Leituras recomendadas - 47
Minha volta ao segundo grau Marcello Alves da Silva
Esta hist�ria n�o reflete uma experi�ncia singular, mas a experi�ncia t�pica e geral a que se exp�e quem quer que se atreva, num ato de suma imprud�ncia, a inscrever-se em qualquer tipo de escola, de qualquer n�vel, oficial ou privada, no pa�s dos Bruzundangas. Tenho recebido dezenas de depoimentos similares, sem autoriza��o para public�-los, pois seus remetentes s�o estudantes que, com raz�o, temem repres�lias de seus professores. Mas pe�o encarecidamente que as pessoas que passaram (ou que viram seus filhos passarem) por experi�ncias semelhantes enviem narrativas detalhadas para esta homepage. A ocupa��o das c�tedras por militantes e propagandistas analfabetos, brutais, grosseiros e arrogantes, dispostos a sacrificar o futuro de seus alunos �s ambi��es de poder do seu partido, � o maior crime que j� se praticou contra a cultura neste pa�s. N�o podemos deter no ar a m�o criminosa antes que o crime seja consumado. Mas podemos ao menos impedir que ele se consume nas trevas, a salvo dos olhares do p�blico. - O. de C.
No ano passado, 2000, aos 32 anos, resolvi tentar o meu segundo vestibular, pra psicologia, na Universidade Federal do Esp�rito Santo. Me inscrevi em mar�o num cursinho do Col�gio Americano Batista de Vit�ria, que fica a duas ruas de onde eu moro, na Praia do Canto, em Vit�ria. Curso noturno, meus colegas de classe eram em sua maioria estudantes do �ltimo ano do CEFET, a antiga Escola T�cnica Federal, que cumprem uma dupla jornada estudantil, pra tentar entrar na universidade sem ter que ficar mais um ano s� fazendo cursinho. O resto da turma composto por muitos jovens trabalhadores, comerci�rios, vindos do batente, ainda com os uniformes. Alguns quarent�es; e eu, trint�o. Cursinho pr�-vestibular � aquela coisa: muita informa��o, alguns professores talentosos, outros nem tanto. De modo geral os professores de matem�tica e f�sica melhores que os outros. Uma professora de literatura que ridicularizava quase todos os autores pra poder ganhar as risadas e a aten��o dos alunos, ainda deplorou "a tortura que a inquisi��o infligiu a Galileu Galilei"; um professor de geografia que achava que os russos s� sa�ram da Iugosl�via com a derrocada do comunismo em 1989, um professor de biologia que ridicularizava a teoria da evolu��o; um professor de hist�ria (substituto) que achava que capitalismo e roubo n�o t�m diferen�a e que o comunismo vai ressugir triunfante, bl�-bl�-bl�. Muitas piadas de gosto duvidoso sobre sexo e pol�tica, pra poder chamar a aten��o dos alunos, a maioria, como j� disse, de adolescentes, preocupados com esses assuntos daquela maneira confusa dos adolescentes. Agora... o que fez valer a pena escrever este texto foi a personagem que dava aula de hist�ria geral. Desde o come�o do ano fui obrigado a saber da simpatia que ela tinha pelo PT ("� o melhor partido", dizia), que ela fazia mestrado em Cuba, Fidel Castro era uma esp�cie de santo, ops!, desculpem, no comunismo n�o tem esse neg�cio de santo. Apesar disto continuar, prometi a mim mesmo que ia permanecer o mais an�nimo poss�vel na sala de aula, e ignorar essas coisas, mas fui obrigado a mudar de atitude. Passamos pela pr�-hist�ria e boa parte da antig�idade com a rapidez de praxe, j� que o vestibular n�o costuma cobrar muito esses assuntos. L� pela hist�ria da Gr�cia Antiga, a professora falou algumas besteiras que me fizeram ligar o alerta. Como "Alexandre na juventude saiu da Maced�nia pra tomar aulas com Arist�teles, que lhe ensinou a arte militar." Assim. At� que chegamos � hist�ria de Roma e eu a ouvi dizer que a cidade havia sido fundada pelos descendentes de En�ias. N�o, n�o a origem lend�ria. Ela sabia que a origem lend�ria dizia respeito � hist�ria de R�mulo e Remo. Ela falava dos reais fundadores de Roma. Em completo espanto eu pensei em intervir na aula para lembr�-la de que En�ias � um personagem m�tico-liter�rio, filho da deusa V�nus, cuja lenda foi aproveitada por Virg�lio, escritor romano de pouco antes da era Crist�. Ou seja, nunca existiu, a n�o ser na imagina��o da humanidade. N�o intervim, achando que talvez fosse um lapso que pode ocorrer a qualquer pessoa que tenha a quantidade de coisas que professores de