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Apostilas do Semin�rio de Filosofia - 10

 

Descartes e a psicologia da dúvida1
Col�quio Descartes da Academia Brasileira de Filosofia
Faculdade da Cidade, Rio de Janeiro, 9 de maio de 1996

 

La verdad es lo que es
y sigue siendo verdad
aunque se piense al rev�s.

ANTONIO MACHADO
 

Descartes assegura-nos que a seq��ncia das Medita��es que o leva do questionamento do mundo exterior � descoberta do cogito n�o � apenas um modelo l�gico, uma articula��o hipot�tica de pensamentos pens�veis, mas uma experi�ncia vivida, uma narrativa de pensamentos pensados. Mas ter� sido boa a sua auto-observa��o? Podemos dar por suposta a fidedignidade do seu relato? Mais ainda, podemos dar por suposta a universalidade paradigm�tica dessa seq��ncia de pensamentos, admitindo que se dar� de modo igual ou semelhante, com semelhantes ou iguais resultados, em todo homem que se disponha a reexaminar desde os fundamentos o edif�cio de suas cren�as? Ser� poss�vel a um homem realizar experi�ncia similar, ou, ao contr�rio, foi Descartes quem experimentou de fato coisa totalmente outra, deixando-se enganar e tomando por descri��o o que � pura inven��o?

Que � poss�vel duvidar das nossas sensa��es, das nossas imagina��es e dos nossos pensamentos, � coisa que qualquer um de n�s pode testemunhar. Que � poss�vel, a rigor, colocar todo o orbe das nossas representa��es entre par�nteses, reduzindo o "mundo" a uma hip�tese evanescente, � tamb�m certo.

Mas, ap�s ter feito essas opera��es, Descartes assegura-nos ter encontrado, no fundo, a certeza da d�vida: a d�vida � um pensamento, e, no instante em que a penso, n�o posso duvidar de que a penso. A autoconfian�a na solidez metaf�sica do ego pensante surge como poderosa compensa��o psicol�gica para a perda da confian�a na realidade do "mundo".

S� que, t�o minucioso em descrever os pensamentos que antecedem o estado de d�vida, Descartes � estranhamente evasivo quanto ao estado de d�vida mesmo. Na verdade, ele n�o o descreve: afirma-o, apenas, e, saltando imediatamente da descri��o para a dedu��o, passa a tirar as conseq��ncias l�gicas que a constata��o desse estado lhe imp�e.

Fa�amos n�s o que n�o fez Descartes. Tentemos refrear o automatismo do impulso conseq�encialista, e detenhamo-nos por um momento na descri��o do estado de d�vida. Em que consiste esse estado?

Em primeiro lugar, n�o � um estado — uma posi��o est�tica em que um homem possa permanecer inalteradamente, como permanece triste ou absorto, im�vel ou deitado. � uma altern�ncia entre um sim e um n�o, uma impossibilidade de deter-se num dos termos da alternativa sem que o outro venha disputar-lhe a primazia. Pois o sim ou o n�o, t�o logo aceitos como definitivos, eliminariam imediatamente a d�vida, que � feita de sua coexist�ncia antag�nica e de nada mais. Mas esse antagonismo n�o � est�tico: � m�vel. A mente em d�vida passa incessantemente de um dos termos ao outro, sem encontrar um ponto de apoio onde possa repousar e "estar". S� que, como cada um dos termos � a nega��o do outro, a mente n�o poderia deter-se nele sem, por um instante, negar o outro: e, precisamente nesse instante, n�o est� em d�vida — est� afirmando ou negando, afirmando uma coisa e negando a outra, ainda que n�o consiga perseverar na afirma��o ou na nega��o sem que lhe ocorram mil e uma raz�es para abandon�-la. E, no instante em que nega ou afirma, a d�vida suprime-se a si mesma como d�vida, e luta para se estabelecer como afirma��o ou nega��o; mas fracassa, e � s� neste fracasso que consiste precisamente, a d�vida. Segue-se a conclus�o fatal: � imposs�vel uma d�vida que n�o se ponha em d�vida a si mesma, uma d�vida que, suspendendo a altern�ncia, se imponha como "estado" e permane�a. Ao tomar a d�vida como um "estado", omitindo que se trata de uma altern�ncia entre dois momentos antag�nicos, Descartes a coisifica e a toma como uma certeza: "N�o posso duvidar de que duvido no instante em que duvido", frase que Descartes toma como express�o da mais patente obviedade, manifesta no entanto um contra-senso l�gico e uma impossibilidade psicol�gica. Mais certo �: ao duvidar, ponho tudo em d�vida, inclusive a d�vida mesma. A d�vida n�o � um estado: � uma sucess�o e coexist�ncia de estados antag�nicos, � um n�o poder estar2.

