Leituras recomendadas 172
Os dois Lázaros
Por José Nivaldo Cordeiro
6 de Junho de 2002
Meu amigo Janer Cristaldo escreveu-me a propósito do trecho
do meu artigo "Moral e Política", no qual relatei a
defesa que um padre, em plena missa, fez da luta de classe, acusando
os ricos pela existência de pobres. Ele me escreveu: "a
Bíblia é um poema de ódio ao rico".
Não posso concordar com essa afirmação e vou
dizer o por quê. Na verdade, a Bíblia contem um
festival de aparentes contradições, praticamente sobre
todos os assuntos. Como sabemos, os livros que a compõem
foram escritos em diferentes épocas e sofreram um sem
número de glosas e acréscimos ao longo do tempo. E os
temas específicos tiveram tratamento de acordo com os tempos
e a necessidade do momento de quem escreveu. Vemos, por
exemplo, desde a aceitação da poligamia no Antigo
Testamento até a categórica proibição do
divórcio feita pelo próprio Cristo.
E não podemos esquecer que os textos recentes, os Evangelhos
e as Epístolas, foram também escritos de
ocasião, na luta inaugural para a implantação
da nova religião. Então seus autores tinham em vista
questões específicas, às
quais procuravam dar resposta. Penso que, na questão da
riqueza, é preciso separar o joio do trigo. A leitura que
faço da mensagem bíblica é que se condena nos
ricos não a riqueza em si, nem o seu usufruto, mas os
vícios derivados dela, como a usura, a sovinice, a impiedade
(falta de caridade), a avareza.
Parafraseando outra linda passagem dos Evangelhos, poderíamos
dizer que a riqueza é para o homem, não o homem para a
riqueza. E não podemos esquecer que Jó, o servo
querido de Deus, era rico e para compensa-lo de suas agruras
Deus o abençoou com muito mais riquezas. E também
não podemos esquecer a parábolo do Bom Samaritano, um
homem rico. A partir dessa ambigüidade é que se
construiu absurdos do tipo da teologia da libertação,
que não passa de uma forma requentada de marxismo, que nada
tem nem de cristã e nem de religiosa. Os episódios
envolvendo os dois Lázaros dos Evangelhos são
emblemáticos. Um, relatado no Evangelho de Lucas (26:19-31),
é pobre e é comparado a um homem
rico. Ao morrerem, Lázaro vai para o céu e o rico para
o inferno. A lição que fica é que a riqueza sem
as virtudes cristãs é pecaminosa e que a pobreza, para
um cristão, não passa de uma cruz necessária a
ser carregada, que não impede o acesso a bondade divina.
Claro fica também que, do ponto de vista da Eternidade, tanto
faz ser rico ou pobre. O que vale é a fé e as
obras.
Já o outro Lázaro, o famoso ressuscitado do Evangelho
de João (11:1-44), é um homem rico, cuja irmã
havia untado a cabeça de Jesus com bálsamo
caríssimo (Lucas 10:38-39 e Mateus 26:7). Tinha a
afeição de Jesus e sua casa era por Ele
freqüentada. Jesus gostava tanto de Lázaro que ele foi
usado para o seu maior sinal: a ressurreição dos
mortos, confirmando e
prefigurando a sua promessa para a Humanidade. Essa ênfase no
fato de que nem a pobreza e nem a riqueza são importantes
diante da Eternidade é que deu a base para a
construção da idéia de igual dignidade
jurídica para todos os homens, independentemente de origem e
condição social. Essa idéia é a base
para os sistemas políticos do Ocidente, o fundamento da
sociedade aberta. Ela se opõe frontalmente às
propostas
políticas totalitárias, que fundamentam os defensores
da teologia da libertação e demais partidários
do comunismo, que na prática impõem o sistema de
castas.
Cristo não fez tratados de economia e nem estava preocupado
com coisas materiais: "Olhai os lírios do
campo...". Ele veio anunciar o Reino de Deus, no Além.
Aqui, no tempo de vida, temos que nos virar da melhor
forma,procurando as virtudes e usando a razão. E usar a
razão e buscar as virtudes é recusar todas as formas
de materialismo, especialmente aquelas que querem se substituir
à verdade redentora, uma blasfêmia inominável
diante de Deus.
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