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Leituras recomendadas – 78

 

Deformando o eleitor pela fome

Jos� Nivaldo Cordeiro
28 de outubro de 2001

 

O deputado Aluizio Mercadante publicou na Folha de S�o Paulo de hoje (28/10) um artigo em apologia do projeto Fome Zero, documento que est� provocando aceso debate em todo o Brasil. O artigo do deputado � muito bem escrito e �til para a opini�o p�blica, pois a par de colocar as teses e seus pressupostos com clareza meridiana, tem a chancela de ser produzido por uma de maiores e melhores lideran�as pol�ticas e parlamentares do PT, muito ligada ao Lula. Pode-se dizer que todo o Partido fala pela boca de Mercadante.

� tamb�m uma pe�a de propaganda pol�tica e, como tal, o autor usa o nobre espa�o do jornal para a campanha de sua causa. De outra maneira n�o posso entender quando ele afirma que os cr�ticos do projeto "reagiram com virul�ncia � id�ia de colocar a fome no topo da agenda de prioridades do pa�s...". Ora, esse � claramente um argumento ret�rico, pois nem um desinformado � e o deputado est� longe de ser um � afirmaria em s� consci�ncia que algu�m ou algum governante n�o tenha horror � fome e seja insens�vel �s suas seq�elas. � como se o deputado quisesse dar ao PT o monop�lio do tema e a posse das elementos m�gicos para a sua supera��o.

Depois de desfilar as mesmas estat�sticas contidas no documento, e duramente contestadas pelo economista Giambiagi em not�vel artigo publicado no Estad�o de domingo passado, o deputado afirma:

"O problema da fome no Brasil vem de outro lado: � uma quest�o de insufici�ncia de renda, ligada umbilicalmente aos fen�menos de pobreza e desigualdade social que caracterizam nossa sociedade".

Cert�ssimo quanto ao diagn�stico do problema, que est� ligado realmente � insufici�ncia de renda; mas est� completamente equivocado quanto �s causas. Dizer que a insufici�ncia de renda est� ligada aos "fen�menos da pobreza" � uma tautologia. Dizer que a raiz est� nas desigualdades � demasiado gen�rico. O eco socialista da proposta pol�tica do PT e de Mercadante ressoa aqui com toda a for�a.

Pobreza �, por defini��o, insufici�ncia de renda. A quest�o � saber porque esta � assim, encontra-se nesse n�vel. Aqui h� um abismo a separar aqueles que defendem o livre mercado daqueles que defendem o estatismo e o socialismo. Para os primeiros, � o excesso de Estado, traduzido pela supertributa��o, pela regulamenta��o exorbitante, pelo uso pol�tico do Estado a tolher a livre iniciativa, ficando esta assim incapaz de realizar a sua miss�o, de produzir o m�ximo produto com pleno emprego. Defendem que s� a livre iniciativa e o esfor�o pessoal de cada um � capaz de superar a pobreza e as desigualdades. J� os segundos afirmam exatamente o contr�rio: que falta mais a��o do Estado, que � preciso o ativismo pol�tico para a supera��o da pobreza, que os cidad�os s�o v�timas do processo social, que a desigualdade � produzida arbitrariamente. � claro que essa segunda vis�o, na minha modesta perspectiva, � um pleno equivoco: sem uma clara separa��o entre poder pol�tico e poder econ�mico, caminha-se inexoravelmente para uma estrutura de Estado totalit�rio, que destruir� a democracia e, pior, n�o resolver� em absoluto os problemas cr�nicos provodados pela insufici�ncia de renda. O exemplo dos pa�ses socialistas que praticaram essas teses no limite � demasiado eloq�ente para exemplificar o que quero dizer. Cuba, bem pr�xima de n�s, rasteja numa mis�ria abjeta desde que destruiu a livre iniciativa.

A afirma��o seguinte do deputado � um corol�rio da anterior: "Ao contr�rio, a pobreza � resultado de um padr�o de organiza��o social da produ��o e de acumula��o de capital de car�ter dependente e excludente, cuja din�mica conduziu historicamente � conforma��o de uma ordem social injusta, marcada pela concentra��o de riqueza, da renda, do poder pol�tico e dos direitos do cidad�o em m�os de uma elite carente de um projeto consistente de na��o e autocentrada na defesa e amplia��o de seus privil�gios".

De novo um argumento ret�rico sem fundamento na realidade dos fatos. Se a elite econ�mica tivesse o poder que lhe � atribu�do, a carga tribut�ria n�o teria superado um ter�o do PIB, a inger�ncia regulat�ria na vida econ�mica n�o estaria no limite do estado policial e o l�der do PT n�o estaria como o principal nome colocado para a sucess�o de 2002. Os fatos contradizem frontalmente a arenga de Mercadante. E dependente e excludente s�o meros voc�bulos vazios, palavras-de-ordem repetidas pelas bases petistas completamente despovidas de conte�do, uma litania como que repetida para esconjurar dem�nios do imagin�rio socialista.

"Da� o car�ter falacioso e ineficiente das pol�ticas compensat�rias e focalizadas difundidas pelo Banco Mundial e assumida pelo governo. Sem a ruptura desse padr�o de acumula��o de capital e riqueza � que em sua forma atual se multiplica e amplifica os processos de concentra��o econ�mica e de exclus�o social, desconst�i a na��o e potencializa os mecanismos de depend�ncia e de transfer�ncia de recursos para o exterior � e sem a transforma��o pol�tica que permita aprofundar e radicalizar a democracia em nosso pa�s, n�o h� nenhuma solu��o efetiva dos problemas da pobreza e da fome". Para quem, como eu, leu em detalhes o Programa Econ�mico do PT, a senten�a � muito clara. O que o deputado prop�e � a altera��o na ordem da propriedade privada, � a calote na d�vida p�blica interna e externa, � a democracia direta em substitui��o aos Poderes Legislativo e Judici�rio, � a expropria��o do capital estrangeiro aqui investido, que gera renda, empregos e internaliza novos e avan�ados processos tecnol�gicos. E tamb�m o abandono da pol�tica de estabilidade da moeda, o isolamento do com�rcio internacional, a persegui��o daqueles considerados "ricos", especialmente via pol�tica tribut�ria. � claro que o Brasil, a se implantar um governo com essa plataforma, caminharia rapidamente para o caos e talvez coisa pior. A fome, nesse contexto, seria gigantesca, reproduzir�amos aqui o que hoje h� no Afeganist�o.

O deputado afirma que "o direito � alimenta��o � inerente � condi��o humana e deve ser independente do n�vel de renda de cada indiv�duo". Ningu�m discorda do direito, mas nunca � demais lembrar dos deveres. Cada um deve trabalhar para buscar o seu sustento e n�o esperar das migalhas do Estado e de sua burocracia, que s� infantiliza o cidad�o, s� deforma o eleitor para eleger aqueles que realizar�o exatamente o oposto do que prometem, uma vez chegados ao poder. Implantar as porpostas de Mercadante seria a volta da fome como flagelo permanente, a igualdade decretada pela mis�ria end�mica.