O que leva Descartes ao erro � o fato de que confunde a d�vida com a nega��o, mais propriamente com a nega��o hipot�tica. Posso efetivamente produzir uma nega��o hipot�tica e repeti-la indefinidamente. Posso mesmo ampli�-la — hipoteticamente, � claro — at� que abranja a totalidade do que julgo saber. Mas n�o posso "duvidar" do meu saber sem ao mesmo tempo afirm�-lo reiteradamente, na medida em que s� assim poderei intercalar �s suas afirma��es sucessivas as sucessivas nega��es, e a estas as afirma��es, cujo c�rculo vicioso constitui a d�vida.

Colocado nesses termos, o cogito cartesiano se reduz apenas a uma nova e ali�s bastante nebulosa enuncia��o do antigo argumento de S�crates contra o c�ptico, de que n�o se pode negar sem afirmar a nega��o, sem afirmar portanto alguma coisa. Mas, vistas as coisas assim, a bem pouco se reduz a descoberta cartesiana: longe de ter instaurado um novo fundamento, cr�tico ou negativo, para o mundo do saber, ela n�o fez sen�o demonstrar novamente, pelas vias tortuosas de uma falsa autodescri��o psicol�gica, o primado l�gico da afirma��o sobre a nega��o. S� que o reconhecimento deste primado �, no mesmo ato, a nega��o da d�vida como ato fundante. A descoberta de Descartes � uma n�o-descoberta, � a descoberta da impossibilidade de descobrir o que quer que seja por uma via em cuja defini��o mesma est� contida uma autocontradi��o intoler�vel3.

Mas, com isto, demonstrei apenas que a d�vida, como tal, n�o pode servir de fundamento cr�tico; n�o expus ainda os fundamentos que, por sua vez, possibilitam a d�vida. E este � o ponto decisivo, pois, se h� um algo "por tr�s" da d�vida, � este algo, e n�o a d�vida, que constitui o ponto de apoio firme que Descartes buscava, e que acreditou ingenuamente ter encontrado na constata��o da d�vida.

Descartes diz que a d�vida � uma certeza no instante em que � pensada. Mas isto � falso: o que � certeza � a reflex�o posterior que afirma a realidade da experi�ncia da d�vida. No instante mesmo da d�vida, o que h� �, como vimos, uma altern�ncia entre afirma��o e nega��o, e portanto a impossibilidade mesma de afirmar um estado qualquer, se por estado entendemos, como se deve entender, a coincid�ncia entre um ju�zo de fato e o sentimento que o valoriza negativa ou positivamente, como ocorre na tristeza, na raiva, na pressa, na esperan�a etc. A d�vida n�o � um estado, pela simples raz�o de que nela o sentimento, que pode ser de ansiedade, de esperan�a, de curiosidade, etc., n�o coincide com um ju�zo determinado, mas prov�m justamente da impossibilidade de afirmar ou negar um ju�zo. Ela � antes um momento de suspens�o entre estados, um vazio agitado que cont�m em germe v�rios estados poss�veis — pelo menos dois — e n�o se resolve em nenhum deles sem suprimir-se a si mesma. O homem portanto nunca "est�" em d�vida: apenas passa por ela, precisamente como transi��o entre estados. � s� quando a d�vida deixa de ser viv�ncia presente para passar a ser objeto de reflex�o que surge esta certeza puramente retrospectiva e narrativa: "N�o consegui, at� agora, estabilizar-me na nega��o ou na afirma��o." Existe, portanto, n�o s� distin��o l�gica como tamb�m separa��o de fato entre a d�vida enquanto viv�ncia presente e a d�vida enquanto objeto de recorda��o e reflex�o — e � esta que � certa e indubit�vel,4 n�o aquela, embora Descartes tome uma pela outra e nos repasse como evid�ncia intuitiva direta o que � fruto de reflex�o posterior. � somente esta reflex�o que, dando um nome � altern�ncia vivenciada, confere artificialmente a unidade de um "estado" ao que � na verdade uma sucess�o de estados que se suprimem mutuamente ou uma coexist�ncia de estados puramente potenciais, dos quais cada um s� se pode atualizar � custa da exclus�o dos outros. Conferindo ao vazio da altern�ncia a consist�ncia positiva de um estado, no mesmo instante Descartes transforma a d�vida em mera nega��o hipot�tica, tomando ent�o como estado psicol�gico efetivo o que � apenas o conceito l�gico de um estado poss�vel.

