Este pa�s j� se tornou indigno -- ou incapaz -- de ser examinado sob a �tica da filosofia pol�tica, que pressup�e, nos agentes do processo hist�rico, um m�nimo indispens�vel de consist�ncia, de realidade, de substancialidade. No Brasil de hoje tudo � simula��o -- numa medida jamais vista em qualquer outro lugar ou �poca da hist�ria --, e por isso os �nicos enfoques poss�veis para estud�-lo s�o o da psicopatologia social e o da criminologia: o primeiro porque as conex�es entre os pensamentos e a realidade, entre a vida interior e exterior dos personagens, s�o puramente convencionais e imagin�rias; o segundo, porque n�o h� um s� ato ou decis�o dos agentes que n�o constitua de algum modo uma viola��o das leis do pa�s, para n�o dizer dos princ�pios elementares da moralidade. No fundo, a simples exist�ncia de um pa�s como esse j� � uma imoralidade, talvez um crime.
A vida p�blica no Brasil de hoje n�o pode sequer ser objeto de s�tira, pois ela mesma � sat�rica, no sentido de que todas as falas e a��es dos personagens t�m duplo significado e os dois significados s�o igualmente ilus�rios: aquele que o agente pretende impingir ao ouvinte ou espectador e aquele em que ele se baseia para se orientar no quadro daquilo que imagina ser a realidade.
O atual enredo brasileiro � totalmente composto de auto-ilus�es que se sustentam na base de ilus�es secund�rias criadas para ludibriar o pr�ximo, mas que n�o raro acabam por persuadir o pr�prio agente, transformando-o em instrumento inconsciente daqueles a quem pretendia enganar.
As a��es a� obedecem rigorosamente � estrutura de um engano m�tuo fundado num duplo auto-engano, multiplicando-se num efeito em espelho at� a total impossibilidade de controlar -- ou at� de narrar -- o fluxo dos acontecimentos.
Nesse panorama, qualquer discuss�o de id�ias, doutrinas ou programas de a��o nunca � o que parece, mas tamb�m n�o � o que os produtores da com�dia desejariam que parecesse, uma vez que eles n�o t�m dom�nio suficiente da realidade para projetar um efeito previs�vel e acabam sendo eles pr�prios arrastados no jogo de fantasmagorias que criaram.
� a apoteose da macaquice, que termina por macaquear-se a si mesma, na ilus�o suprema de poder restabelecer contato com a realidade por meio de uma macaquea��o de segundo grau.
A coisa s� n�o descamba em trag�dia porque as a��es s�o t�nues, o territ�rio � grande e os contatos sociais s�o ralos e epid�rmicos. Comprimido num espa�o mais denso, esse jogo seria explosivo. O caos das consci�ncias s� n�o se transmuta em caos social porque os agentes s�o fracos demais para romper o quadro rotineiro da vida, que, na desorienta��o geral, continua o �nico guiamento poss�vel e adquire uma autoridade quase divina, produzindo, como efeito colateral, o culto devoto da banalidade.
Posted by Olavo at junho 2, 2003 10:39 AM