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Leituras Recomendadas - 7

 

Compreenda o Timor Leste
por Mendo Castro Henriques

 

O governo portugu�s abandonou Timor em 1975. A conjuntura da �poca � hoje mais clara. As For�as Armadas foram para Timor para promover os 3 D's — descoloniza��o, democracia, desenvolvimento — mas tingidas pelas cartilha marxista. O governador enviado, e primeira figura militar, era o ent�o Coronel Lemos Pires, prometedor oficial de estado maior com uma miss�o talvez imposs�vel. Na sua equipe contava-se o depois vice-ministro comunista dos governos provis�rios vermelhos, o Tenente-Coronel Arn�o Metelo.

Nascem em Timor-Leste partidos pol�ticos, alguns dos quais advogam a integra��o na Indon�sia. As diverg�ncias degeneram em confrontos armados. Entretanto, as For�as Armadas portuguesas entregaram armas de guerra modernas e muni��es � resist�ncia timorense, ent�o FRETILIN, hoje FALINTIL, onde Xanana Gusm�o era um membro apagado do comit� central. Tentaram substituir a lideran�a dos liurais, chefes tradicionais, por l�deres eleitos "democraticamente". Uma grande parcela de timorenses mais tradicionais se revoltou contra os marxistas com o apoio dos movimentos UDT e APODETI, sendo algumas das armas fornecidas pela pol�cia portuguesa do Capit�o Maggioli, anti-comunista.

Cumprida o que era sua miss�o de deixar cair o poder na rua para que a FRETILIN dele se apoderasse, os militares portugueses evacuaram dia 26 de Agosto de 1975 para a ilha de Ata�ro e depois para Portugal. N�o foi bonito. Timor est� a 11 horas de fuso hor�rio de Lisboa, e na realidade est� t�o longe de todos e t�o perto da Indon�sia...

A guerra civil alastra por todo o territ�rio e enquanto se multiplicam as amea�as de interven��o indon�sia, a Fretilin, liderada por Nicolau Lobato, expulsa de D�li os movimentos rivais da Uni�o Democr�tica Timorense e Apodeti e proclama unilateralmente a Rep�blica Democr�tica de Timor-Leste, em 28 de Novembro de 1975, tendo como Presidente Francisco Xavier do Amaral.

Havia indica��es t�nues dos servi�os militares de que Indon�sia interviria mas n�o foram levadas a s�rio no plano portugu�s. Especula-se hoje se o PC da URSS e o PC portugu�s de ent�o contariam com o Vietnam para cumprir o papel de cubanos da �sia. Em 25 Abril de 1975 os vietnamitas entravam em Saig�o e poderiam fazer novos focos revolucion�rios na �sia, como os cubanos na Eti�pia e em Angola. Era a idade de ouro do expansionismo sovi�tico.

Sucedeu ent�o uma santa alian�a anti-comunista de EUA, Austr�lia e Indon�sia. O General Suharto que liquidara 500.000-600.000 indon�sios comunistas pr�-Sukarno, aquando da sua tomada de poder, n�o iria permitir um mini-comunismo � sua porta. Aten��o, o ex�rcito indon�sio � um ex�rcito de guerra civil. Nunca defrontou outra na��o. Suharto mandou invadir o pequeno territ�rio de Timor-leste. Em 7 de Dezembro de 1975 Tropas indon�sias desembarcam em D�li e, nos dias seguintes, atravessam a fronteira e ocupam todo o territ�rio. Ignorando resolu��es da ONU e tornou-o depois a "27� prov�ncia indon�sia". At� ver. A Austr�lia foi o primeiro e �nico pa�s a reconhecer a anexa��o. Sabia-se j� do Petr�leo de Timor Gap que alguns comparam ao de Cabinda pelas suas ricas propriedades que o tornam importante para distilar combust�vel de avia��o. Em 1989, a Austr�lia e a Indon�sia assinam um acordo para explora��o do petr�leo no mar de Timor. Henri Kissinger, sempre pr�digo em vacinas sangrentas preventivas nos outros, considerou que cinco semanas bastariam para resolver o assunto, segundo documentos publicados em The Nation.

Seguiu-se um longo massacre de timorenses. Nos anos seguintes, estima-se que morrem dezenas de milhares em resultado de uma pol�tica de genoc�dio e assimila��o for�ada. A popula��o fugiu para as montanhas, fora das �reas urbanas. Mas como � dif�cil assegurar a sobreviv�ncia no mato — situa��o repetida agora em 1999 — a popula��o bombardeada, esfomeada, v�tima de doen�as foi morrendo. Foram criados campos de concentra��o (como em 1999) para os que regressavam, atingindo o n�mero de 200.000 pessoas como ent�o admitiu Holbrooke, secret�rio de Estado americano.

