O preço do salame
Olavo de Carvalho
22 de janeiro de 2009
Aproximadamente um ano atrás, o
Jornal do Brasil diminuiu arbitrariamente meu
salário, de US$ 2.000,00 para US$ 400,00 por mês.
O aviso veio como fato consumado, sem qualquer consulta
prévia a esta desprezível criatura.
Cortes de salário e de espaço são na
imprensa brasileira um meio usual de boicote, empregado quando
o jornal ou revista quer se ver livre de um articulista sem
assumir a responsabilidade de demiti-lo. É um estilo
especialmente jornalístico de
operação-salame. O sujeito vai sendo encurtado
fatia por fatia, até que, quando o salame já
está um toquinho de nada, a diretoria lhe informa que
sua coluna será “ampliada” (sic),
isto é, dividida e reduzida.
O mesmo truque, que não engana a ninguém exceto
à consciência moral de seus autores, foi usado
contra mim na Zero Hora, na Época, no
Globo e, por fim, no JB. Só do
Jornal da Tarde a exclusão veio toda de uma
vez, sem amortecedores, porque não havia o que
amortecer: meus artigos ali já eram quinzenais em vez
de semanais, e o pagamento era uma micharia simbólica
impossível de reduzir. Ademais, desde que os Mesquita
deixaram o controle do jornal eu havia perdido todo embalo de
escrevcr ali, coisa que só fazia por um sentimento de
gratidão e admiração para com a
família.
Desde o corte de salário, fiquei de sobreaviso, sabendo
que meus dias no Jornal do Brasil estavam contados.
Minha expectativa confirmou-se quando outros articulistas de
orientação liberal ou conservadora foram
demitidos. Em 29 de maio veio a seguinte mensagem do
economista Ubiratan Iorio, até então meu colega
de página:
Amigos, vejam a que ponto chegou o JB. Nem coragem para
nos comunicar a dispensa tiveram, preferindo recorrer ao
subterfúgio batido de "mudanças"
editoriais.
Saímos eu, o Antonio Sepúlveda, o Jarbas
Passarinho e outros. Espero pelo menos que você,
Olavo, continue firme...
No último dia 8, enviei ao JB o seguinte
artigo:
Confissões de Luiz Garcia, um dos potentados da
redação de O Globo, reveladas durante um simpósio da University of
Tulane, em março de 2008, por Carolina Matos, em
conferência intitulada (sem ironia aparente) Partisanship versus professionalism:
“Fizemos um enorme esforço para atrair o
pensamento esquerdista para O Globo. E fizemos isso em tal extensão que depois
tivemos de procurar um direitista que escrevesse bem, e
escolhemos Olavo de Carvalho, o que hoje lamentamos um
bocado. Toda a esquerda tem acesso ao Globo: Élio Gaspari, Zuenir Ventura,
Veríssimo... E também os ativistas, as ONGs.
Estamos fazendo uma coisa balanceada.”
Leram? Leiam de novo. Com o maior ar de
inocência, com aquela consciência limpa de
quem não quer sujá-la num confronto com os
próprios atos, o criador da página de
opinião de um grande diário brasileiro
apresenta sua noção de jornalismo
balanceado, isento, equilibrado: franquear as
páginas do jornal para “toda a
esquerda”, um exército inteiro de
editorialistas, cronistas, analistas e ongueiros, depois
camuflar o partidarismo concedendo um espacinho a um
– isso mesmo: um, um único –
articulista de direita, em seguida reduzir um pouco mais
esse espacinho e no fim ainda reclamar que o convidado,
um brutamontes sem educação, ultrapassou a
quota de direitice admitida. Em matéria de
disfarce, isso foi tão eficiente quanto limpar
bumbum de elefante com um cotonete.
Mas disfarçar era totalmente desnecessário:
quem, entre as multidões, reclamaria do viés
esquerdista do Globo? Brasileiro não lê jornal. Num país
de 180 milhões de habitantes, a tiragem dos maiores
diários, somada, mal chega a dois milhões de
exemplares. A imagem que o zé-povinho tem dos
jornais é a de trinta anos atrás: o Estadão ainda é os Mesquita, O
Globo
ainda é Roberto Marinho. Diga ao cidadão
comum que O Globo
é de esquerda, e ele rirá na sua cara com
aquele ar de infinita superioridade que é o
privilégio sublime da completa ignorância. De
outro lado, o esquerdismo da mídia nacional
é mais que hegemônico: é uma
instituição tão antiga, tão
sólida, tão tradicional e intocável
que acabou por se tornar um estado natural. O jornalismo
de esquerda já nem pode ser reconhecido como tal,
pois há três gerações
não existe um de direita que lhe sirva de
contraste. A firme obediência ao programa
esquerdista passa hoje como a encarnação
mesma do profissionalismo idôneo, mainstream.
