Malícia demais é ingenuidade
Olavo de Carvalho Os l�deres da esquerda brasileira j� ultrapassaram, em mal�cia,hipocrisia e mendacidade, tudo o que se pode tolerar em cidad�os que se pretendam dignos de respeito. Diante de certos casos de homic�dio e seq�estro, puseram-se a trombetear aos quatro ventos que se tratava de crimes pol�ticos �da direita�, embora n�o se conhe�a neste pa�s nenhuma organiza��o direitista armada e embora a pr�pria direita desarmada n�o exista politicamente, estando dilu�da, enfraquecida e inibida ao ponto de n�o ser sequer capaz de se defender verbalmente quando acusada das piores coisas. Uma bela cama-de-gato j� vinha sendo montada no Minist�rio da Justi�a contra a isolada e inerme TFP (Tradi��o, Fam�lia e Propriedade), sob a alega��o grotesca de que os guardas profissionais contratados por alguns fazendeiros, membros dessa entidade, para a prote��o de suas terras contra invasores do MST, eram na verdade guerrilheiros direitistas, prontos para uma investida fatal contra as institui��es democr�ticas. Ao mesmo tempo, os servi�os de intelig�ncia militar, ao manter sob observa��o discreta brasileiros ligados de algum modo � narcoguerrilha colombiana, foram denunciados na imprensa por espionagem ilegal, sem que os denunciantes sequer reparassem que, ao alardear uma coisa dessas, confessavam automaticamente seu pr�prio crime de espionagem ilegal cometido contra as For�as Armadas. Novamente, a tal �direita�, d�bil e amedrontada, preferiu suportar calada a pecha de criminosa atirada em seu rosto por aqueles que no mesmo ato delinq�iam contra ela. Provou, com isto, que nada se lhe pode imputar de criminoso, exceto a criminos�ssima omiss�o dos que se deixam matar por medo de apanhar. Os assassinatos dos prefeitos de Campinas e Santo Andr�, embora n�o envolvessem nem de longe o nome de qualquer direitista conhecido, desconhecido ou inventado, mas s� os de amigos e correligion�rios desses pol�ticos, foram tamb�m, contra toda evid�ncia, explicados como atentados pol�ticos �da direita�. Sob as desculpas mais esfarrapadas e pueris que algum cara-de-pau j� ousou conceber, tudo estava enfim preparado para uma ca�a �s bruxas da inexistente direita armada, quando, repentinamente, a express�o �crime pol�tico� se tornou perigosa para a pr�pria esquerda e foi banida �s pressas do vocabul�rio decente. Ao revelar-se que Maur�cio Hernandez, seq�estrador de Washington Olivetto, era um dos chefes da �Frente Patri�tica Manuel Rodriguez�, bra�o armado do Partido Comunista Chileno, a esquerda nacional em peso, da senadora Helo�sa Helena ao ministro da Justi�a, e incluindo no c�ro o pr�prio seq�estrado, que preferiria perder a vida a dizer uma s� palavra prejudicial ao esquerdismo, se ergueu para proclamar a uma s� voz: �N�o � crime pol�tico! N�o � crime pol�tico!� Propalada como certeza absoluta e aprior�stica, essa assertiva vinha com a finalidade mais que evidente de reprimir como conspira��o direitista qualquer veleidade de investigar mais em detalhe as not�rias liga��es do sr. Hernandez com o QG cubano da revolu��o continental (v. a excelente mat�ria de Cl�udio Camargo na revista �Isto ɔ de 13 de fevereiro, pp. 32-33). Alguns, para dar-lhe mais credibilidade, chegaram a apregoar seu desprezo a um cidad�o que seq�estrava e torturava por dinheiro em vez de faz�-lo, como � pr�prio dos homens de bem, por �dio pol�tico e desejo de poder. Mais torpemente ainda: contrastando com o benef�cio que um dia se concedeu aos seq�estradores de Ab�lio Diniz por exig�ncia un�nime do �beautiful people� esquerdista, a recusa do Minist�rio da Justi�a de extraditar o criminoso � exibida como prova de rigor justiceiro e superior imparcialidade, sem que uma �nica alma falante se lembre de observar que, em 1989, a extradi��o era vantajosa para os acusados, que em seus pa�ses seriam logo postos em liberdade, como de fato o foram, ao passo que o sr. Hernandez, com uma condena��o transitada em julgado no Chile, tem tudo para desejar permanecer no Brasil e certamente agradece, comovido, a afeta��o de intransig�ncia do nosso ministro da Justi�a. Todo o falat�rio esquerdista das �ltimas semanas � t�o obviamente maldoso, t�o obviamente fingido, t�o obviamente posado, que at� eu, que n�o morro de amores pela esquerda, estou surpreso com essas manifesta��es infladas e hipertr�ficas de hipocrisia maquiav�lica. Pois at� a mais refinada mal�cia, quando passa de certos limites, se torna uma forma de ingenuidade patol�gica.
|