Para piorar ainda mais as coisas, na afirma��o reflexiva da realidade da d�vida est�o pressupostas duas cren�as: a cren�a na continuidade da consci�ncia entre a d�vida e a reflex�o, e o conhecimento da distin��o entre verdade e falsidade.

1� Aquele que reflete sobre a d�vida sabe que ainda � "o mesmo" que teve a d�vida; e se o ato de duvidar � formalmente distinto do ato da reflex�o, o eu consciente, ao refletir, sabe que � sujeito de dois atos distintos — distintos logicamente e distintos no tempo —, donde se conclui que � esse eu � logicamente e temporalmente anterior aos dois atos e independente deles: n�o � o ato da d�vida que funda a certeza do eu, mas, ao contr�rio, a certeza da continuidade do eu � a garantia �nica de que a d�vida foi realmente vivenciada. Pois a d�vida, se n�o recebesse da reflex�o posterior o nome que lhe confere a aparente unidade de um estado, acabaria por se reduzir a mera sucess�o de nega��es e afirma��es irrelacionadas, sucessivas alucina��es de um sujeito esquizofrenicamente plural, destitu�do do imp�rio de si e dissolvido no fluxo atom�stico dos seus estados. Para poder ser objeto de reflex�o, a d�vida recebe a artificial unidade de um nome; e se logo em seguida a mente se esquece de que essa unidade � um mero ente de raz�o e a toma como unidade substancial, ent�o se trata de um desses casos de auto-hipnose reflexiva em que o nome produz magicamente, a posteriori, a realidade do seu objeto.

2� Sendo formalmente distintos, os dois atos s�o distintos tamb�m empiricamente, isto �, no tempo: primeiro duvido (isto �, vou e venho entre sucessivas afirma��es e nega��es), depois reflito que duvidei (isto �, unifico sob o nome "d�vida" essa multiplicidade de viv�ncias antag�nicas). Mas a unidade do eu, que est� subentendida nessa reflex�o mesma, e portanto na certeza da d�vida, � aquela continuidade no tempo, que se denomina mem�ria e recorda��o: a mem�ria, estando pressuposta na reflex�o, � l�gica e temporalmente anterior a ela: longe de poder fundar a nossa confian�a na mem�ria, � a d�vida que depende dela para ter um fundamento l�gico e para tornar-se poss�vel no campo dos fatos psicol�gicos.

Mas, se a d�vida depende da garantia que lhe � dada pelo eu e pela mem�ria, ent�o ela n�o tem nenhum poder fundante. � coisa fundada, � certeza secund�ria e derivada, � obra de um agente mais profundo e mais inquestion�vel.

3� Por�m, a d�vida subentende algo mais. Como � poss�vel duvidar? A possibilidade da d�vida repousa inteiramente no nosso poder de conceber que as coisas sejam de um outro modo que n�o aquele com que se nos apresentam num dado momento. A d�vida assenta-se numa suposi��o; ela requer e subentende o poder de supor. Ora, tendo as coisas se apresentado ao sujeito de um certo modo, e n�o de outro, este outro e suposto modo s� pode apresentar-se � consci�ncia como obra do sujeito mesmo, como produto de imagina��o ou conjetura. Para saber que duvida, � necess�rio ent�o que o sujeito saiba que sup�s; que se reconhe�a portanto como sujeito n�o apenas de dois atos, como acabamos de ver, mas de tr�s: o ato de duvidar, o ato de refletir a d�vida e, antes de ambos, o ato de supor ou imaginar. A imagina��o �, somando-se � continuidade do eu e � mem�ria, um terceiro requisito e um terceiro fundamento da possibilidade da d�vida.

