Leituras recomendadas - 49
Direito Sinistro Di�genes Coimbra
�NIETZSCHE � ���� A busca pelas ess�ncias, norteada por m�todos que se exigiam rigorosos, constituiu, desde o dealbar da filosofia ocidental, o cerne de todo pensamento racional.� �Uma lei constitutiva da mente humana, todavia, parece conceder ao erro� � lembra o eminente fil�sofo Olavo de Carvalho � o privil�gio� de poder ser mais breve do que a sua retifica��o�. [1] ����� Desse modo, o professor Roberto Lyra Filho, em seu op�sculo �O que � Direito�, consegue lan�ar o leitor incauto, na ex�gua extens�o de menos de uma centena de pequenas p�ginas,� ora num indestrin��vel emaranhado de conceitos lassos, ora num paul de sofismas sorrateiros. Fazendo-se valer dos mais avelhantados lugares-comuns do marxismo, o autor procura, nesse panfleto, menos conceituar de modo preciso o fen�meno jur�dico, que reputa tarefa de f�cil labor, do que desanuviar da realidade as brumas que a encobrem. ����� A tese lyriana, com efeito, deixa-se cingir por reduzidas e retumbantes linhas, a saber: uma classe dominadora serve-se do Direito para manter a domina��o sobre outra classe, a dos espoliados � em que desce a porrada (sic) toda vez que as leis n�o resolvem o caso. Esse Direito esp�rio origina-se e assenta-se em leis naturais, de cunho metaf�sico � e, se metaf�sico, ideol�gico e falso �, a partir das quais, num est�gio posterior de usurpa��o do poder, a burguesia ir� formular leis positivas, que, contraditoriamente �quelas naturais, tenderiam a preservar o status quo da classe burguesa, a qual n�o d� a menor bola (sic) para os dominados. A tal classe espoliada, sem ter um estal�o cr�tico (sic), vai tendo que engolir estes e outros sapos (sic), o que constitui, n�o h� negar, grande sacanagem (sic), uma vez que os dominadores s� os pegam com as cal�as arriadas (sic). Relevado o estilo simpl�rio � afinal, de gustibus et coloribus disputandum non est �, eis a s�ntese do pensamento lyrista. Por fim, fechando a fenda aberta com agigantada pedra filosofal, conclui que� �o Direito n�o ��; ele �vem a ser��, afinal, de acordo com fina ontologia, �nada �, num sentido perfeito e acabado; que tudo �, sendo�. ����� O leitor apressado pode querer ligar essas ralas alus�es metaf�sicas �queloutras do Estagirita, mas a conex�o � imposs�vel, o abismo, instranspul�vel. Mais prov�vel � estarem assentes as bases da metaf�sica lyrica � da qual tenta a todo custo livrar-se, a fim de cumprir os ditames do catecismo marxista � no solo pal�dico do chau�smo.� A origem n�o seria despropositada. A senhora Chau�, pessoa t�o �ntima do autor � di-lo, na dedicat�ria, sua colega, sua irm�, sua amiga � n�o poderia ter obtido t�o veneranda admira��o sem que igual influ�ncia n�o houvesse exercido sobre ele. Sen�o, veja-se a teoria ontol�gico-maril�nica:
����� N�o explica a autora de que m�todo ou sortil�gio valeu-se para alterar a composi��o �ntima da mat�ria, objetivo t�o almejado pelos alquimistas. Na terminologia do senhor Lyra, valendo-se de uma esp�cie de m�gica besta (dir-se-ia melhor: dial�tica canhestra), D. Marilena fundiu, refundiu e confundiu as categorias de subst�ncia e de paix�o [3] � claras para qualquer leitor iniciante do aristotelismo. Transforma, com isso, a constitui��o essencial do ser em meros acidentes seus, de molde que o pau-de-segurar-a-barraca-do-circo perde por encanto sua subst�ncia de pau, uma vez que o mero acidente de ser mastro de circo, de gale�o espanhol ou trave de campo de futebol modifica sua subst�ncia de paulidade. Para empregar, mais uma vez, o estilo lyrico-chau�no: chutaram o pau-da-barraca. ����� N�o menos m�stico � o tour de force que faz eq�ivaler, por um lado, causa final, intelig�ncia contemplativa e classe dominante, e, de outro lado, causa eficiente, intelig�ncia pr�tica e classe dominada. Transpondo os limites da argumenta��o l�gica, conclui com esmero:
����� N�o sendo poss�vel atingir o grau de ilumina��o, aparentemente pr�prio dos adeptos deste m�todo engenhoso, que permite chegar ex nihilo a conclus�es e mesmo a teorias gerais t�o abrangentes e revestidas de alto grau explicativo e probante, fique-se com as d�vidas, bem expressas, a prop�sito, por Olavo de Carvalho:
