ao estado de degrada��o geral implantado na Igreja pelos comunistas e guevar�filos que se apossaram dela. Ao contr�rio: o mal � localizado �na� Igreja, assim de maneira gen�rica e intemporal, enquanto os agentes da corrup��o continuam sendo tratados como pessoas acima de qualquer suspeita. N�o resta pois ao leitor sen�o explicar aqueles pecados eclesi�sticos como males inerentes � tradi��o crist�, e n�o como efeitos de alguma a��o empreendida desde dentro por inimigos da Igreja.

Assim, sem nenhum ataque frontal � religi�o, os jornalistas completam desde fora o trabalho comunista de corros�o interna da f�. Mas por que n�o haveriam de faz�-lo? Afinal, eles tamb�m s�o �cl�rigos�, no sentido amplo que o termo tinha na Idade M�dia e que lhe deu Julien Benda em La Trahison des Clercs: gente que escreve e fala, formadores da opini�o p�blica. E entre eles, tal como no clero stricto sensu, s�o maioria esmagadora os que cr�em que Fidel Castro implantou em Cuba �o reino de Deus na Terra�.