pr�-vestibular t�m a ensinar. Me omiti, apesar de achar extremamente grave o fato de uma professora de hist�ria n�o saber explicar a funda��o de Roma. Pior: confundir um personagem mitol�gico com um ser humano real, o que � equivalente a um professor de matem�tica que por um lapso errasse o Teorema de Pit�goras; ou a um professor de Geografia que se esquecesse de que a Espanha � na Europa. Isso n�o parou por a�. Comecei a alertar os coleguinhas com quem eu j� tinha feito amizade sobre os erros da mestra, que foram se avolumando. Decidi anotar alguns: A professora afirmou que durante a Idade M�dia a igreja construiu imensos labirintos onde as obras cl�ssicas eram escondidas das popula��es dos feudos, assim impedidos de ter acesso � informa��o (f�cil lembrar em que filme de Hollywood ela viu essa situa��o, que tomou como real). Ainda segundo a professora, respondendo � pergunta de um aluno, durante o Renascimento, os artistas vinham de todas as classes sociais, "sabe como � artista: tem vontade de fazer arte e vai l� fazer uma obra" - imposs�vel reproduzir o estilo, mas a ess�ncia foi essa a�. Consulte-se uma enciclop�dia qualquer sobre arte no Renascimento e poderemos ver quantos burgueses optaram pela "carreira" de artistas naquele per�odo. E se isso ocorreu, se era a regra ou a exce��o. Pode-se argumentar que tais informa��es n�o s�o importantes para quem vai fazer vestibular (sim, eu ouvi algu�m dizerem isso), mas se para os alunos n�o importa saber ou n�o ter esse tipo de informa��o com tal profundidade, � imperdo�vel que algu�m que tenha feito um curso superior e se intitule professor de hist�ria afirme essas idiotices. Outras da professora Silvana: "Etruscos queriam invadir pen�nsula It�lica." Como, se eles j� estavam l�? Queriam invadir e dominar TODA a Pen�nsula It�lica, talvez? Talvez tenha sido somente um problema de se expressar corretamente em Portugu�s. "A igreja Cat�lica, no come�o, era legal, porque condenava o lucro." Depois deixou de ser "legal"? O Col�gio Americano Batista lucra com a educa��o dos seus estudantes? Talvez este col�gio n�o seja t�o "legal" assim. "A igreja cat�lica podia ter impedido a ascens�o de Hitler. E at� pediu perd�o, recentemente, por isso." Esta afirma��o, repetida n�o uma, mas algumas vezes em sala de aula, cont�m n�o um erro hist�rico, mas um erro crasso de l�gica. A Igreja Cat�lica admitiu, h� pouco tempo, ter feito pouco pela quest�o dos judeus durante a ditadura nazista. Uma vez que a Igreja tivesse agido de maneira diferente, a hist�ria poderia ter sido outra, mas ningu�m racional pode afirmar que assim poderia se ter impedido a subida desse tirano ao poder. Uma infinidade de coisas poderia acontecer, mas que nunca saberemos, porque j� aconteceu, n�o � mesmo? Condenar a Igreja Cat�lica por um resultado hipot�tico de uma ina��o sua � rid�culo. "A Igreja Cat�lica foi a principal respons�vel por n�o educar as pessoas na Idade M�dia". Ignorando as dificuldades, falta de condi��es e o funcionamento da sociedade existente na Idade M�dia, a senhora Silvana elegeu a sua favorita para ser a principal. Come�ado o segundo semestre, a referida senhora, depois de j� haver proferido estas e mais uma d�zia e meia de sandices deu de explicar os m�todos que ela achava leg�timos para ser bem sucedido numa greve. Para ilustrar seus m�todos, ela imaginou uma greve hipot�tica de professores. Um "fura-greve" desta situa��o imagin�ria deveria ter um tratamento especial. Segundo ela, deve-se jogar barro na sala de aula, sujando paredes, carteiras, quadros negros; deve-se jogar creolina no ch�o para tornar imposs�vel assistir aula do professor "fura-greve" hipot�tico, deve-se jogar tinta nas caixas d'�gua da nossa escola hipot�tica, para que as pessoas ali n�o tenham �gua para beber. Todos esses, segundo ela, recursos v�lidos para que se obrigue uma pessoa a fazer o que ela n�o quer. Agora, a p�rola final: todas as coisas descritas acima, devem ser feitas "sem viol�ncia", segundo a mestra. Perguntei como era poss�vel que ela n�o considerasse os atos que havia descrito como n�o sendo tamb�m viol�ncia. "N�o", disse ela, "n�o � viol�ncia." Dona de verdades hist�ricas que s� ela conhece, de uma �tica toda pr�pria e agora dona da l�ngua portuguesa e da defini��o