����� Frise-se que tais pondera��es n�o s�o absolutamente despropositadas, porquanto nada mais leg�timo do que o perguntar ao te�rico das bases de seu sistema. Se o autor de �O que � Direito� n�o no diz, busque-se algures, porque a ningu�m se pede aceitar� sem mais algaravias alheias.� N�o diz o autor em que fonte foi limpar-se das impurezas do mundo burgu�s, de modo que retorna de t�o imaculada fonte com olhos l�mpidos, capazes de vislumbrar por entre a ba�a neblina das ideologias a verdadeira realidade das coisas. ����� H� de bom grado supor-se que o autor conhe�a os membros constituintes dos conjuntos dos dominadores e dos dominados, dado que os cita a mais n�o poder. Ao contr�rio do que se espera de um escritor intelectualmente honesto, n�o se fica a saber, ao fim e ao cabo, quem integra aqueles conjuntos. A saber n�o se fica, tampouco, em que categoria incluir o egr�gio professor universit�rio que por sextuplicados lustros lecionou tantos e t�o abastados jovens, sob o amparo generoso do er�rio, e, ainda post mortem, viu seu nome homenageado por pupilos uspianos em publica��o universit�ria, de novo a expensas do dizgraziatto Estado liberal-burgu�s. Bem de se ver que os conceitos e categorias que vestem o discurso do Doutor Lyra correm mesmo � frouxa, deles n�o se extraindo nenhum conhecimento da realidade nem sequer do fen�meno jur�dico. ����� Doutor Lyra, ademais, pressup�e a dial�tica de Marx, com Aufhebung de ponta-cabe�a inclu�da, como crit�rio cient�fico para alcan�ar conclus�es apod�cticas, mas n�o lembra que tal m�todo, ou antes, artif�cio sof�stico, nada tem de cient�fico nem muito apresenta conclus�es verdadeiras. A esse respeito, bem observa Eric Voeglin que
����� Seguindo, pois, as profecias de seu vision�rio guru, o Doutor Lyra emprega igualmente o mesmo estilo obl�quo, eivado de lugares-comuns, verdadeiros bondes do transporte intelectual, como diria Ortega y Gasset, valendo-se mais de maleabilidades metaf�ricas que de assertivas precisas, a fim de ocultar em imagens o que n�o ousa expor em conceitos. Destarte, ao em vez de considerar o marxismo, e o comunismo que dele deriva, como corrente ideol�gica sobre cujas bases se erigiram os movimentos mais sanguin�rios de que j� se teve not�cia na face da terra, prefere referir-se a tais movimentos como trai��o � causa, todas as vezes em que, como na Revolu��o Bolchevique de 1917, o poder se �deitou na cama (estatal) e dormiu sobre o colch�o de institui��es domesticadas, acordando assustado toda vez que algum socialista herege e contestador berrava que ali (ou na casa do vizinho) havia algo de errado�. O expediente usado � antigo, embora haja ainda quem dele se engane. Vejo meus colegas de curso sob o fetiche das dulc�ssimas propostas marxistas. Nada menos estranh�vel, j� que rec�m deixados o secund�rio, durante o qual foram exaustivamente catequizados pela cantilena dos livros marxistas. Agora, levados pelo encanto de mais elevados estudos, encontram guarida no discurso mel�fluo dos ac�litos do Direito Alternativo. Escusado o trocadilho, cito Cat�o: Fistula dulce canit dum Lyra dulcisono carmine prodit aves (A flauta toca suavemente, enquanto o doce som do Lyra engana os p�ssaros � com a devida adequa��o). ����� Com efeito, o que disse Voeglin de Marx, diga-se tamb�m de seu pupilo brasileiro:
����� Finalmente, n�o h� sen�o concluir que a obra do professor Lyra segue � risca os mandamentos de seu outro mestre, Antonio Gramsci. De fato, intelectual org�nico par excellence, o autor do panfleto �O que � Direito� mais procura convencer pelo expediente propagand�stico, valendo-se daquele princ�pio da economia do erro acima aludido, que pelo confronto direto de argumentos, bem ao gosto grasmsciano que exige �que toda atividade cultural e cient�fica se reduza � mera propaganda pol�tica, mais ou menos disfar�ada�, bem recorda Olavo de Carvalho. N�o engenhou obra de filosofia do Direito ou de sociologia jur�dica, sen�o que buscou convencer ad baculum et populum da necessidade de se construir uma nova sociedade que venha a comportar a vaga id�ia de direito apresentada. Contra as teses lyricas j� advertia Ortega y Gasset: �No vazio social n�o h� nem pode nascer direito. Este requer como substrato uma unidade de conviv�ncia humana, da mesma forma que os usos e costumes, dos quais o direito � o irm�o mais novo, por�m mais en�rgico�. [5] ����� Diga-se uma vez mais: �O que � Direito� n�o � obra de filosofia do Direito nem de qualquer outra mat�ria que se repute cient�fica, sen�o objeto de propaganda pol�tico-ideol�gica, posto o aspeto formal que lhe emprestam o estarem as palavras organizadas e impressas em formato de livro, e encimadas por t�tulo que o apresenta com vestes de seriedade.
NOTAS [1] A Nova Era e a Revoulu��o Cultural: Fritjof Capra & Antonio Gramsci, Rio, IAL & Stella Caymmi, 1994. [2] O Que � Ideologia? (S�o Paulo, Brasiliense, 31a. ed., 1990). [3] T�picos, 103� b� 20. [4] idem, p. 10. [5] A Rebeli�o das Massas, S�o Paulo, Martins Fontes, 1987.
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