Fanatismo, propaganda, distorção
ideológica, só na coluna do Olavo de
Carvalho, é claro. Pois não é que o
safado teve a ousadia de contar para todo mundo que o Foro
de São Paulo existia, quando a massa de seus
colegas de ofício se empenhava solicitamente em
ajudar essa central da subversão a crescer em
silêncio? Por que ele não se limitou ao
direitismo cool, educado, àquele amável
direitismo de centro que festeja a eleição
de Barack Obama como uma glória da democracia
americana e de vez em quando até verte umas
lágrimas (de crocodilo ou não) pelos
terroristas mortos nos “anos de chumbo”?
Se querem entender como essa mudança aconteceu,
leiam o livro de Alzira Alves de Abreu, Eles Mudaram a Imprensa
(FGV, 2003). São “depoimentos de seis
jornalistas que, na qualidade de diretores de
redação, tiveram uma
participação fundamental na
reformulação ou na criação
de órgãos de imprensa brasileiros nas
últimas três décadas do
século XX”. Dos seis entrevistados, cinco
são esquerdistas. Só faltou, dessa
geração de reformadores célebres, o
Cláudio Abramo, que já tinha morrido. E
Cláudio era um devoto de Leon Trotski. Isso, meus
amigos, é a mídia brasileira. Ser
esquerdista, no ambiente que esses homens criaram,
não requer nem mesmo uma tomada de
posição pessoal: é só
você não pensar no assunto, e a
força da rotina geral o arrastará
insensivelmente para a esquerda sem que você tenha
de assumir a mínima responsabilidade por
isso.
Se Luiz Garcia parece não ter a menor
consciência de que confessou uma
manipulação abjeta, delituosa até,
não é porque seja cínico de
propósito: é porque, no meio em que ele
vive, a insensibilidade moral para com os abusos do
esquerdismo se tornou uma espécie de norma de
redação.
No dia seguinte recebi de Rodrigo Almeida, da
direção do JB, a seguinte mensagem:
A direção do jornal considerou inaquado
para o JB um artigo com tantas referências ao Globo. Por esse motivo, optamos pelo cancelamento da
publicação do seu artigo. Peço-lhe
a gentileza de enviar um novo texto, e lhe garanto a
publicação até o fim de semana.
Não desejando criar conflito, respondi a ele nos
seguintes termos:
Não se trata do Globo, mas de um caso patente de discriminação
ideológica com grave dano profissional para a
vítima e prejuízo para a liberdade de
imprensa em geral. À distância em que
estou, meu espaço no JB
é o único instrumento de defesa do qual
disponho. Peço à direção do
jornal reconsiderar a decisão. Caso
necessário, assinarei uma
declaração isentando o jornal de qualquer
responsabilidade pela públicação do
artigo. Se o abuso autoritário cometido por um
jornal não pode ser denunciado por outro jornal,
então a liberdade de imprensa acabou no Brasil.
No dia seguinte, não tendo recebido resposta nenhuma,
enviei novamente o e-mail. Decorridas algumas horas,
chegou, em vez da resposta de Rodrigo Almeida, a seguinte
mensagem de Paulo Márcio Vaz, editor de opinião
do JB:
Comunico-lhe que, a partir da próxima semana, a
editoria de Opinião do Jornal do Brasil
será ampliada, com a chegada de mais
articulistas. Portanto, todos os nossos colaboradores
passarão a escrever apenas um artigo por
mês. Ainda hoje, ou no início da
próxima semana, lhe envio a data exata de
publicação de seu artigo para
fevereiro.
Peço-lhe que, por favor, confirme o recebimento
desta mensagem.
Paulo Marcio
(21) 2101-4481
(21) 8101-4472
Respondi a ele o seguinte:
Por favor, comunique à diretoria do JB
que terei o máximo prazer em escrever um artigo
mensal para o jornal. O preço de cada artigo
será dois mil e quatrocentos dólares.
Até agora não veio resposta. Será que
acharam dois mil e quatrocentos dólares um preço
caro demais para uma fatia de salame?
Olavo de Carvalho
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