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Leituras recomendadas - 34
O pre�o que paguei DEPOIMENTO DE UMA BRASILEIRA
Prezado Olavo de Carvalho, Acabei de ler o seu artigo publicado pela revista �poca desta semana. Não pude deixar de viajar no tempo e reviver todo o sofrimento que passei naquela ilha. Não fui fazer turismo, vivi na ilha durante alguns meses, pude conhecer pessoas e convivendo com elas no dia a dia perceber a dureza de sua realidade. Embora o aspecto seja paradis�aco, h� muita mis�ria neste pa�s. A pior de todas � a mis�ria moral, a cultura da mentira, mas isso o turista não percebe... Meu marido era diplomata e foi servir em Cuba. Eu incentivei a escolha, principalmente em raz�o do nosso filho que estava para nascer, pensando que nada lhe faltaria: teria os alimentos b�sicos, vacina, um bom pediatra... era isso que importava, não estava preocupada com pequenos confortos sup�rfluos e acreditava piamente que não passaria nenhum tipo de necessidade. Doce ilus�o... Não consegui as vacinas para o beb�, tive de pedir a amigos que as trouxessem do Brasil, embora Cuba exporte vacina. Como entender, se l� est�o sempre em falta? Descobri que em Cuba voc� não tem empregados, todos os trabalhadores s�o funcion�rios p�blicos. Voc� contrata uma empresa (Cubalse), paga dez vezes o valor que � repassado ao trabalhador (explorado). Logicamente contratei uma bab� no mercado negro. Pagava a ela US$ 100,00, o que era uma verdadeira fortuna em termos cubanos, uma vez que esta senhora era enfermeira formada e recebia US$ 10,00 de aposentadoria e o marido, m�dico, outros US$ 15,00. A fam�lia estava numa tal situa��o de pen�ria que um dia vi que ela recolheu do lixo umas peles de frango que eu havia jogado fora, com aquilo ela pretendia fazer uma canja e estava satisfeit�ssima. Al�m dessa senhora eu tinha tamb�m uma empregada que fazia o servi�o de casa, a situa��o desta outra era bem melhor que a da bab�, pois o marido trabalhava num bar e ganhava gorjetas em d�lares. Esse � outro problema de Cuba, os jovens est�o desistindo de estudar, pois vale mais a pena trabalhar com turistas, onde podem receber um pouco mais. Tratar a todos de forma igual nem sempre � justo, muitas vezes beneficia o pregui�oso. Assim eu me sentia quando ia a uma das feiras. Havia muito pouco que comprar, e em moeda cubana nada era barato. Oras, se o agricultor colher vinte cebolas, receber� por elas US$ 5,00; se colher duzentas receber� US$ 5,00, se colher duas mil, seu pr�mio ser� o mesmo. Solu��o: comida de potinho comprada no Diplomercado. Não me pergunte o que as crian�as cubanas comem, não consegui descobrir. O que me deixava louca era a forma com eles mentiam. No pr�dio onde eu morava, quando aluguei o apartamento me garantiram que não havia nenhum problema com o abastecimento de �gua. Ocorreu que, pelo menos tr�s vezes por semana, não havia �gua nas torneiras. Fui pedir a um administrador do pr�dio que me avisasse um pouco antes para que pudesse armazenar um pouco de �gua ou me programar de forma que não me pegasse desprevenida. Ele me olhou, sorriu e disse: "Neste pr�dio nunca falta �gua". Tentei argumentar, ele respondeu categoricamente a mesma coisa. Entendi o recado... e era o mesmo que a tv noticiava todos os dias: Cuba era a ilha da fantasia, nada de ruim acontecia l�... Fidel distribu�a diplominhas de alfabetiza��o e na reportagem seguinte, de forma muito did�tica, apareciam crian�as brasileiras com os dedos decepados pelo trabalho... Toda a mis�ria de Cuba � culpa do Embargo. � ele quem mant�m Fidel no poder, porque os cubanos acreditam nisso e não v�em