4� Mas, se o sujeito n�o percebesse nenhuma diferen�a entre as coisas tal como se lhe apresentam e as coisas tal como as sup�e, n�o poderia tomar consci�ncia de que sup�s, pois n�o haveria para ele diferen�a entre supor e perceber. Eis, portanto, que a consci�ncia dessa diferen�a �, ela tamb�m, um requisito e um fundamento da possibilidade da d�vida. Para duvidar, necessito distinguir, na representa��o, o dado e o constru�do, o recebido e o inventado, aquilo que me vem pronto e aquilo que fa�o e proponho. Logo, est� a� pressuposta a consci�ncia da diferen�a entre o objetivo e o subjetivo e, portanto, a cren�a na objetividade do objetivo e na subjetividade do subjetivo.

5� Mais ainda: se o sujeito confundisse esses dois dom�nios, acreditando que sup�s o percebido e percebeu o suposto, teria perdido a continuidade da consci�ncia e da mem�ria, que �, como vimos, condi��o de possibilidade da d�vida. Logo, a d�vida sobre a realidade do mundo n�o pode se apresentar como simples escolha entre duas possibilidades de valor igual e id�ntica origem, mas sempre como escolha entre um dado e um suposto, entre o recebido e o inventado.

5� N�o � poss�vel portanto duvidar da realidade do mundo sem saber de antem�o que esta d�vida, e a suposi��o que a fundamenta, s�o puras inven��es do pr�prio sujeito, e que esta inven��o � formal e temporalmente distinta do ato de perceber, bem como do conte�do percebido. A d�vida � uma suposi��o de que um mundo inventado � mais v�lido que o mundo recebido, suposi��o que se funda por sua vez na consci�ncia de inventar, de supor e de fingir. A d�vida quanto � realidade do mundo � sempre e necessariamente um fingimento, e quanto mais o fingidor se esforce para levar esta d�vida a s�rio, para torn�-la cada vez mais veross�mil, tanto mais o brilho mesmo da performance atestar� a diferen�a entre o veross�mil e o verdadeiro, assim como, no teatro, concedemos nossos aplausos ao ator precisamente porque sabemos que ele n�o � o personagem.

6� Mas esta consci�ncia de fingir seria imposs�vel se n�o se fundasse, a seu turno, na consci�ncia da diferen�a entre pensar e ser, imaginar e agir. Pois, subentendida a consci�ncia da diferen�a entre supor e perceber, paralelamente � consci�ncia que o eu tem de suas pr�prias a��es, n�o haveria como negar que o eu pensante tem consci�ncia da diferen�a entre a��o suposta e a��o realizada, de vez que a a��o realizada n�o � somente pensada, mas percebida fisicamente, exatamente como os seres do mundo sens�vel. N�o posso portanto colocar em d�vida os seres do mundo sens�vel sem no mesmo ato colocar tamb�m em d�vida os atos f�sicos que me vejo realizando, como por exemplo os movimentos de minhas m�os e pernas. Mas, ao mesmo tempo, n�o os posso colocar em d�vida sem questionar, no mesmo instante, a continuidade e unidade do eu, a qual no entanto est� pressuposta, como vimos, no ato mesmo de duvidar do que quer que seja. Eis a� outro motivo pelo qual a d�vida, sendo d�bia por sua natureza mesma, n�o poderia instalar-se sen�o pondo-se tamb�m a si mesma em d�vida, isto �, sabendo-se fundada numa suposi��o e num fingimento volunt�rio. Eis tamb�m por que a d�vida � t�o rara e dificultosa: ela implica um movimento que se desmente a si mesmo, que coloca em quest�o as condi��es mesmas que o possibilitam5.

