Apostilas do Semin�rio de Filosofia - 28
Notas para a Introdu��o � Hist�ria Essencial da Filosofia � I
Pretendendo retomar no Semin�rio de Filosofia alguns temas
do curso Hist�ria Essencial da Filosofia, que lecionei no
Rio de Janeiro em 1993 e 1994, reproduzo aqui um par�grafo da
Introdu��o que estou preparando para a edi��o desse curso
em livro, par�grafo que ser� objeto de coment�rios na pr�xima aula
do Semin�rio em S�o Paulo e no Rio. - O. de C.
�������� A no��o de sabedoria abrange, numa s�ntese insepar�vel, ci�ncia, ess�ncia, consci�ncia e exist�ncia. O s�bio n�o apenas possui o conhecimento do essencial, mas reconhece nele a ess�ncia da sua autoconsci�ncia e o manifesta na sua exist�ncia enquanto forma humana do essencial. Uma exist�ncia na qual se torna vis�vel a autoconsci�ncia do essencial �, sob todos os t�tulos, uma imago Dei. Mas isto s� pode ser plenamente reconhecido por quem seja tamb�m s�bio ou por aqueles que, n�o o sendo, se coloquem na perspectiva adequada para enxergar a sabedoria em vista de realiz�-la no futuro. S�o estes os que se denominam �fil�sofos�. Plat�o dizia-os �amantes de espet�culos�. Nem todo aquele que pode apreciar a pr�tica de um esporte ou de uma arte est� em condi��es de pratic�-los pessoalmente. Mas a aprecia��o � condi��o indispens�vel para a pr�tica futura. Aquilo que voc� n�o pode sequer ver, voc� n�o pode possuir e muito menos incorporar em voc� como qualidade pessoal. Filosofia � visibilidade de uma sabedoria a realizar.�� �������� O fato de que, ao longo da hist�ria, os elementos dessa s�ntese tenham se separado ao ponto de hoje ser dif�cil conceb�-los juntos na identidade de um homem n�o modifica em nada a defini��o origin�ria da filosofia, mas sugere apenas que o nome filosofia foi sendo atribu�do a coisas que ficam muito aqu�m das ambi��es dos primeiros fil�sofos. A ci�ncia e a ess�ncia, por exemplo, entraram em antagonismo desde que Kant proclamou a impossibilidade de conhecer o que quer que seja para al�m dos fen�menos ou apar�ncias. Ci�ncia e consci�ncia tamb�m j� n�o parecem ter nada a ver uma com a outra desde que se admitiu a no��o de ci�ncia como um conjunto de registros padronizados que podem ser adquiridos mediante puro adestramento de aptid�es cognitivas isoladas, sem qualquer comprometimento da personalidade total. Isto produz como seq�ela a ruptura de ci�ncia e exist�ncia: a ci�ncia torna-se o desempenho de um papel social nas horas de expediente, sem rela��o com a vida �ntima da autoconsci�ncia. E assim por diante. �������� Da filosofia antiga e medieval para a moderna e p�s-moderna, isto �, na passagem da filosofia como antevis�o da sabedoria para o conceito atual da filosofia como profiss�o e disciplina acad�mica, houve portanto uma troca da figura centr�peta, onde os quatro elementos convergiam na dire��o da sabedoria:
pela figura centr�fuga, onde os quatro elementos se afastam uns dos outros e se negam reciprocamente.
�������� Admite-se como coisa l�quida e certa, hoje em dia, que essa mudan�a se explica e se justifica pelo progresso da intelig�ncia cr�tica, que desmantelou as antigas pretens�es do saber unificado e habituou as pessoas a buscar conhecimentos mais modestos e mais seguros em campos mais limitados do conhecimento. �������� Mas, se um ju�zo qualquer n�o pode se alegar verdadeiro pelo simples fato de ser ambicioso, n�o se tornar� mais verdadeiro pelo simples fato de ser modesto. Ademais, os elementos separados que resultam do afastamento centr�fugo nunca se tornam completamente independentes, pois o quadro unificado que lhes d� sentido permanece como plano de refer�ncia no fundo, apenas reduzido a um esquema normativo �ideal� e �irreal� que, se n�o pode ser dispensado de todo, nem por isto � reconhecido como conhecimento efetivo. Este n�o � o menor dos paradoxos da moderna ci�ncia acad�mica, onde o esquema normativo sobre o qual se erguem os crit�rios de validade do conhecimento n�o � considerado ele pr�prio um conhecimento, muito menos um conhecimento v�lido. �������� De outro lado, uma evolu��o hist�rica n�o �, por si, prova da validade dos resultados a que conduziu. Que as coisas tenham tomado determinado rumo n�o significa que esse fosse o �nico ou o melhor rumo poss�vel, se bem que o ensino universit�rio, ao mesmo tempo que professa aceitar a irredutibilidade kantiana do valor ao fato, deduz dessa mera sucess�o de fatos um ju�zo de valor segundo o qual as vias de conhecimento que foram abandonadas no curso do tempo devem ser condenadas como inferiores, superadas ou mesmo pecaminosas. �������� Da nossa parte, vamos aqui ignorar solenemente esse preconceito, pois o que nos interessa n�o � aquilo em que a filosofia se tornou historicamente, no curso de uma evolu��o a que s� um injustific�vel pressuposto metaf�sico poderia dar o car�ter de coisa necess�ria e insuper�vel, e sim o que a filosofia tem de ser necessariamente, como ess�ncia supratemporal, para poder sofrer essa evolu��o ou qualquer outra evolu��o temporal conceb�vel. Pois, das duas uma: ou aquilo em que a filosofia se tornou conserva algo do que ela era originariamente, e neste caso h� uma ess�ncia que transcende e abrange essas duas formas temporais; ou as m�ltiplas coisas que hoje se denominam �filosofia� j� nada t�m a ver com a filosofia antiga e portanto a evolu��o que levou desta �quelas deve ser considerada uma simples sucess�o emp�rica de fatos sem conhex�o l�gica �ntima, e cujo conhecimento pouco ou nada nos revelar� sobre o que � a filosofia, cabendo inclusive dissolver este conceito numa multid�o de coisas d�spares. Mas, neste �ltimo caso, n�o se v� como meros fatos intelectuais inconexos poderiam se erguer como crit�rios de valor para julgar e impugnar a filosofia antiga, mesmo em nome de uma suposta no��o de �progresso�, que, nessas condi��es, perderia todo conte�do conceptual identific�vel. Portanto, ou o estado atual da filosofia � apenas o resultado de uma evolu��o l�gica (se bem que n�o necessariamente a melhor ou a �nica poss�vel) do pr�prio conceito origin�rio de filosofia, nada significando sem refer�ncia a este, ou ent�o ele n�o tem nada a ver exceto empiricamente com a filosofia antiga e n�o pode servir de base para julg�-la. Em qualquer dos dois casos, o primado da ess�ncia da filosofia sobre suas manifesta��es temporais � resolutamente afirmado, ainda que inconscientemente ou a contragosto. �������� Para esclarecer essa ess�ncia, temos de partir da sua concep��o origin�ria como visibilidade da sabedoria ou contempla��o da imago Dei.
Olavo de Carvalho 5/5/01 |