Leituras Recomendadas - 13
A sabedoria perene República, seção "Palavra do Diretor", fevereiro de 2000.
NB � A entrevista a que Wagner Carelli se refere está no número de fevereiro da República. Uma transcrição integral será reproduzida nesta homepage dentro de algumas semanas. - O. de C. Olavo de Carvalho é o mais importante pensador brasileiro hoje, o mais -- talvez o único -- original, o mais estimulante, o mais elaborado e ao mesmo tempo mais acessível. Ler sua entrevista ao redator-chefe Reinaldo Azevedo e aos editores Fábio Santos e Michel Laub, nas págs. 60-66, é desfrutar à larga o prazer que se extrai do argumento do espírito, princípio ativo da cultura -- o prazer supremo, segundo Aristóteles. Não por acaso, Olavo é o filósofo brasileiro mais profundamente ligado ao e versado no pensamento de Aristóteles, na interpretação do qual sua obra -- dele, Olavo -- estabelece um ponto de mutação: o entendimento do pensar aristotélico tem um antes e um depois em seu livro Uma Filosofia Aristotélica da Cultura -- Introdução à teoria dos quatro discursos. Fosse Olavo um homem de liderar movimentos ("Não tenho nenhuma pretensão a orientar a política"), de produzir ideologias ("Se o Brasil quiser um ideólogo, que procure outro"), sua entrevista serviria de convocatória ao levante de um pensamento particularmente não-conformista. Particularmente, porque nada do que Olavo propõe é lateral a um determinado pensamento ou deflagra aí uma "problemática", mas emerge como a perfeita acepção do que é pensado e estabelece patamares confiáveis e sucessivos para sua evolução; o que até então se tinha como a corrente central de um certo pensar é que, sob tal extraordinária luz, passa a parecer de uma lateralidade espinhosa. Olavo é um professor, porém, e sua entrevista é uma cartilha. Todo intelectual, nos muito freqüentes e desesperados momentos em que bate a tentação de seus inversos -- o dinheiro, a fama, outro poder que não o de pensar --, deveria levá-la sob o braço e recorrer a sua sábia e irredutível orientação. Olavo abomina o dedo que seus pares mantêm em riste contra tudo e todos ao redor, a assumida vitimização que o intelectual exibe como medalha em que lhe vale o ingresso nos salões dos supostos e constrangidos culpados. Ele diz que faz o que gosta, que ninguém é responsável por suas opções e que, se quisesse ser rico, iria fazer outra coisa: é um pensador que não se ressente de exclusão, de perda de posição, poder ou glória para o universo fulgurante que criou a aliança do dinheiro e da tecnologia. Não se porta como um exilado da prosperidade; nem, amuado, finge esquecer que seu argumento conforma o mundo e precede a ação dos homens -- seria irresponsabilidade e imodéstia, duas atitudes antagônicas à clareza do espírito.
Olavo sabe do caráter divino, demiúrgico, do
argumento do pensador; sabe que enunciá-lo é dar a
conhecer o parecer de Deus. No reconhecimento dessa
condição não vai o pecado da soberba --
só aceitação, e humilde, até; pecado,
aí, é negar-se o dom atribuído, não se
imaginar um instrumento da criação, julgar-se uma
entidade social fortuita e cosmicamente desconectada. Pecado
é subestimar-se, descumprir sua missão, fugir
à tarefa de pensar em um país arredio,
suscetível, temeroso ao pensamento. E se assim deve ser,
Olavo, a quem todos os equívocos são imputados,
é o intelectual sem pecado: generoso com a verdade, feroz
com a redundância do erro e luminoso, brilhante, no indicar
os caminhos da correção e da grandeza. Em sua
hierarquia de valores, ele diz nesta memorável entrevista,
o que vem primeiro é o destino eterno do homem: é
só o que interessa. Só podemos aspirar à
eternidade, ele quer dizer: nada há de menor, de mesquinho,
de finito em nossas vidas -- só o que inventamos para
escapar à perenidade de nossa essência. Somos
eternos. "O resto é conversa mole", diz Olavo, na
paradoxalmente dura e confortadora sabedoria de sua
extraordinária conversa. Se não formos por ele,
não seremos sequer por nós. |
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