da palavra "viol�ncia", percebi que era in�til argumentar com tal monstro. Silenciosamente, sem procurar afront�-la na sala de aula, procurei nos dias seguintes o coordenador do pr�-vestibular para lhe expor o que estava acontecendo e pedir que tomasse provid�ncias: afinal, eu estava pagando para ter um ensino com um m�nimo de qualidade, e aquilo havia passado dos limites. O professor Rog�rio, ent�o a cargo do pr�-vestibular, anotou as quest�es que foram por mim lembradas no momento e prometeu fazer algo a respeito. Magn�fico profissional, interessado na qualidade do servi�o que oferece, ele simplesmente entregou a mesma folha em que anotou as minhas reclama��es � tal Silvana. N�o se lembrou de chec�-las por si mesmo. Ali�s, nem ficou espantado quando eu as listei, logo ele que me disse ser professor de hist�ria tamb�m. Qual n�o foi a minha surpresa, quando diante da classe, com o papel surrado com as anota��es do professor Rog�rio na m�o, reafirmou como correto tudo o que havia dito, mostrando que nem mesmo se deu ao trabalho de abrir a apostila do pr�prio Col�gio Americano Batista, onde se poderia ver claramente alguns dos seus erros. Ainda afirmou que "a sua aula n�o era para debate". Como � �bvio, n�o � quest�o de debater. Todos n�s j� tivemos professores ruins. Todos j� tivemos professores que n�o ensinam direito. Mas pela primeira vez na vida eu estive numa sala onde um professor ensina coisa errada. N�o estou acostumado com tal tipo de aberra��o, perdi a calma, me levantei, "Voc� � um engodo"!, disse, que ela "estava enganando as pessoas ali presentes, que ela n�o sabia nada de hist�ria", e que j� que a aula dela n�o era para debate, eu a estaria esperando no corredor, quando acabasse a aula para explicar a ela e a quem quisesse os absurdos que ela havia cometido. Nesta noite apenas dois alunos foram me procurar para saber afinal de contas do que eu estava falando. Ao final da sua aula, ela foi por mim convidada para um debate, obviamente recusado, j� que esse tipo de confronto, imagino, poderia desmascarar a sua evidente incompet�ncia que, compreensivelmente, ela deve querer proteger. A partir desse dia, para evitar constrangimentos aos meus colegas, n�o freq�entei as aulas de hist�ria geral, que pensei atrapalhavam mais do que ajudavam a quem a ouvia. Mesmo assim, muitos colegas vieram me procurar a respeito de algumas quest�es que a tal senhora havia "ensinado". A todos eu recomendava que fossem conferir as informa��es duvidosas em livros, ou na apostila, que n�o dependessem de mim para lhes esclarecer, por que toda a situa��o me havia tornado suspeito para opinar sobre a mat�ria dada por aquela criatura. A surpresa, desta vez, foi dos que seguiram meu conselho. Deixei que se passassem algumas semanas, conversei com muitas pessoas sobre o ocorrido para que a cabe�a esfriasse e eu pudesse pensar em algo de racional a fazer. Talvez eu pudesse estar errado, talvez tivesse exagerado. Mas n�o era o que diziam os livros e a minha consci�ncia. T�o surpreendente quanto a exist�ncia de uma professora como essa foi a rea��o dos alunos meus colegas. Na noite em que eu perdi a calma e sa� da sua aula, quase todos ficaram calados. Um coleguinha at� me disse pra sair mesmo, que a porta da rua era serventia da casa, essas coisas. Outro, que havia faltado � aula nesse dia me procurou pra perguntar o que eu havia feito, o que � que eu havia questionado. "Como � que voc� sabe isso?" "Do mesmo jeito que voc� deveria saber", respondi. "Lendo. A apostila j� serve." Voltei a procurar o coordenador do Pr�-Vestibular, o professor Rog�rio. Afinal de contas, eu havia apresentado fatos concretos, e nada havia acontecido. Ele me pediu para que novamente relatasse as minhas queixas, e me passou o seu endere�o de correio eletr�nico, [email protected], para que eu pudesse faz�-lo. Apesar da confirma��o do e-mail ter sido recebido, segundo o meu provedor, n�o obtive resposta nem nada aconteceu. Escrevi novo e-mail perguntando pelo primeiro; nada, nenhuma resposta, apesar de ter recebido confirma��o de recebimento tamb�m do segundo. Como tenho mais o que fazer do que ficar resolvendo esse tipo de problema, fui me dedicar � primeira prova do vestibular. O professor Rog�rio, grande profissional, apesar