Portugal apresentou protestos na ONU, ent�o �rg�o terceiro-mundista, e conseguiu que fossem votadas resolu��es que mantinham Timor como territ�rio sob a administra��o portuguesa in absentia. Era uma consola��o moral e uma vit�ria do direito internacional que de pouco aproveitou aos timorenses. Mas em torno dela cristalizou uma verdadeira uni�o sagrada portuguesa, da extrema direita à extrema esquerda, dos ex-colonialistas aos neo-libertacionistas que viam talvez no povo sofredor de Timor o avatar de todos os injusti�ados que eles sentiam presentes no fim do �ltimo imp�rio colonial (europeu) o portugu�s. Timor passou a fazer parte do inconsciente portugu�s e � de justi�a que foi Duarte de Bragan�a, uma das primeiras personalidades p�blicas a real�ar o caso.

Depois, sucedeu o inesperado. A Fretilin aguentou-se. Como os irlandeses do Norte desde Bloody Sunday. Com poucos homens mas esmagador apoio da popula��o � poss�vel fazer sobreviver uma guerrilha mesmo que insignificante militarmente como a Fretilin. Os l�deres morreram, nasceram outros l�deres. Xanana (Jos� Alexandre) Gusm�o afirmou-se a partir de 1979, come�ando a percorrer o territ�rio com um mini-grupo de 50 homens, procurando agrupar outras for�as e iniciando a guerrilha contra o ocupante indon�sio. A 10 de Junho de 1980 estavam em condi��es de atacar posi��es militares em Dili. Em resposta, o ex�rcito indon�sio volta ao ataque. O resultado � um empate. Em 1981 Xanana � eleito l�der da Resist�ncia timorense, culminando um processo de reagrupamento de for�as. Em 1983 os indon�sios pedem conversa��es. O coronel Purwanto dialoga com Xanana em Mar�o de 1983, e este exige a auto-determina��o. O comandante indon�sio e substitu�do pelo general Murdani que promete liquidar a resist�ncia timorense at� 5 de Outubro, dia das for�as armadas indon�sias, ou ABRI. A Indon�sia inicia a pol�tica de "transmigra��o", instalando em Timor-Leste habitantes de outras ilhas.

A luta continua mesmo sem apoios do exterior. Os timorenses s�o povos guerreiros e as armas capturadas ao inimigo s�o o m�nimo suficiente. Em 1987, as Falintil s�o despartidarizadas e no ano seguinte � criado o Conselho Nacional da Resist�ncia Maubere. M�rio Carrascal�o, nomeado governador pelos indonesios pratica uma politica do prato de lentilhas e de melhoramentos materiais. Solicita a entrada de capitais indon�sios para cria��o de emprego para os jovens timorenses. A press�o internacional abre o territ�rio aos compagnons de route do capital: alguns turistas e jornalistas, nem todos pr�-indon�sios. Os timorenses aproveitam as oportunidades para fazer reivindica��es. A visita do papa Jo�o Paulo II a Dili em Outubro de 89 e a do embaixador americano a JAcarta em Janeiro de 90 e do N�ncio Apost�lico em Setembro do mesmo ano ocasionam manifesta��es pela independ�ncia que s�o duramente reprimidas. O dilema das autoridades � muito claro; ou reprimem os timorenses e se isolam ou ent�o reprimem toda a popula��o que vem para rua.

Em 12 de Novembro de 1991 o massacre do cemit�rio de Santa Cruz, em D�li, em que as tropas indon�sias assassinam centenas de timorenses, � testemunhado por jornalistas estrangeiros. O mundo viu pela CNN as imagens daquele massacre e pela primeira vez em vinte anos a causa da independ�ncia de Timor e a den�ncia do genoc�dio contra o povo de Timor-Leste tornou-se global. Xanana reitera o que sempre disseram todos os patriotas "Conv�m n�o esquecer a raz�o de ser profunda de cada povo: o orgulho de ser ele pr�prio". Em Novembro de 1992, Xanana � capturado, em D�li, por tropas indon�sias. Julgado em Maio do ano seguinte, � condenado a pris�o perp�tua. O Presidente Suharto reduz a pena para 20 anos de pris�o, em Djakarta. A guerrilha nas montanhas continuou. Os timorenses nunca comeram o prato de lentilhas que os indon�sios lhes davam. E passaram sete anos.

