Momento de veracidade Olavo de Carvalho
�Cuanto más alto sube, baja al suelo.� (Frei LuÃs de León) A mÃdia abortista � isto é, praticamente a mÃdia inteira � cumpriu novamente o seu ritual periódico do silêncio obsequioso, desta vez omitindo-se de assinalar, ao menos com o devido destaque, as palavras centrais, memoráveis sob todos os aspectos, do voto dado pelo ministro Eros Grau na questão das células-tronco: �O debate instalado ao redor do que dispõe a Lei n. 11.105 não opõe ciência e religião, porém religião e religião. Alguns dos que assumem o lugar de quem fala e diz pela Ciência são portadores de mais certezas do que os lÃderes religiosos mais conspÃcuos. Portam-se, alguns deles, com arrogância que nega a própria Ciência, como que supondo que todos, inclusive os que cá estão, fossemos parvos. Como todas as academias de ciência são favoráveis à s pesquisas de que ora se cuida, já está decidido. Nada mais terÃamos nós a deliberar. Mesmo porque, a imaginar que as impedÃssemos, estarÃamos a opor obstáculo à cura imediata de doenças. A promessa é de que, declarada a constitucionalidade dos preceitos ora sindicados, algumas semanas ou meses após todas as curas serão logradas. TÃpica indução a erro mediante artifÃcio retórico. É necessário sopitarmos as expansões de infalibilidade de quem substitui a razão cientÃfica por inesgotável fé na Ciência, transformando-a em expressão de fanatismo religioso.� Dada a sua formação marxista, eu jamais esperaria do ministro uma tomada de posição tão lúcida, tão certeira, tão corajosa, comovente até, contra o �culto da ciência�. Culto que ainda recentemente mais uma obra histórica de grande envergadura, The Dictators: Hitler's Germany, Stalin's Russia , de Richard Overy (New York, W. W. Norton, 2004) veio confirmar ter sido um dos pilares fundamentais de construção dos dois regimes mais hediondamente homicidas que o mundo já conheceu. Um vÃcio crônico da intelectualidade brasileira é a devoção contÃnua que cada homem letrado, neste paÃs, se sente obrigado a continuar prestando, pela vida a fora, à s suas crenças de juventude. A identidade ideológica do adolescente, qualquer que seja ela, se integra de tal modo nos cérebros e nas almas, que acaba por se sobrepor à s faculdades de percepção e intuição, tornando impossÃvel o reconhecimento dos fatos mais gritantes, das realidades mais patentes e manifestas, e reduzindo a atividade pensante à repetição mecanicamente obsessiva de clichês e slogans , por mais deslocados que estejam da situação concreta. Martin Amis, o brilhante romancista e crÃtico inglês, dizia que a essência da crÃtica literária e, no fim das contas, de toda a vida intelectual, é �a luta contra os clichês � não somente os clichês da palavra, mas sobretudo os da alma e do coração�. Quando um intelectual e homem público brasileiro logra escapar da escravidão mental incapacitante que, por apego a seus companheiros de geração, tantos acabam consagrando como um dever sublime, o que se vê é aquele �momento de veracidade� em que as coisas se revelam como são e que, segundo uma antiga lenda hindu, eleva a criatura humana ao ponto de lhe dar voz de comando sobre os elementos da natureza. Só uma palavra pode resumir os méritos de que o ministro Grau se cobriu com esse seu voto: Bravo! |