7� Finalmente, a d�vida s� � poss�vel quando se sabe que algo, seja no percebido, seja no suposto, � insatisfat�rio, que n�o atende a um requisito fundamental de veracidade. Mas como poderia o sujeito dubitante exigir veracidade de suas suposi��es ou percep��es se n�o tivesse nenhuma id�ia a respeito da veracidade? Esta exig�ncia seria inconceb�vel sem uma id�ia da verdade, ainda que como mero objeto imagin�rio de desejo. O desejo de fundamento pressup�e no sujeito ao menos a possibilidade de imaginar que seus conhecimentos possam ser mais seguros do que realmente ele sente que o s�o num dado momento, ou seja, a verdade como ideal e a op��o pela verdade. Mas, ao mesmo tempo, vimos que o sujeito n�o conhecia esta verdade somente como ideal abstrato, mas j� tinha id�ia de pelo menos uma diferen�a efetiva entre verdade e falsidade: a diferen�a entre o dado e o suposto, acompanhada da consci�ncia verdadeira de que o suposto n�o foi dado, nem dado o suposto.

A d�vida ergue-se, assim, sobre todo um edif�cio de dados e pressupostos: longe de ser logicamente primeira, ela � um produto requintado e elaborad�ssimo de uma m�quina de saber. Longe de ter um poder fundante, ela n�o � sen�o uma manifesta��o mais ou menos acidental e secund�ria de um sistema de certezas.

S� que, se assim �, se o primado da d�vida met�dica � apenas o primado de um equ�voco, ent�o ficam sob suspeita, igualmente, o primado kantiano do problema cr�tico, o dogma positivista da impossibilidade de obter certezas metaf�sicas v�lidas, e muitas outras cren�as que o homem de hoje toma, mesmo a contragosto, como verdades �bvias e patentes. Mas isto j� � mat�ria para outras comunica��es, que ser�o apresentadas em outras oportunidades. Muito obrigado.

 

NOTAS  

  1. Primeira parte — resumida — do texto "Duvidar da D�vida e Criticar o Criticismo: Preliminares de um Retorno � Metaf�sica Dogm�tica", distribu�do aos alunos do Semin�rio Permanente de Filosofia e Humanidades em mar�o de 1996. Voltar
  2. Ao dizer "sucess�o e coexist�ncia", pare�o estar pronunciando um monumental contra-senso. Mas o sim e o n�o que comp�em a d�vida s�o coexistentes sob um aspecto, sucessivos por outro. Coexistentes logicamente como termos de uma contradi��o, s�o sucessivos psicologicamente, isto �, entram no palco da consci�ncia de modo c�clico, rotativo: um entra, o outro sai, como o dia e a noite, que coexistem no c�u e se sucedem num ponto da terra. Voltar
  3. Uma primeira vers�o desta an�lise da d�vida cartesiana encontra-se em meu livreto Universalidade e Abstra��o e Outros Estudos (S�o Paulo, Speculum, 1983), sob o t�tulo "O cogito cartesiano � luz da psicologia espiritual". Voltar
  4. "Certo e indubit�vel" ou "incerto e duvidoso" s�o predicados que n�o se aplicam ao fato como tal, mas aos ju�zos que fazemos a respeito dele. Voltar
  5. Ela � uma tor��o do aparato mental humano, um gesto doloroso que se auto-suprime, e que raros homens t�m condi��o de suportar por muito tempo sem grave risco para sua integridade psicol�gica. A possibilidade de assumir esse risco e venc�-lo repousa na exist�ncia de um corpo de cren�as t�o arraigado, t�o s�lido, que o homem possa se dar o luxo de sair dele numa viagem mental, seguro de reencontr�-lo na volta. Essa possibilidade, por sua vez, s� se cumpre nas sociedades e nas culturas urbanas altamente diferenciadas e est�veis, que d�o ao indiv�duo pensante o espa�o para inocentes v�os de imagina��o que em nada afetar�o sua conduta de cidad�o ou de s�dito honrado e cumpridor de seus deveres; que lhe d�o, mais ainda, espa�o livre para pensar uma coisa e fazer outra, para cultivar aquela hipocrisia defensiva que � notoriamente ausente entre os primitivos, e que, para o mal e para o bem, � uma s�lida prote��o da consci�ncia individual contra a tirania do discurso coletivo. Da� a coexist�ncia pac�fica entre a aud�cia revolucion�ria da d�vida cartesiana e o conservadorismo da "moral provis�ria" que a possibilita. Voltar

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