Entretanto, sucedera muita coisa. O muro de Berlim ca�ra. A alian�a EUA-Indon�sia Austr�lia era redundante e a insatisfa��o sofreu uma acelera��o r�pida. A Igreja cat�lica continuou a fazer press�o pela emancipa��o dos timorenses. Em 10 de Dezembro de 1996, o bispo Ximenes Belo e Jos� Ramos-Horta recebem, em Oslo, o Pr�mio Nobel da Paz; foi uma poderosa chamada de aten��o do mundo para a viola��o dos direitos humanos em Timor-Leste. Ao longo de 1997, a comiss�o de Direitos Humanos da ONU aprova uma resolu��o condenando Jacarta, com algum peso para Nelson Mandela. O dinheiro governamental portugu�s nunca faltou � resist�ncia timorense. Mas nada mudara na frente interna indon�sia. A Indon�sia refor�ava o seu dispositivo militar em Timor-Leste. Uma minha antiga aluna timorense disse-me uma vez "Que se pode esperar de um pa�s em que a palavra 'liberdade' se diz merdeka"?

Os argumentos morais apenas calaram fundo quando, em termos s�rios para os senhores deste mundo, a Indon�sia foi gravemente atingida a crise dos mercados asi�ticos. Era uma crise de h� muito antecipada por vozes como a da Transpar�ncia Internacional que alertavam que a corrup��o desequilibrava o crescimento dos tigres asi�ticos. Caiu a confian�a dos mercados e das entidades financeiras multinacionais. Em Maio de 1998, Suharto � for�ado a demitir-se depois de meses de revolta popular ateada pela profunda crise econ�mica. O novo Presidente indon�sio, Iussuf Habibie, lan�a reformas democr�ticas. Em Janeiro de 1999, Portugal e a Indon�sia abrem sec��es de interesses nas duas capitais. Em 5 de Maio, os ministros dos neg�cios estrangeiros de Portugal e da Indon�sia e o secret�rio-geral da ONU assinam um acordo para a realiza��o de um referendo de autodetermina��o em Timor-Leste, sob a �gide das Na��es Unidas.

� um ponto misterioso sobre o qual ainda falta informa��o. Por que raz�o o presidente Habibi decidiu-se pela abertura democr�tica em Timor ? Habibi era um seguidor de Suharto que era um general de Sukarno. E est� por decidir-se o que os generais de Habibi, como Wiranto, far�o do actual presidente. Mas o certo � que Habibi permitiu a realiza��o de um referendo com observadores da ONU enquanto o ex�rcito de ocupa��o indon�sio permitia e acalentava uma onda de terrorismo desencadeado pelas mil�cias pr�-indon�sias. Formam-se mil�cias armadas — AITARAK — em parte com elementos do ex�rcito de ocupa��o, em parte com outros indon�sios, em parte com etnias da fronteira com Timor indon�sio que amea�am massacrar e destruir.

A 30 de Agosto de 1999 — 98,6% dos recenseados votam no referendo de autodetermina��o. O resultado, anunciado �s 9h (hora de D�li) de 4 de Setembro, � uma esmagadora vit�ria da independ�ncia, com 78,5% dos votos. O pequeno povo timorense uma vez mais surpreendeu o mundo. Os indon�sios tamb�m. As mil�cias e o ex�rcito indon�sio lan�am imediatamente uma campanha de assass�nios, deporta��es em massa, pilhagens e inc�ndios, for�ando a popula��o a refugiar-se nas montanhas e obrigando a ONU a deixar D�li. Desconhecemos n�meros e esse invent�rio e come�a a ser feito.

Rompeu-se ent�o a m�scara da alian�a EUA Austr�lia Indon�sia. A Austr�lia — que vai ser uma rep�blica em 2000 e est� em Timor a liderar a INTERFET, a for�a multinacional — cumpre a sua primeira miss�o de poder emergente no Pac�fico e regulador pr�-americano dos conflitos regionais. O seu protagonismo f�-la intervir maci�amente em Timor e inverter 180� a sua pol�tica externa para com a Indon�sia. Os Eua est�o por detr�s a apoiar. A Fran�a est� por causa da Nova Caled�nia. A Indon�sia tem que salvar a face e Timor � apenas uma pequena dor de cabe�a para os 270 milh�es de ilh�us, mu�ulmanos e crist�os. Tudo isto � previs�vel.

O que pode continuar a surpreender � o pequeno povo timorense. Ele tem um papel hist�rico a cumprir: o de demonstrar que os bens se come�am a conquistar pela for�a dos valores morais antes do poder desordenado. Creio decisivo para Timor ser um povo lus�fono, de falar e sentir o portugu�s que o projecta numa �rea cultural global e que o abre para al�m das suas perten�as regionais imediatas; como � decisivo a perten�a crist� que o projecta numa �rea que cria por vezes expectativas que n�o se podem cumprir. Por tudo isto, � vi�vel a independ�ncia de Timor dentro das suas perten�as lus�fonas long�nquas e pac�ficas pr�ximas. Miticamente, creio que se trata de um pequeno povo corajoso que n�o comeu o prato de lentilhas que lhe ofereceram e, como Jacob, emerge vitorioso das suas terr�veis prova��es.

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