que nada produzem, al�m de cana-de-a��car (rum), em uma quantidade que para n�s � insignificante, e charutos. O resto chega por navios ou não chega. O controle da popula��o � incrivelmente eficaz. Fidel institucionalizou a fofoca. Em cada quadra existe um CDR (Dentro de Defesa da Revolu��o) onde vizinhos se re�nem para proteger o regime. Lembro-me que certa vez meu esposo emprestou um livro de poesias a um garagista do pr�dio... o rapaz foi visto lendo o livro e foi inquirido se as poesias eram marxistas ou anti-marxistas. Os bons comunistas t�m algumas regalias, os melhores empregos, os melhores col�gios para os filhos e outras vantagens. Os que não concordam acabam por ser punidos, de uma forma ou de outra, al�m disso muita gente continua morrendo "comida por tubar�es". Apesar de todas as dificuldades, eu não pensava em voltar ao Brasil, mas tive de retornar muito precocemente e sem o meu esposo, que faleceu v�tima de um erro de diagn�stico, aos trinta anos. Ele sofreu um t�pico infarto em casa (não sou m�dica, mas todos os sintomas eram de infarto) e eu corri ao Hospital Cardiovascular de Havana, onde me disseram que meu marido estava bem (fui tratada como louca) e, depois de deix�-lo esperando sentando num banco por pelo menos duas horas sem socorro, ignorado pelos m�dicos, pedi que lhe dessem alta, pois via que a situa��o estava se agravando. Ao chegar ao carro ele come�ou a ter convuls�es, e eu fui correndo chamar o m�dico, que, com muita m� vontade, chegou na janela do carro e disse a ele que respirasse devagar. Inconformada e desesperada, levei-o imediatamente para a Cl�nica Cira Garcia, onde o primeiro diagn�stico foi hipoglicemia, depois me disseram que na verdade ele estava tendo uma embolia pulmonar, mas que o caso era simples, embora necessitasse de uma UTI. Transferiram meu marido para o terceiro hospital, Hermanos Almejeras, l� o m�dico veio conversar comigo, confirmou o diagn�stico de embolia pulmonar e me disse que ficasse calma, pois ele estaria bem e em poucos minutos eu poderia v�-lo... Não houve tempo: ele faleceu antes disso. Uma semana depois recebo o atestado de �bito com o laudo do exame necrol�gico: Infarto agudo do miocardio. Não creio que seja necess�rio descrever toda a minha dor, mas a minha revolta, esta sim, sempre fiz quest�o de revelar, pois ap�s todo esse epis�dio escrevi uma carta ao Minist�rio da Sa�de de Cuba, denunciando principalmente a maneira desumana como meu marido foi tratado no Hospital Cardiovascular. Fiz isso não por mim, nem por meu marido, mas por todos os cubanos, que não podem nem reclamar. Obtive uma resposta c�nica onde simplesmente me disseram que a demora no atendimento não tinha nexo com o falecimento do Marcus. Não houve realmente demora, o que faltou foi diagn�stico e dignidade. O pre�o que paguei por acreditar em Cuba foi alto demais. Por isso, mais que testemunha, sou v�tima e infelizmente não sou a �nica. Não sei qual o futuro de Cuba, nada tenho contra Fidel, amo esse povo oprimido, que soube ser solid�rio comigo na minha dor, mas não creio que a situa��o possa se manter por muito tempo. quarenta anos � demais e se o povo estivesse satisfeito não haveria necessidade de censura. Estou certa de que as coisas v�o mudar, apenas não sei se v�o melhorar ou piorar. Parab�ns pela coragem de publicar esse artigo, estou certa que vai desagradar a muita gente que usa essa imagem mentirosa que Cuba procura vender (e investe muito em propaganda) de pa�s modelo de educa��o (sem ter l�pis, livros ou papel) e sa�de p�blica.
30 Jan 2001
Giselle Gil
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