da gravidade do que apresentei, n�o se mostrou muito curioso e tamb�m n�o me procurou para esclarecer o assunto, que como disse dessa segunda vez, se aproximava de artigos do c�digo penal brasileiro. Novamente, nada aconteceu. Passei na primeira etapa do vestibular. Para a segunda etapa escalaram um outro professor para a nossa turma. Na semana anterior �s provas da segunda etapa eu vi que essa criatura estava escalada para nos dar aula novamente. O que me motivou a procurar uma terceira vez a coordenadoria do Pr�-vestibular, com um relato escrito do que havia acontecido at� ent�o, que muitas partes estou aproveitando aqui neste texto e esperando que algu�m fizesse alguma coisa. Desta vez quem me atendeu foi a senhora Leni, que ocupava provisoriamente pelo que entendi o cargo que era ent�o do professor Rog�rio. Dona Leni leu o meu relato na minha presen�a, e prometeu encaminhar o caso ao senhor Ibrahim, diretor pedag�gico do Col�gio Americano Batista. Mas ent�o j� era a �ltima semana do vestibular, os hor�rios dos professores j� estavam definidos, e tudo o que ela poderia me oferecer era um convite para assistir �s aulas de Hist�ria Geral em outra turma, com outro professor, em outro hor�rio. Deixei pra l�, agradecido por ser ao menos ouvido e pela esperan�a de que o alguma coisa fosse feita. O ano letivo acabou, e eu nunca mais ouvi falar destas pessoas. O Col�gio Americano jamais me procurou, e a tal professora, a julgar pela publicidade do col�gio, continua l� a "ensinar". *** Minhas opini�es sobre o assunto, se � que elas interessam: Na minha opini�o, um professor que ensina mat�ria errada para os alunos � um estelionat�rio, um vigarista educacional. � pior que um ladr�o, um bandido. Esse pelo menos a gente tem certeza que t� agindo mal. Quando se contrata um professor, acredita-se que ele saiba do que est� falando. Quem n�o tem outras fontes de informa��o n�o pode nem se defender do mal causado por um mau professor. Na minha opini�o, apesar de meu pensamento ser radicalmente oposto, � perfeitamente normal que uma pessoa acredite e at� mesmo, v� l�, que ensine que a viol�ncia � um meio leg�timo de obrigar as pessoas a aderirem a id�ias que n�o s�o as suas. Mas esses m�todos n�o est�o no programa de nenhum vestibular, e quero crer que o Col�gio Americano n�o endosse a posi��o da professora a esse respeito. Portanto talvez fosse melhor que ela ensinasse tais conceitos em outro espa�o, para pessoas que soubessem que v�o ouvir esse tipo de coisa desde o come�o do ano lendo o programa da disciplina. Talvez ela devesse abrir seu pr�prio curso. Quando vi uma monstruosidade dessas sendo cometida na minha frente, e podendo fazer alguma coisa a respeito, acreditei ser meu dever moral tomar uma provid�ncia e eu o fiz da �nica maneira que me parece razo�vel. Questionei a dire��o do Col�gio sobre o assunto e para tornar ainda mais p�blico aquilo que as pessoas na nossa sala de aula presenciaram. Isso n�o deveria ser nenhum problema, afinal, se a senhora em quest�o ensina essas id�ias em sala de aula, n�o deve temer que elas sejam conhecidas fora de l�. O ideal seria que esta senhora se pronunciasse sobre o ocorrido, que lhe fosse dada ampla oportunidade de defender sua posi��o, e ela, caso isto aceite e que a mim parece razo�vel e justo, vai precisar mesmo de um bom tempo para explicar a situa��o constrangedora em que ela pr�pria se p�s: Se reafirmar os erros apontados por mim ao col�gio, mostra que � incompetente. Se negar o que disse em sala de aula, n�o s� uma, mas pelo menos duas vezes, em frente a dezenas de alunos, estar� mentindo. Talvez ela pudesse, sabe-se l�, num arroubo de �tica, humildade e consci�ncia, admitir que estava errada, voltar aos livros e aprender o que deve ensinar, de modo a n�o prejudicar mais pessoas como at� agora vem fazendo. Se bem que isso j� n�o me interessa tanto, e � problema dela e das pessoas que a contratam para dar aulas. Mas o dano que ela causou com seus erros a sabe-se l� quantos jovens que acreditaram que estavam obtendo informa��o leg�tima que permitiria disputar o exame vestibular em iguais condi��es com pessoas de outros col�gios, esse talvez seja dif�cil de reparar.
Marcello Alves da Silva
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